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    • 23 março 2009

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    Uma opção cada vez menos alternativa
    Raquel Almeida Correia

    O sonho de Nélson Branquinho, 25 anos, é ser dono de uma casa, mas, por enquanto, tem de se contentar com o estatuto de inquilino. Na ausência de bagagem financeira, optou pelo arrendamento. "É mais económico e mais flexível", diz. A sua história é igual à de tantos outros que viram na renda uma alternativa a prestações bancárias elevadas ou a empréstimos impossíveis de conseguir. São eles os protagonistas de um capítulo de mudança no mercado imobiliário português.
    Quando decidiu sair de casa dos pais, há quatro anos, o programador informático ainda ponderou comprar casa, mas foi obrigado a mudar de planos. "Além de os preços serem muito altos, o acesso ao crédito já era complicado e as taxas de juro estavam elevadas, na altura", conta. O arrendamento tornou-se uma opção mais tentadora, sobretudo depois de ter conhecimento do Incentivo ao Arrendamento Jovem (IAJ), subsídio concedido pelo Estado que, a partir de 2007, passou a designar-se por Porta 65.
    "Comecei à procura nos jornais e nas imobiliárias, mas havia poucas casas no mercado", refere. O T3 que arrendou no centro de Aveiro, por 420 euros, apareceu "por acaso" quando passou pelo apartamento e se deparou com um anúncio. Sabe que foi "um tiro de sorte", porque o preço que paga pelo apartamento está muito abaixo dos valores praticados. Na Century 21, por exemplo, "a renda média dos contratos de arrendamento é de 600 euros", revela Ricardo Sousa.
    O administrador da rede de imobiliárias admite que "existem muitos valores desajustados da realidade" porque "a maioria das pessoas coloca a casa para arrendamento sem se aconselhar com profissionais e sem legalizar a transacção". Este tem sido um obstáculo à evolução deste mercado, tornando-o menos atractivo em relação à compra.

    Pouca oferta, preços altos
    Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL), acredita que a vaga dos preços inflacionados "chegará ao fim, à medida que a oferta aumentar". Até lá, "muitos senhorios vão aproveitar-se do facto de ainda haver poucos imóveis no mercado. Muitos deles utilizam as rendas para pagar as suas próprias prestações de crédito à habitação", denuncia.
    A questão dos preços já suscitou muita polémica, inclusivamente em redor do recém-criado subsídio ao arrendamento jovem, obrigando o Governo a rever as rendas máximas para obtenção de subsídio. Muitas das queixas partiram do movimento Porta 65 Fechada, pelo qual João Cleto dá a cara.
    O responsável afirma que "ainda há muitas questões por resolver" como, por exemplo, a "discriminação de pessoas em situação de precariedade laboral", uma vez que o esforço para pagar a renda não pode ultrapassar 60 por cento dos rendimentos.
    No caso de Nélson, que ganha perto de 950 euros, o Estado cedeu-lhe 180 euros por mês no primeiro ano de subsídio, tendo este sido reduzido para 120 euros no segundo ano. Quando o antigo IAJ ainda estava em vigor, recebia um apoio que rondava os 300 euros. "Complicaram muito o processo e retiraram dinheiro a quem realmente precisa", diz.

    Arrendar para poupar
    O T1 que Aníbal (nome fictício), 58 anos, arrendou em Famalicão, em meados da década de 80, já custou perto de 80 euros ("16 contos, na moeda antiga"). Hoje, paga 203 euros por mês e tem certeza que, se quiser mudar, consegue "encontrar um apartamento abaixo dos 300 euros". O facto é que a realidade dos preços é muito variável, também em função da geografia, sendo que os grandes centros urbanos (sobretudo, Lisboa e Porto) são as zonas mais caras do país.
    Se há pessoas que optam pelo arrendamento por obrigação, outras há que o fazem por opção de vida. A verdade é que viver em casa alheia tem as suas vantagens, sejam elas a mobilidade geográfica ou mesmo a poupança. Aníbal, economista, já fez as contas e percebeu que "é muito mais económico arrendar". E, por isso, vive há 24 anos neste regime e não pondera mudar de sistema.
    "Não pago encargos bancários, nem despesas de manutenção, nem impostos. E, se estiver farto da vizinhança, é só mudar de casa", afirma. João Cunha, administrador da Square (que lançou um programa que permite aos inquilinos optar por comprar a casa mais tarde, amortizando o montante pago em rendas), refere que há três principais vantagens em arrendar casa: "Permite uma maior mobilidade no processo de troca de casa, não carece de envolvimento em processos de financiamento bancário e os custos directamente relacionados com o imóvel são apenas os do arrendamento, eliminando os encargos fiscais e de manutenção".
    O arrendamento será sempre mais vantajoso, quando significar uma mais-valia face à aquisição, seja o preço ou a liberdade de movimentos, ou quando a compra não for uma opção possível. Muitos inquilinos moram nas casas que sempre quiseram ter, mas que nunca vão conseguir pagar.

    Mercado desequilibrado
    Catarina (nome fictício), 39 anos, é uma dessas pessoas. De um apartamento pequeno passou para um T3 com vista para o mar, na linha de Cascais. Como sentiu que seria difícil vender o primeiro, que já está totalmente pago, optou por arrendá-lo e, hoje, o valor que recebe do inquilino do T1 (400 euros) paga metade da renda da sua nova casa.
    "Comprei a minha casa a pronto. Não gosto de empréstimos bancários. E tenho noção que, se quisesse comprar a casa onde estou agora, a prestação seria muito mais elevada do que a renda que pago. E prefiro saber que estou aqui dois anos e que posso mudar de casa", diz.
    Ao contrário do que aconteceu com Catarina, que, à semelhança de Nélson, encontrou facilmente uma oportunidade de arrendamento, nem sempre este processo é tão célere e tão fácil. Apesar de as imobiliárias garantirem que a qualidade está a crescer ao ritmo da quantidade, ainda há muita oferta desenquadrada, que não reúne condições para ser habitada.
    Romão Lavadinho, da AIL, frisa que "os senhorios não podem ver o arrendamento como uma solução secundária, apresentando casas degradadas, com móveis danificados". Tem de haver "mais respeito pelos inquilinos", remata.
    Além disso, há mais pessoas à procura de casa para arrendar, do que casas disponíveis. "Estamos a registar uma procura por arrendamento dez vezes superior à procura por compra e ainda temos uma oferta de arrendamento seis vezes inferior à oferta para venda", avança Ricardo Sousa, administrador da Century 21.
    As expectativas das imobiliárias para 2009 são, regra geral, muito optimistas. Prevêem que a dificuldade em vender casa tenha um impacto positivo no mercado de arrendamento, obrigando cada vez mais proprietários a aderir a este modelo para rentabilizar o investimento e, consequentemente, a baixar os preços. Um equilíbrio ideal que, nos dias que correm, ainda está longe de ser uma realidade, apesar do aumento exponencial na procura. Ao que parece, a oferta já está a andar, mas um passo mais lento.

    http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=noticias.asp%3fa%3d2009%26m%3d03%26d%3d20%26sid%3d0%26id%3d299640
 
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