Boa tarde tenho uma dúvida um bocado parva , mas é a seguinte o sogro do meu cunhado fez um poço para ter água para gastos domésticos pelo que ele me falou a volta de quarenta anos, Mas houve partilhas a certa de vinte anos e o poço ficou na parte doutra pessoa, agora o sogro do meu cunhado faleceu , e a esposa do meu cunhado ficou herdeira do falecido mas ele e o ser do terreno não se falam e este disse para o meu cunhado tirar o motor do posso que o quer tapar, a questão é a seguinte o posso como foi feito pelo falecido sogro do meu cunhado se ele tem algum direito sobre o posso ou o outro que herdou o terreno pode tapar o posso . Obrigado
Meu estimado, o relato tem-se algo confuso, porém, pese embora importasse a obtenção de mais e melhores esclarecimentos, e por isso, com as devidas reservas, posso facultar alguns considerandos. Desde logo, aquando da feitura das partilhas, andou mal o sogro do seu cunhado ao não acautelar questão da fruição do poço.
Em tese, os poços artesianos, para captar água com a finalidade de rega ou utilização doméstica, são partes integrantes dos prédios a que estão afectos, por a eles estarem ligados, como construção e coisa imóvel, com carácter de permanência, de harmonia com o disposto no art. 204º, nº 1, al. d) e nº 3 do CCl. A respectiva posse e propriedade estabelece-se, assim, por simples inerência à posse e propriedade da coisa imóvel, ou seja do prédio, em que se inserem.
No caso em apreço, após a divisão do prédio mãe, o poço em causa ficou – física ou materialmente - inserido no prédio vizinho, parecendo ser certo que nada explicitaram quanto ao tempo e ao modo da divisão daquele. No entanto parece ter-se pacificamente provado que o poço é anterior à divisão do prédio e que era fruído conjuntamente.
Daí que a implantação de um poço pertencente a donos diferentes, implique, necessariamente, a constituição de uma relação de compropriedade desses donos relativamente a esse elemento, por virtude da simultânea titularidade dos direitos de propriedade sobre os imóveis de que ele é parte integrante - como se de uma coisa imóvel se tratasse – nos termos do art. 1403º, nº 1 e da al.ª d) do nº 1 do art. 204º do CC.
Trata-se de uma compropriedade necessária que deriva da confluência de duas realidades físicas: por um lado, a de que um poço reveste a característica de uma construção inseparável do solo do prédio; e, por outro lado, a de que o mesmo poço ocupa a um tempo solo de prédios diferentes. Na verdade, um mesmo poço não pode ser desmembrado em dois, sob pena de deixar de o ser e passar a ser coisa nenhuma. E, mesmo ocorrendo a hipótese de acessão industrial imobiliária da obra ou construção em que ele se materializa, regulada nos art. 1339º e ss do CC, ele nunca deixa de estar integrado no domínio do proprietário do prédio onde haja sido implantado.
Acresce que enquanto incorporadas no solo, as águas de um prédio são também parte integrante desse prédio, de harmonia com o disposto no art. 204º, nº 1 al. e) do CC. Mas a respectiva autonomização do prédio onde correm pode dar-se nos termos dos art. 1395º, nº 1 e 1390, nº 1 e 2 do CC. Não é sequer concebível outra perspectiva, visto que a propriedade dos imóveis, de harmonia com art. 1344º, nº 1, do CC, abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, e também o subsolo, com tudo o que nele se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico.
Outra via para a possibilidade da aquisição das águas subterrâneas existentes naquele é que agora prédio alheio, pode ser através da usucapião, sendo que o nº 2 do art. 1390º, do CC, exige a existência de construções visíveis e permanentes para captação da água no prédio alheio, que publicitem e confiram continuidade à respectiva posse, o que aqui também parece ocorrer.
Terceira via: sobre essas águas pode ser constituído um direito de servidão a favor de outro prédio confinante com o prédio do poço, por se tratar de uma utilidade a favor de um prédio e resultante de outro, nos termos do art. 1544º do CC.
Quando o anterior proprietário desses dois prédios já utilizava a água proveniente do poço que ele obrou desde há mais de 40 anos, para utilização de ambos, os quais, face ao óbito desse proprietário, foram partilhados entre herdeiros, que, por sua vez, continuaram a usar a água do poço em ambos os prédios, agora já pertencentes a diferentes proprietários, deve entender-se que está constituída uma servidão predial, por destinação de pai de família, a favor do prédio beneficiário da água e sobre o prédio onde existe o poço, relativamente ao aproveitamento das águas desse poço, nos termos dos art. 1549º e 1390º, nº 3, do CC.
Este tipo de servidão representa um encargo predial qualificável como servidão voluntária, que se constitui no preciso momento em que os prédios ou fracções de determinado prédio passam a pertencer a proprietários diferentes, a qual não é passível de extinção por desnecessidade – cfr. art. 1569º do CC.
Seja qual for a via, ou cumulando-as, deverá avançar com uma acção declarativa com processo ordinário contra o vizinho peticionando a condenação do mesmo no reconhecimento da compropriedade/usucapião/servidão do poço aberto e construído naquele...