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    • eu
    • 17 abril 2017

     # 1

    Os meus Pais têm um terreno agrícola e estão a cuidar também do terreno ao lado, com a devida autorização do proprietário, há mais de 20 anos. Surgiu a oportunidade de comprar esse terreno, e os meus Pais fizeram uma oferta ao proprietário.

    Por lei, todos os confinantes têm que ser ouvidos. Assim, o proprietário telefonou a todos os outros confinantes, perguntando-lhes se estavam interessados. Todos disseram que não por telefone. Perante isto, o proprietário aceitou a proposta dos meus Pais e marcaram a escritura.

    Entretanto, para que o processo ficasse devidamente instruído, o proprietário enviou uma carta registada aos confinantes a solicitar que se manifestassem sobre a venda e agora, um dos confinantes que tinha dito por telefone que não estava interessado, mudou de opinião e respondeu por escrito que sim, também está interessado.

    E agora? Tendo o proprietário feito já um acordo verbal de compra e venda com os meus Pais, é obrigado a aceitar a proposta do outro confinante, se for mais elevada?

    Qual é a legislação aplicável a este caso?

    Obrigado desde já,
    Estas pessoas agradeceram este comentário: vithorius
  1.  # 2

    Artigo 1380.º (Direito de preferência) do Código Civil:
    1. Os proprietários de terrenos confinantes, de área inferior à unidade de cultura, gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda, dação em cumprimento ou aforamento de qualquer dos prédios a quem não seja proprietário confinante.
    2. Sendo vários os proprietários com direito de preferência, cabe este direito:
    a) No caso de alienação de prédio encravado, ao proprietário que estiver onerado com a servidão de passagem;
    b) Nos outros casos, ao proprietário que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
    3. Estando os preferentes em igualdade de circunstâncias, abrir-se-á licitação entre eles, revertendo o excesso para o alienante.
    4. É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416.º a 418.º e 1410.º, com as necessárias adaptações.

    Sobre a "unidade de cultura",
    Portaria n.º 219/2016, de 9 de Agosto

    Posto isto,
    Há decisões no sentido de que, sendo a venda feita a um confinante, não há direito de preferência dos demais confinantes... mas também há decisões em sentido contrário...

    Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/01/2009, Processo n.º 486/07.2TBALB.C1
    I – Conjugando o disposto nos artºs 1380º, nºs 1, e 2, al. b), do C. Civ., e 18º, nº 1, do D.L. nº 394/88, de 25/10, conclui-se que qualquer proprietário de prédio rústico confinante de prédio da mesma natureza, tem o direito de preferir na venda deste, mesmo que a área do seu prédio iguale ou exceda a área da unidade de cultura, apenas se impondo que o prédio alienado e objecto da preferência tenha uma área inferior à da unidade de cultura.
    II – Porém, é pressuposto do reconhecimento do referido direito de preferência que a venda do prédio seja feita a terceiro não confinante.
    III – Verificando-se que a venda de terreno de área inferior à unidade de cultura foi feita a proprietário de terreno confinante, já nenhum outro proprietário confinante, em qualquer circunstância, terá então direito de preferência nessa venda.

    Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/09/2006, Processo 654/05.1TBNLS.C1:
    Pelo exposto, são requisitos do direito real de preferência, a que alude o artigo 1380º, do CC, a existência de dois prédios confinantes, que pertençam a proprietários diferentes, que ambos sejam aptos para cultura, sem que os dois atinjam ou transcendam os limites da área mínima de cultura, que um deles tenha sido vendido ou dado em cumprimento, que o preferente seja dono do prédio confinante com o prédio alienado, e que o adquirente do prédio não seja proprietário confinante ou, sendo-o, na hipótese de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, não se tratando de um caso de alienação de prédio encravado, aquele que, pela preferência, obtenha a área que mais se aproxime da unidade de cultura fixada para a respectiva zona.
    A venda de prédio rústico a proprietário de prédio com aquele confinante não afasta, por si só, em caso de concurso de preferentes proprietários de prédios confinantes, a possibilidade de qualquer um destes poder exercer o direito de preferência, consagrado pelo artigo 1380º, do CC[ Em sentido contrário, STJ, de 7-7-1994, BMJ nº 439º, 562; RE, de 14-3-2002, CJ, Ano XXVII, T2, 267; mas não, conforme vem citado pelos apelados, Galvão Teles, O Direito, 106º-119º, 352; e Direito de Preferência na Alienação de Prédios Confinantes, O Direito, 124º, 7 e seguintes, nem Antunes Varela, RLJ, Ano 125º, nº 3814, 11 e ss, Ano 127º, nºs 3847, 308 e ss., 3848, 326 e ss., e 3848, 365 e ss., nem, finalmente, o Acórdão do STJ, de 18-3-86, RLJ, Ano 124º, nº 3813, 365, onde a questão que se coloca tem a ver, exclusivamente, com a problemática da unidade de cultura, nem ainda o Acórdão da RC, de 28-10-80, BMJ nº 302º, 321

    O caso merece estudo e reflexão de um profissional habilitado - nomeadamente advogado ou solicitador.
    Estas pessoas agradeceram este comentário: eu, vithorius, reginamar
  2.  # 3

    Meu estimado, como salientado no escrito anterior, se o dono de um prédio rústico o pretender transmitir, deverá ter noção que essa transmissão poderá estar condicionada ao direito de preferência dos confinantes, estando esta condição dependente quer da localização do imóvel quer da área do imóvel. Nestes termos, o Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional aprovado pelo DL nº 73/2009, corresponde ao conjunto de áreas que apresentam – em termos agroclimáticos, geomorfológicos e pedopedagógicos – maior aptidão para a actividade agrícola, tratando-se assim de uma restrição de utilidade pública à utilização não agrícola dos solos.

    Este diploma estipula, no artº 26º, um direito legal de preferência que incide sobre a transmissão (por venda ou por dação em cumprimento) de prédios rústicos ou mistos incluídos numa área RAN. No âmbito desta transmissão, todos os proprietários de prédios rústicos ou mistos que sejam confinantes são titulares do direito de preferência, qualquer que seja a área do imóvel a transmitir ou do imóvel dos proprietários dos imóveis confinantes.

    Contudo, este direito de preferência não prejudica outros que legalmente sejam atribuídos aos proprietários de imóveis rústicos confinantes, tais como o previsto no artº 1380º do CC, que determina que haverá direito de preferência se algum dos terrenos (o terreno objecto de venda ou o terreno confinante) for de área inferior à unidade de cultura. A unidade de cultura corresponde à superfície fundiária variável consoante as regiões que se considera oferecer condições técnicas e económicas conducentes a uma produtividade e rentabilidade compensadora.

    Do STJ de 28/2/2002, "Há direito recíproco de preferência entre os donos dos prédios rústicos confinantes, desde que um deles (seja aquele cujo dono quer vendê-lo, seja o outro contíguo, que pretende comprá-lo) tenha área inferior à unidade de cultura.". Desta sorte, ao pretender vender ou entregar o terreno a título de dação e o prédio tem uma área inferior à unidade de cultura ou se algum prédio rústico confinante tem uma área inferior à unidade de cultura, então terá de dar a todos os confinantes do mesmo o direito de preferência, ou algum destes poderá impugnar a venda e exigir judicialmente haver para si o prédio alienado.

    Ora, dimana do artº 416º do CC (Conhecimento do preferente) que: Querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato (nº 1). Recebida a comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade, salvo se estiver vinculado a prazo mais curto ou o obrigado lhe assinar prazo mais longo (nº 2). E do 1410º (Acção de preferência) que: O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota alienada, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da acção (nº 1). O direito de preferência e a respectiva acção não são prejudicados pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos resultem de confissão ou transacção judicial (nº 2).

    É consabido que a lei não prescreve nenhuma formalidade a observar para a feitura da comunicação, podendo aquela haver-se, inclusive, verbal, no entanto, este expediente deve ter-se usado com as devidas reservas de acautelamento, nomeadamente para a eventualidade da necessidade do agente carecer da produção de prova. A regra em direito é que, quem alega um determinado facto, tem a obrigação de prová-lo. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova (cfr. artº 342º CC). Assim, mesmo havendo-se feita a devida e requerida comunicação, a posteriori dela se vir impossibilitado de fazer prova, é como se a mesma não se tivesse produzido.

    Desta sorte, se houver lugar ao direito preferencial, importa aferir se o proprietário pode provar a feitura da comunicação (o que não é de todo impossível). Havendo-se concretizada a prova, tem-se tudo regular com o negócio, caso contrário, perante a existência de dois preferentes, abre-se licitação entre os dois. Não havendo um direito preferencial, podem concretizar o negócio, sem mais.
    Estas pessoas agradeceram este comentário: eu, vithorius, nunogouveia, reginamar
 
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