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    •  
      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 21

    6.
    História posterior Lusitânia

    O vínculo administrativo com Roma terminaria em 411 quando o imperador Honório, após um prolongado período de guerra civil, estabeleceu um pacto com os Alanos que lhes concedia a Lusitânia. Dois anos mais tarde, porém, seriam os Visigodos que dominariam a Lusitânia a sul do Tejo, enquanto que a norte os Suevos continuavam com o seu reino, com capital em Braga.

    Imagem: Estátua Viriato, Viseu.
      viriato rev7low.jpg
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 22

    Viriato
    Viriato (181 a.C. – 139 a.C.) foi um dos líderes da tribo lusitana que confrontou os romanos na Península Ibérica.

    Cava do Viriato
    Apesar do nome que a designa, é hoje sabido que a cava situada junto ao Largo da Feira de São Mateus de Viseu nada tem a ver com Viriato, o guerreiro lusitano cuja estátua adorna este lugar.

    Apesar do nome que a designa, é hoje sabido que a cava situada junto ao Largo da Feira de São Mateus de Viseu nada tem a ver com Viriato, o guerreiro lusitano cuja estátua adorna este lugar. Ao contrário do que a imaginação popular levou a crer, a investigação recente atesta que não foram os lusitanos que edificaram esta fortaleza. E se alguns autores a atribuem aos romanos de cerca do século I a.C., outros há que afirmam que foram os muçulmanos quem ergueu esta cidade-acampamento. Enquanto novas escavações não confirmam a verdadeira fundação deste mítico local, venha apreciar este pedaço de história em plena cidade.

    Um mistério arqueológico

    Como terá, então, surgido em Viseu esta gigantesca fortaleza? Eis a pergunta que muitos arqueólogos querem ver respondida. De planta octogonal com cerca de 38 hectares, rodeada por muros e protegida por taludes, a cava é cercada por um fosso de água que está dotado de um sofisticado sistema de engenharia hidráulica que ligava o seu interior ao rio Pavia e à ribeira de Santiago. Recentes teorias defendem que uma tal configuração, que não encontra qualquer semelhança a nível peninsular, parece corresponder à das cidades-acampamentos muçulmanas.

    Monumento nacional desde 1910, a Cava de Viriato sofreu a erosão do tempo, até que em 2001 um projecto do Arquitecto Gonçalo Byrne requalificou a zona, recuperando dois dos lados do octógono que praticamente tinham desaparecido. Com uma passadeira construída ao longo de toda a estrutura dos taludes, a Cava ganhou em acessibilidade, possibilitando uma visita mais completa que permite ao visitante fazer uma viagem no tempo.

    Fonte : http://www.centerofportugal.com/pt/cava-do-viriato/
      artigos-bin_imagem_jpeg_0819200001258370291-862.jpeg
      viriatoebarcelosintro.gif
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      CMartin
    • 27 agosto 2017 editado

     # 23

    (continuado daqui
    https://forumdacasa.com/discussion/50920/portugal-etnografia-e-arquitectura/#Comment_1120948)


    II
    PORTUGAL DE PERTO

    Etnografias portuguesas (1870-1970): cultura popular e identidade nacional
    Joao Leal

    Nesse seu empreendimento etnogenealógico, os etnógrafos e antropólogos portugueses, deram particular relevo, antes do mais, à etnogenealogia no sentido mais estrito da palavra, isto é, a uma análise histórico-genética da cultura popular susceptível de enraizar a identidade nacional portuguesa no tempo
    longo da etnicidade. Embora observada no presente, a cultura popular era vista como um conjunto de testemunhos, conservados entre os camponeses, dos antecedentes étnicos mais remotos da nação.

    Paralelamente, foi grande o peso concedido à reconstrução, a partir da cultura popular, de um elenco de traços psicológicos e espirituais que seriam próprios do carácter nacional português, ou, para utilizar uma expressão recorrentemente usada por vários autores, da psicologia étnica portuguesa. Por intermédio dessas investigações, procurou-se - de acordo com um dispositivo recorrente nas ideologias nacionalistas - construir Portugal como um «indivíduo colectivo» (Dumont 1983, Handler 1988) caracterizado por uma idiossincrasia própria, que encontraria na saudade - um dos tropos por excelência que o século XX inventou para falar de Portugal - a sua expressão condensada.

    Por fim, os etnógrafos e antropólogos portugueses - em conjunto com outros especialistas - foram também essenciais no processo de «objectificação» (Handler 1988) da cultura popular portuguesa, isto é, da sua transformação num conjunto de aspectos, traços e objectos que, retirados do seu contexto
    inicial de produção - o localismo da vida camponesa puderam funcionar como emblemas da identidade nacional. Esses «objectos que só nós temos e os outros não» - desde especímenes de literatura popular a alfaias agrícolas, de tipos específicos de arquitectura vernácula a manifestações variáveis de arte popular - foram assim constituídos em símbolos sobre os quais repousaria a possibilidade mesma de se falar da identidade nacional portuguesa.

    (...)
    Os consensos gerados por estas diferentes pesquisas foram também diversos. Nuns casos, as eventuais resistências iniciais a uma determinada forma de olhar a realidade foram vencidas e as análises e conclusões propostas foram aceites como mais ou menos incontroversas - como aconteceu com as propostas de Pascoaes sobre a saudade. Noutros casos, porém, aquilo que é relevante são os conflitos de interpretação, as formas de olhar que entram em polémica, as guerras culturais em torno de diferentes imagens do povo e do país
    (Lebovics 1992). O campo que nos ocupará no presente livro é um campo onde as tensões e as diferenças são, por assim dizer, endémicas. Propondo-se idealmente como um espaço de convergência capaz de superar diferenças
    regionais, de classe, género ou idade, a identidade nacional é entretanto, na prática, uma arena onde se confrontam diferentes entendimentos sobre o que foi, é ou deverá ser uma nação.
    •  
      CMartin
    • 27 agosto 2017 editado

     # 24

    III
    PORTUGAL DE PERTO

    Etnografias portuguesas (1870-1970): cultura popular e identidade nacional
    Joao Leal

    OBJECTOS, MÉTODOS, TEORIAS
    Os diferentes momentos que temos vindo a passar em revista remetem todos eles para a centralidade do estudo da cultura popular portuguesa na tradição antropológica portuguesa.
    Esta é estudada de acordo com algumas grandes constantes. Assim e antes do mais, a cultura popular é sempre sinónimo de ruralidade. Dela estão excluídas, por norma, as cidades e as camadas populares urbanas.
    •  
      CMartin
    • 27 agosto 2017 editado

     # 25

    IV
    PORTUGAL DE PERTO

    LUSITÂNIA E PORTUGAL

    Presente nestes textos de 1885 e 1888, esta referência à Lusitânia como quadro interpretativo por excelência do passado pré e proto-histórico de Portugal continuará a orientar a pesquisa arqueológica posterior de Leite de Vasconcelos. A melhor prova disso é, como se sabe, aquela que é geralmente considerada a sua obra mais relevante no domínio da arqueologia: as Religiões da Lusitânia. Definindo a religião como «um dos elementos mais importan-
    tes (...) no viver de um povo» (Vasconcelos 1897: XXVII), Leite de Vasconcelos desenvolverá aí um elaborado estudo das religiões da Lusitânia
    desde os tempos pré-históricos às invasões bárbaras, passando pela romanização. Encarada como uma contribuição parcelar para uma «História da Lusitânia», a obra retoma e sistematiza na sua Introdução o essencial das ideias defendidas pelo autor em 1888 relativamente à continuidade entre a Lusitânia
    e Portugal:
    se o território de Portugal não concorda exactamente com o da Lusitânia, está porém compreendido no dela; (...) a língua que falamos é, na sua essência mera modificação
    da que usavam os Luso-Romanos; (...) muitos dos nossos nomes de lugares actuais
    provêm de nomes pré-romanos; (...) certas feições no nosso carácter nacional (...)
    encontravam[-se] já nas tribos da Lusitânia; (...) grande parte dos nossos costumes,
    superstições, lendas, isto é, da vida psicológica do povo, datam do paganismo; (...)
    bom número das nossas povoações correspondem a antigas povoações lusitânicas ou luso-romanas; (...) numa palavra, quando estudamos, por miúdo, qualquer elemento
    tradicional da nossa sociedade, (...) achamo [-nos] constantemente em estreita relação
    com o passado, ainda mesmo com o mais remoto.



    (...)

    Entretanto, os obstáculos maiores para a confirmação plena das teses lusitanistas por Jorge Dias parecem provir de outro lado. De facto, como ficou sublinhado atrás, essas teses propunham uma espécie de exclusivo relativa-
    mente aos antecedentes étnicos do país. Era mesmo aí que se parecia situar - como vimos - um dos motivos da sua eventual superioridade relativamente a narrativas concorrentes. Ora este exclusivo chocava-se desde o início com a efectiva diversidade de populações que se tinham sucedido historicamente no território português. É justamente para resolver essas dificuldades - como Barcelos ou como está implícito na Etnografia Portuguesa de Vasconcelos.

    Há um listagem variável de populações que se terão sucedido no território português, sem que seja explicitado de que modo e até que ponto cada umas delas contribuiu para a formação e o desenvolvimento da cultura portuguesa. Jorge Dias vai adoptar a esse respeito uma visão diferente, mais dinâmica e sistemática. Como vimos, um dos aspectos fundamentais da reflexão antro-
    pológica de Jorge Dias é a sua sensibilidade em relação à diversidade do país.

    Essa sensibilidade estrutura-se em torno do modelo proposto por Orlando Ribeiro e baseado na distinção entre Portugal Mediterrânico, Portugal Atlântico e Portugal Transmontano. É justamente a justeza desse modelo que a investigação de Dias em torno dos arados parece confirmar. De facto, para além do arado radial, Dias identificou ainda no território português dois outros modelos de arado, que ele denominou de arado de garganta e de arado quadrangular.

    Tal como o arado radial coincidiria, como vimos, com uma das áreas geográficas proposta por Orlando Ribeiro - o Portugal Transmontano - sucederia o mesmo com os dois outros tipos de arado. De facto o arado de garganta estaria ligado ao Portugal Mediterrânico, enquanto que o arado quadrangular se encontraria no Portugal Atlântico. Só que da mesma maneira que o arado radial, ligado a uma área geográfica precisa, seria também a expressão de uma corrente étnica determinada, o mesmo aconteceria com os restantes modelos de arados. Ligados a dois quadros geográficos distintos, eles seriam também os testemunhos de duas influências étnicas também elas diferenciadas: romanos e árabes, no caso do arado de garganta, e suevos, no caso do arado quadrangular.
    Isto é: se é possível demonstrar a continuidade entre lusitanos e portugueses, essa continuidade não é entretanto exclusiva. Para que os lusitanos
    possam continuar a fazer parte do quadro etnogenealógico do país, sugere o bom senso científico que eles estejam entretanto acompanhados. Só uma parte da cultura portuguesa pode ser interpretada de acordo com o modelo lusitanista.


    A semelhança pois de Leite de Vasconcelos, embora de uma forma diferente, os resultados finais do fascínio inicial de Jorge Dias pelas teses lusitanistas acabam por ser relativamente decepcionantes. Isto é tanto mais verdade quanto - com excepção dos «Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa» - os lusitanos acabarão por ser os grandes ausentes da produção posterior de Jorge Dias. Orientando-se de acordo com o modelo etnogenealógico inicialmente testado em Os Arados Portugueses e as sua Prováveis Origens, esta irá de facto privilegiar antecedentes étnicos distintos para a cultura popular portuguesa.
  1.  # 26

    Colocado por: CMartinEssa sensibilidade estrutura-se em torno do modelo proposto por Orlando Ribeiro e baseado na distinção entre Portugal Mediterrânico, Portugal Atlântico e Portugal Transmontano. É justamente a justeza desse modelo que a investigação de Dias em torno dos arados parece confirmar. De facto, para além do arado radial, Dias identificou ainda no território português dois outros modelos de arado, que ele denominou de arado de garganta e de arado quadrangular.

    Tal como o arado radial coincidiria, como vimos, com uma das áreas geográficas proposta por Orlando Ribeiro - o Portugal Transmontano - sucederia o mesmo com os dois outros tipos de arado. De facto o arado de garganta estaria ligado ao Portugal Mediterrânico, enquanto que o arado quadrangular se encontraria no Portugal Atlântico. Só que da mesma maneira que o arado radial, ligado a uma área geográfica precisa, seria também a expressão de uma corrente étnica determinada, o mesmo aconteceria com os restantes modelos de arados. Ligados a dois quadros geográficos distintos, eles seriam também os testemunhos de duas influências étnicas também elas diferenciadas: romanos e árabes, no caso do arado de garganta, e suevos, no caso do arado quadrangular.
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  2.  # 27

    V
    PORTUGAL DE PERTO

    A PSICOLOGIA ÉTNICA OU A NAÇÃO COMO INDIVÍDUO COLECTIVO

    (...)
    É justamente a partir de algumas destas ideias, como sugeriu Richard Handler no seu estudo sobre o nacionalismo no Quebec (1988), que se torna possível apreciar a importância do tema da psicologia étnica nos discursos de identidade nacional. Por seu intermédio, as culturas nacionais são literalmente vistas como indivíduos «que têm uma alma, um espírito ou uma personalidade» (Handler 1988: 41).
    Simultaneamente, a concepção de nação presente nos discursos centrados na psicologia étnica apresenta também uma componente fortemente hierárquica. As qualidades espirituais e psicológicas da nação definida como um indivíduo colectivo - ou, para recorrer à terminologia de Mauss (1983 [1938]), como uma «pessoa» colectiva - servem não só para reivindicar a sua singularidade, mas para conferir valor e superioridade a esse colectivo nacional.

    Fonte : A mesma para todos os comentários entitulados PORTUGAL DE PERTO
    https://run.unl.pt/bitstream/10362/4339/1/Etnografi...pdf
    •  
      CMartin
    • 31 agosto 2017 editado

     # 28

    VI
    PORTUGAL DE PERTO

    A BUSCA DA PSICOLOGIA ÉTNICA: PRIMEIROS ENSAIOS

    E no interior do quadro genérico que acabámos de reconstituir que é justamente possível situar o debate travado em Portugal a partir de finais do século xix em torno da possibilidade e dos termos precisos de definição da identidade nacional portuguesa como uma identidade apoiada numa psicologia étnica própria que faria da nação portuguesa um indivíduo colectivo caracterizado por qualidades espirituais específicas.
    Nesse debate, começam por ter uma intervenção relevante os antropólogos dos anos 1870 e 1880. Entre eles, encontra-se antes do mais Teófilo Braga. Foi na sua opus magna O Povo Português nos seus Costumes, Crenças e Tradições (1985 [1885]) que o assunto foi mais aprofundadamente desenvolvido.
    Configurando-se como uma das primeiras tentativas de abordagem sistematizada da cultura popular portuguesa tal como era esta entendida pelos etnólogos
    das décadas de 1870 e 1880, O Povo Português... consagra de facto um dos seus primeiros capítulos à caracterização da psicologia étnica portuguesa enquanto
    somatório de um conjunto de qualidades resultantes da etnogenealogia pluralista da cultura popular portuguesa. Entre essas qualidades, Braga refere sucessivamente o «excessivo orgulho» (id.: 62), o «génio imitativo» e «amoroso» (id.: 65) e o carácter pouco especulativo - que remeteriam para o fundo turaniano da
    cultura portuguesa -, a tendência para o fatalismo - de origem árabe -, e, em particular no Norte do país, «uma certa brandura [de carácter], o génio aventureiro
    e a tendência para a exploração marítima» (id.: 73) - de extracção celta.
    Algumas destas ideias serão posteriormente retomadas em A Pátria Portuguesa. O Território e A Raça (1894). O objectivo geral do livro é o de proceder ao estudo dos elementos que contribuíram para as «manifestações (...) complexas do génio nacional e do carácter individual português» (id.: X).

    Neste quadro, ao mesmo tempo que retoma e desenvolve - por vezes revendo- -as - as teses anteriormente expressas em O Povo Português... relativamente
    à etnogenealogia de Portugal, Braga retorna também aos temas da psicologia étnica, na linha das ideias inicialmente desenvolvidas na sua opus magna.
    Estes tópicos são inicialmente abordados a propósito da proximidade geográfica de Portugal em relação ao mar. A esse respeito, o autor sublinha não apenas a vocação para a «actividade marítima» (id.: 26), mas também a capacidade de «fácil adaptação ao meio» (id., ibid.), o «cosmopolitismo», o «ecletismo étnico» (id., ibid.) e a tendência para assimilação de novas ideias que seriam características dos portugueses. Mais à frente, em torno da influência celta na cultura portuguesa, Braga retoma e expande os temas do espírito de aventura e, sobretudo, do génio amoroso que marcariam a psicologia étnica portuguesa. A propósito deste último, são referidas, por exemplo, a tendência fácil para o suicídio - que seria em Portugal «uma doença contagiosa»(id.: 161), a nostalgia - também ela «uma doença privativa do galego e do português» (id., ibid.) - o carácter triste e apaixonado e o lirismo intenso e fortemente subjectivo (id.: 161-162) que seriam apanágio do carácter nacional português. Finalmente, ao evocar a influência semita, Braga sublinha a sua importância como elemento explicativo daquilo que ele classifica como «um desequilíbrio mental» do carácter português, responsável pela «alucinação do génio e [pela] exaltação do sentimento, prevalecendo este último na forma do fanatismo da honra, da cavalaria e na intolerância (...) da religião» (id.: 217).
    Finalmente, no prefácio à 2.a edição do Cancioneiro Popular Português (Braga 1911) são ainda as mesmas preocupações de caracterização da psicologia étnica portuguesa que podemos reencontrar, formuladas agora em torno do tema mais restrito da poesia popular. Esta, segundo Teófilo Braga, além de um testemunho das correntes étnicas subjacentes à cultura popular portuguesa, seria também a expressão do «lirismo espontâneo (...) vibrante, emotivo, intensamente apaixonado, da mais ingénua afectividade» (1911: V) que caracterizaria o «ethos passional» (id.: VII) do povo português. O cancioneiro sagrado, em particular, estaria ligado a uma religiosidade que se exteriorizaria em «festas, romarias, arraiais e feiras, dando ocasião a uma larga sociabilidade com o franco carácter de júbilo, que corrigem o isolamento doméstico das famílias» e que consistiria num «carácter étnico» (id., ibid.) do povo português.


    Adolfo Coelho foi outro antropólogo português que, no decurso dos anos 1870 e 1880 se preocupou também com a caracterização da psicologia étnica portuguesa. Logo no seu primeiro programa etnológico, escrito em 1880, o assunto é indicado como uma das prioridades de investigação da então nascente etnologia portuguesa (1993b [1880]: 679). No programa de 1896, ele é de novo enfatizado:
    E mister estudar de modo mais sério do que se tem feito até hoje o temperamento, o
    tipo moral e o carácter do nosso povo nas suas variantes, o conjunto de sentimentos
    que nele se revelam; as ideias que o agitam relativamente ao mundo sobrenatural, à
    natureza e à sociedade; fazer um inquérito completo acerca do que ele sente, do que
    ele sabe, do que ele pensa e do modo por que ele sente, sabe e pensa e apreciar ainda
    sobre dados seguros o grau da sua energia volitiva, fazer enfim a sua psicologia étnica
    (1993e [1896]: 704)
    •  
      CMartin
    • 31 agosto 2017 editado

     # 29

    Mas é sobretudo em dois outros textos que o problema é mais extensivamente abordado. Um deles é o programa antropológico que Coelho escreve em 1890 (1993d [1890]). O outro é o ensaio «A Pedagogia do Povo Português», inicialmente publicado na revista Portugália (Coelho 1993f [1898]). Este dois textos são muito diferentes entre si, tanto no tema, como nas referências disciplinares de que se reclamam. O primeiro é um programa de estudos antropológicos escrito a pedido da Sociedade de Geografia de Lisboa e marcado pelo diálogo com disciplinas como a demografia, a patologia social ou a antropologia física. O segundo é um ensaio - incompleto - sobre formas populares de educação onde Adolfo Coelho tenta cruzar os seus interesses simultâneos pela antropologia e pela pedagogia. Independentemente destas diferenças, porém, estes dois textos convergem na preocupação comum de identificar alguns elementos constitutivos da psicologia étnica portuguesa. Datando de uma fase da obra de Coelho em que, como vimos no capítulo 1, se assiste ao triunfo de uma visão negativizada e decadentista da cultura popular portuguesa, ambos traçam entretanto um quadro extremamente crítico do carácter nacional português, que contrasta de modo flagrante com a visão mais optimista de Teófilo Braga.
    Esse aspecto é particularmente evidente no «Esboço de um Programa para o Estudo Patológico e Demográfico do Povo Português» de 1890. Escrito na
    sequência directa do Ultimatum, o retrato da psicologia étnica portuguesa que aí se impõe é particularmente violento. Preocupado com os factores de degenerescência do povo português, Coelho fala da decadência como uma espécie de doença étnica de Portugal ou, como ele também diz, de depressão nervosa
    da nação (1993d [1890]: 692), que poria em evidência traços do carácter nacional como o «espírito quase constante de hesitação», a «incapacidade progressiva
    para o trabalho», o «predomínio dos sentimentos egoístas sobre os colectivistas, [a] falta de espírito de generalidade», o «espírito excessivo de
    imitação», a «insânia moral frequente», o «pessimismo, [a] hipocondria e [o]fatalismo social» (id.: 692 e 693).

    No ensaio sobre «A Pedagogia do Povo Português», embora mais matizada, é uma aproximação idêntica que podemos encontrar. O objectivo geral do estudo, como referimos acima, é o de proceder ao estudo das formas populares de pedagogia em Portugal. Nesse quadro, Adolfo Coelho chama a atenção para a importância dos modelos nacionais de «pessoa» que seriam inculcados pelas formas tradicionais de educação. É a essa luz que o problema da psicologia étnica portuguesa é de novo tratado.
    Segundo Coelho, o carácter nacional português seria baseado num conjunto de qualidades morais, entre as quais se encontrariam a «franqueza, [a] lealdade, [a] tenacidade, [a] coerêncianas acções» (1993f [1898]: 222-3). Definido como o «português velho», o «português de antes quebrar que torcer» (id. ibid.), este modelo encontrar-se-ia entretanto - em coerência com a visão céptica de Adolfo Coelho já afirmada em 1890 -, em decadência, e essas qualidades - dos «Nunos,
    Albuquerques e Pachecos» (id.: 223) - seriam mais típicas do passado de Portugal como indivíduo colectivo do que do seu presente.


    Imagem: Zé Povinho Cerâmica Bordalo Pinheiro
      transferir3.jpg
  3.  # 30

    E na mesma linha de ideias que podem ser abordadas as referências - entretanto mais esparsas - que podemos encontrar ao tema da psicologia étnica na obra de Rocha Peixoto.
    Reconhecendo-se igualmente numa imagem negativizada da cultura popular portuguesa organizada em torno do tema da decadência nacional, Rocha Peixoto propôs também retratos pouco animadores da psicologia étnica portuguesa. Assim, ao falar sobre o interior da habitação no ensaio que consagrou à arquitectura popular portuguesa, Rocha Peixoto considerou-o como um fiel reflexo da alma nacional
    :
    ele nos dá a impressão da sua tradicional penúria, da índole rude e violentamente utilitária,
    da indigência mental de um povo absolutamente carecido de faculdades artísticas,
    a um tempo amorudo e interesseiro, pagão irredutível ainda quando beato,
    escravo por vício de origem, por hábito histórico e por eterno assentimento grato e
    conformista (1967f [1904]: 160).


    Fonte imagem : http://www.folclore-online.com/portal/arquitectura_popular/arquitectura-popular-minho.html#.WahBPLKGMkI
    Estas pessoas agradeceram este comentário: Goncalo D.
      planta-casa-soajo-minho.JPG
  4.  # 31

    Olá CMartin.
    O livro de 1961 (2 ed. 1980) Arquitectura Popular em Portugal ficava aqui a matar.
    Eu "herdei" um da minha mãe, da segunda edição.
    Mas já antes disso digitalizei um que me tinham emprestado.
    São 7 pdfs num total de cerca de 280 MB.
    Partilha-se?
    Concordam com este comentário: CMartin
    Estas pessoas agradeceram este comentário: CMartin
  5.  # 32

    Olá Gonçalo,
    Por favor.
    Faça-me lá esse favor.
  6.  # 33

    ps. Não sei até que ponto se consegue colocar aqui os pdfs. Se houver alguma dificuldade diga-me, que eu peço ajuda à administração do forum.
  7.  # 34

    Arquitectura Popular em Portugal (2ª edição, 1980)

    Introdução
    Zona I - Minho
    Zona II - Trás-os-Montes E Alto Douro
    Zona III - Beiras
    Zona IV - Estremadura E Ribatejo
    Zona V - Alentejo
    Zona VI - Algarve
    Concordam com este comentário: Marcopom, m.arq
    Estas pessoas agradeceram este comentário: CMartin, branco.valter, Castela
    •  
      CMartin
    • 1 setembro 2017 editado

     # 35

    Pronto. Tenho com que me entreter durante um ano!
    Obrigada Gonçalo.

    Sou grande entusiasta da arquitectura portuguesa, e mais da antiga. Adoro a arquitectura popular, apesar da sua simplicidade e pobreza, acho que tem uma riqueza imensa, por representar ou ter representado uma nação maioritariamente agrária, e um passado construtivo que apesar de muito duro, e um passado também de tempos duros, acredito que, mais genuíno, mais ao nosso verdadeiro estilo.
    •  
      CMartin
    • 1 setembro 2017 editado

     # 36

    O que acha da temática, Gonçalo ?
    Pessoalmente, e como futuro arquitecto.
  8.  # 37

    Sou entusiasta da arquitectura popular.
    Gosto particularmente da Taipa - quando estava na faculdade quis fazer um trabalho sobre taipa que infelizmente não avançou (era trabalho de grupo, perdi, lol).
    Das conversas que tive com pessoas que ainda cuidaram de casas de taipa, apercebi-me que há(havia) um estigma relativamente a algo que, aparentemente, acordava memórias de um país pobre.
    Mas agora, com uma geração que tem saudades de um tempo que não viveu, a arquitectura popular vai ter um regresso fenomenal! ;-)
    Concordam com este comentário: CMartin
    • Itsme
    • 1 setembro 2017 editado

     # 38


    Arquitectura Popular em Portugal (2ª edição, 1980)
    Introdução
    Zona I - Minho
    Zona II - Trás-os-Montes E Alto Douro
    Zona III - Beiras
    Zona IV - Estremadura E Ribatejo
    Zona V - Alentejo
    Zona VI - Algarve

    Será esta obra em 2 volumes que o Gonçalo possui?
    Esta obra está presentemente à venda ao público, e custa à volta de 350 Euros


    Já pensou que pode ter problemas com a publicação na integra de volumes inteiros de uma obra?
    É que existem direitos de autor, e quem publica uma obra, pode ter de indemnizar.
    Tem a certeza que a obra que comprou é de publicação livre?

    Arquitectura Popular em Portugal (2ª edição, 1980)
      DSCF0366-300x292.jpg
    •  
      CMartin
    • 1 setembro 2017 editado

     # 39

    Colocado por: Itsme

    Participou no tópico para dizer isso ?
    Concordam com este comentário: DEEPblue
  9.  # 40

    (..continuação)

    VI
    PORTUGAL DE PERTO

    A BUSCA DA PSICOLOGIA ÉTNICA: PRIMEIROS ENSAIOS


    (...) É entretanto no ensaio «O Cruel e Triste Fado» que esta caracterização violentamente negativa da alma nacional atinge o seu paroxismo. Encarando
    o fado como «a expressão flagrante e nítida das (...) tendências, da (...) sentimentalidade e do (...) entendimento» (1897: 293) do povo português, Rocha
    Peixoto traça dele um retrato que não poderia ser mais severo, em particular na conclusão, quando escreve, sintetizando o seu argumento:
    ontem, ali na rua, passavam homens harpejando, macilentos, queixa de peito, olho em
    alvo, grenha ao vento, pró pagode. Um cantava (...) [um] conhecido mote dum fado
    típico, com todo o temperamento dum povo lá dentro, imundo, vadio, hipócrita, malandro.
    Miséria social, miséria orgânica, melopeia sem encanto, sem frescura, sem ingenuidade,
    modismo de desespero, de conformação, de penitência e de perdão, atitude
    e marcha, emprego de vida e ideal, tudo dá, ao contemplar destes grupos, uma noção:
    É a pátria que passa! (id.: 302)

    Neste conjunto de desenvolvimentos dois factos avultam. Em primeiro lugar, o carácter apesar de tudo pouco sistemático das reflexões sobre a psicologia étnica. Embora em termos programáticos o tópico ocupe um lugar de destaque, os tratamento concretos que ele acaba por ter encontram-se dispersos em estudos ou ensaios debruçados sobre outros temas. Em segundo lugar, não há um verdadeiro consenso sobre o que é a psicologia étnica portuguesa.

    Se Teófilo Braga, por exemplo, acentua o modo como esta se organizaria sobretudo em torno de sentimentos - como o lirismo, a nostalgia ou o génio. Embora a conclusão constitua a passagem mais significativa de «O Cruel e Triste Fado», podemos reencontrar o mesmo tom um pouco por todo o texto. Assim, no seu início, Rocha Peixoto, fundamenta do seguinte modo a homologia que estabelece entre o fado e o temperamento português:
    «a sina, o acaso, a sorte que preside ao nosso destino, que determina as nossas acções e que explica os mais vários aspectos da nossa existência, ou seja numa angústia colectiva, ou, individualmente, atirando-nos com o pé direito à ventura ou com o esquerdo à desgraça, eis o que define o povo português, eis o que num antropismo universal donde herdou ou recebeu a maioria dos seus mitos, se destaca como característica própria» (1897: 293).

    Adolfo Coelho e Rocha Peixoto tendem a enfatizar características intelectuais - como a preguiça e a penúria mental - ou morais - como a ausência de tenacidade e de coerência, a mentalidade utilitária, etc.. Se, nuns casos, a psicologia étnica é a alma nacional tal como esta pode ser depreendida da cultura popular e, em particular, da literatura popular - é esta, frequentemente, a visão de Teófilo Braga - noutros casos - como por exemplo no programa de 1890 de Adolfo Coelho - ela situa-se mais ao nível de uma corporalidade pensada com o auxílio da antropologia criminal. Mas onde as divergências são maiores é no tocante aos modos de avaliação do carácter nacional português. Enquanto que, para Teófilo Braga, este se construía em torno de um conjunto de qualidades avaliadas positivamente, no diagnóstico de Adolfo Coelho e Rocha Peixoto predominavam os traços negativos.
    Apoiando-nos nas propostas teóricas de Dumont, é pois possível dizer que os antropólogos portugueses do século xix estavam de acordo em considerar Portugal como um indivíduo colectivo, mas divergiam, por um lado, acerca do modo como esse indivíduo colectivo devia ser definido, e, por outro, acerca das consequências hierarquizadoras - positivas ou negativas - desta sua visão do país e dos seus habitantes. Esta oscilação entre uma avaliação positiva e uma avaliação negativa da psicologia étnica portuguesa pode ser analisado à luz da ideia de «sentimento de desvalia trágica» proposta por E. Lourenço (1978) a propósito do ensaísmo português sobre a decadência nacional. Mas não deixa de ser também tentador encará-la - à luz das propostas de Herzfeld em Cultural Intimacy (1997)
    - como uma expressão das características dissémicas que, segundo este antropólogo, caracterizam os discursos de identidade nacional. Estes, para além da
    forma mais corrente de um discurso oficial afirmativo, podem também assumir a forma de um discurso paralelo, de natureza não oficial e mais intimo, frequentemente negativo. Teófilo Braga exemplificaria o primeiro caso, ao passo que Adolfo Coelho e Rocha Peixoto seriam representativos do segundo.
 
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