João Cândido da Silva
O deserto de Lisboa
Lisboa perdeu milhares de habitantes nos últimos anos. Entre outras motivações, fugiram dos elevados preços do imobiliário, procurando fixar-se nos concelhos limítrofes, onde o custo por metro quadrado no mercado de habitação é relativamente mais baixo.
Todos os dias, os acessos à cidade são entupidos com os automóveis de quem vive fora da capital mas continua a trabalhar no seu interior. E, pelo final de cada dia útil, Lisboa fica deserta e moribunda.
O problema deve preocupar os responsáveis da autarquia lisboeta, que têm pecado por não conseguirem estancar a progressiva agonia da cidade. Não é um tema fácil, está recheado de declarações de boas intenções que resultaram em nada e fornece ampla margem para o exercício da demagogia. A proposta, ainda de contornos vagos, que visa obrigar os promotores imobiliários a vender ou arrendar 25% dos novos fogos a preços controlados, até pode soar bem. É politicamente correcta e dá um indispensável “toque social” a um acordo político feito à esquerda. Mas, à primeira vista, ameaça provocar mais danos do que benefícios.
Se a gestão camarária que começou agora a desenhar-se através de uma aliança entre o PS e o Bloco de Esquerda não quiser continuar a destapar a caixa de Pandora do intervencionismo, alguém vai pagar a factura. Para alienar casas a preços mais baixos, mas sem beliscar as margens obtidas com o negócio, será normal que os promotores agravem o custo dos 75% de imóveis que poderão ser vendidos a preços de mercado.
Isto poderá significar, muito simplesmente, que a maioria dos fogos novos, ou objecto de reabilitação, ficará mais cara, podendo este movimento contaminar os preços do restante mercado de habitação. Corre-se o risco de provocar o efeito oposto àquele que se pretende produzir, o que torna evidente ser necessário avaliar melhor a medida antes de a autarquia iniciar a corrida para agarrar uma potencial miragem. Até porque há outros detalhes a ter em consideração quando se decide actuar sobre o imobiliário lisboeta.
A cidade tem quase 60% da totalidade das casas vazias que existem em todo o País. O financiamento barato não cria urgência na sua alienação e a espera por uma oportunidade mais interessante de negócio são apenas algumas das razões, entre as mais inocentes, que levam os seus proprietários a mantê-las fora do circuito das transacções imobiliárias. De uma situação de escassez de habitação, passou-se para outra em que, após anos consecutivos de explosão urbanística, não deveriam existir razões para desequilíbrios entre a oferta e a procura. A entrada no mercado de uma parte das 112 mil habitações vazias de Lisboa poderia ser suficiente para corrigir em baixa os preços desincentivadores que têm afastado os compradores para outras paragens menos onerosas. No mínimo, há razões para acreditar que o incentivo à colocação dessas casas no mercado poderia ajudar a arrefecer os preços.
No Porto, a respectiva Câmara já anunciou que, a partir de 2008, irá aproveitar a possibilidade legal de aumentar o imposto municipal sobre imóveis relativo aos prédios devolutos. O objectivo é tentar, através de um incentivo negativo, alargar a oferta no mercado imobiliário da cidade e, por esta via, colocar algum travão na escalada de preços. Pode ser uma solução menos vistosa. Mas poderá ter a grande vantagem de ser mais simples de aplicar e mais eficaz nos seus efeitos.