As casas demoram cada vez mais a vender e a preços cada vez mais baixos. Para quem compra, os ‘spreads’ estão a ser ajustados em alta pelos bancos.
Margarida Peixoto com Patrícia Henriques
Em Julho do ano passado Jorge Venes, engenheiro electrotécnico da TMN, colocou uma placa a dizer “Vende-se” no seu T3, em Palmela. Só dez meses depois conseguiu retirar o anúncio e ainda levou mais três meses a formalizar o negócio. Mas apesar da longa espera, viu-se obrigado a perder dinheiro na operação. “Demorei a vender porque havia muita oferta na zona – tanto de casas novas como de usadas”, explica o engenheiro. E o excesso de oferta reflectiu-se no preço: “Tive de vender pelo mesmo valor que tinha comprado há três anos, o que significa que acabei por pagar a comissão da imobiliária do meu bolso”, adianta.
O caso de Jorge Venes está longe de ser único. “Existe o mito de que o investimento imobiliário é sempre valorizador. Mas se tiver uma casa igual às outras, não é verdade”, alerta José Almeida, director-geral da imobiliária Lammi. “Esta situação é agravada quando as avaliações das casas foram generosas e o banco emprestou acima do seu valor de mercado. As pessoas ficam presas à hipoteca inicial e não conseguem vender”, defende o responsável.
O mercado de residências em Portugal tem sentido alguns efeitos da crise do ‘subprime’, à semelhança do que se tem verificado em alguns países europeus – com especial destaque para Espanha e Irlanda. O tempo de absorção da oferta de casas pelo mercado tem vindo a aumentar, sobretudo para os apartamentos de gama média, onde a oferta é muito superior à procura. José Almeida garante que “é normal esperar entre oito e 12 meses” para vender uma casa de categoria média. “Há muito produto deste segmento porque se construiu em excesso. Isso torna a venda mais difícil”, explica Manuel Alvarez. O presidente da Remax Portugal não sente que a procura tenha sofrido grandes alterações, mas nota que “os bancos estão a demorar mais tempo na concessão dos créditos”. A quebra de liquidez no mercado, provocada pelo rebentar da crise do crédito hipotecário de alto risco nos Estados Unidos, dificulta o financiamento dos bancos, o que se reflecte na concessão de empréstimos.
De acordo com um inquérito do Banco de Portugal realizado em Outubro, algumas instituições portuguesas “tornaram ligeiramente mais restritivos os critérios de aprovação de empréstimos a particulares”. E João Manso, engenheiro de desenvolvimento da Biosurfit (um empresa de biotecnologia), notou a diferença. Se, no início de Setembro, conseguir um ‘spread’ de 0,25 pontos foi simples, na semana passada, quando voltou ao banco para confirmar as condições, foi avisado de que “seria muito complicado, ou mesmo impossível, mantê-las”. Também Raquel Pereira, foi alertada para a mesma possibilidade. “Fizeram-me a simulação com um ‘spread’ de 0,3 pontos, mas a minha gestora avisou-me de que todas as propostas com este ‘spread’ foram corrigidas para os 0,4 pontos”, conta a administrativa da GroupVision.
Mesmo assim, Portugal ainda não é dos países mais afectados na Europa pela crise financeira. Espanha, Irlanda, França e Reino Unido são os mercados mais sacrificados, já que segundo um relatório da Standard & Poor’s, o seu mercado residencial estava sobreavaliado em cerca de 30%. Agora, com a concessão de crédito dificultada, espera-se um forte impacto negativo nestas economias. O efeito psicológico da desvalorização dos activos das famílias repercute-se na diminuição do consumo, transformando uma crise financeira numa crise económica.
Malparado no valor mais alto de sempre
O crédito malparado - que os bancos ainda não conseguiram recuperar - atingiu o valor mais alto de sempre no final de Agosto. Pelos dados do Banco de Portugal, de um total de 97,9 mil milhões de euros de financiamento concedido pelos bancos aos particulares para compra de casa, mais de 1,2 mil milhões de euros ficaram por pagar. O que traduz um aumento de 5%, quando comparado com os primeiros oito meses de 2006, revela o Boletim Estatístico de Outubro. Mas o montante relativo a cobrança duvidosa representa apenas 0,012% do total do financiamento imobiliário. Face ao mês anterior, o volume de crédito de cobrança duvidosa não sofreu mais do que um ligeiro aumento de 0,4%, enquanto o valor do crédito a particulares para compra de casa aumentou 1,1%, entre Julho e Agosto. Em sentido contrário, o malparado no segmento do crédito ao consumo registou uma queda de 4,2% nos primeiros oito meses de 2007, atingindo 407 milhões de euros e representando 0,03% do valor global.