Câmara de Odemira diz que a obra respeita a legislação
Casa em construção numa falésia põe a nu contradições do ordenamento do território
27.10.2008 - 10h04 Carlos Dias
O alto de uma falésia na Zambujeira do Mar, onde os amantes das paisagens naturais se deslocavam para percorrer com o olhar um dos mais deslumbrantes troços da costa alentejana, está agora ocupado por uma casa de habitação em fase de obras. A Câmara de Odemira diz que não há qualquer ilegalidade, mas segundo o Plano de Ordenamento Regional a edificação em falésias é interdita.
Até alguns painéis didácticos que o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina (PNSACV) colocara com informação ambiental e a caracterização geológica daquele troço de costa deixaram de estar disponíveis: tapados com lixo e sacos de cimento, ou em zona de obras.
Moradores e forasteiros interrogam-se sobre a legalidade daquela obra, inconformados por lhes ser vedado o acesso a um espaço que era um logradouro natural. A Câmara de Odemira diz que o licenciamento da obra "respeita a legislação aplicável ao local em questão", garantindo que aquele pedaço de falésia está inserido no perímetro urbano da Zambujeira do Mar em área consolidada, conforme está definido na Resolução de Conselho de Ministros 55/2005.
No entanto, as normas e princípios constantes do Plano Regional de Ordenamento do Território (Protali) determinam que "nas praias e dunas litorais, nas arribas, falésias (...) é proibida a construção de edifícios".
POOC não se aplica
Confrontado pelo PÚBLICO sobre esta questão, o Instituto para a Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB) afirma que o Protali é um instrumento "essencialmente estratégico e não vinculativo", enquanto a autarquia argumenta que aos perímetros urbanos aprovados com base no articulado do Plano Director Municipal e dos planos de urbanização "não são aplicáveis as disposições" do Protali e do PNSACV e Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sines-Burgau".
Contudo, o articulado do Protali é claro ao considerar "nulos quaisquer actos" que aprovem planos, programas e projectos "nas praias e dunas litorais, nas arribas, falésias" onde "é proibida a construção de edíficios".
A Câmara de Odemira insiste em dizer que "nunca o teriam sido sem estarem compatibilizados com todos os planos de nível superior em vigor". Com isto quis dizer que o plano de urbanização cumpre os requisitos exigidos pelos diversos instrumentos que gerem o ordenamento do território, mas não foi explicado como é que um plano de urbanização pode estender-se até às falésias, como se percebe nas plantas do plano de urbanização da Zambujeira do Mar com o perímetro urbano facultadas pela autarquia.
O ICNB diz que não "licenciou nem tinha que licenciar" o projecto da habitação na falésia, alegando tratar-se de obra em perímetro urbano onde "não se aplica o Plano de Ordenamento da Orla Costeira Sines-Burgau, nem o Plano de Ordenamento do PNSACV", não referindo o Protali, mas sugerindo que "a questão deveria ser respondida pelo licenciador".
No entanto, o Decreto Regulamentar 33/95 sujeita à aprovação do PNSACV - na dependência do ICNB - "as acções que impliquem a alteração das praias, dunas, arribas e da plataforma marítima", enquanto o POOC impõe que nos espaços naturais de arriba e falésias devem ser interditas "novas construções (...)". Também o PDM de Odemira é taxativo: os espaços de protecção e valorização ambiental são para a autarquia "praias, dunas e falésias ao longo de toda a costa marítima", bem com as "zonas de transição entre dunas e falésias".
Planos aguardam revisão desde 2001
Em 2001, o Conselho de Ministros aprovou duas resoluções que determinavam a revisão do Plano de Ordenamento do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e do Plano Regional de Ordenamento Território (Protali), para estarem concluídas no prazo de dois anos, prazo prorrogável por mais um ano, a contar da data de entrada em vigor da resolução.
Em Outubro de 2008, a resolução do Conselho de Ministros não está cumprida nem se vislumbra uma data para a publicação da nova versão dos dois planos de ordenamento.
As comissões mistas de coordenação da revisão dos dois planos de ordenamento designadas para cumprir a tarefa estão a encontrar sérias dificuldades em obter consensos entre os diversos intervenientes (representantes de cinco ministérios, das autarquias litoral-alentejanas e da costa vicentina, representantes do sector de turismo e organizações ambientalistas).
O Grupo de Estudos de Ordenamento do Território e Ambiente (GEOTA) já fez saber que não foi convocado para uma única reunião e que a estratégia para a revisão do Protali estaria a ser decidida pelo próprio Ministério do Ambiente e Ordenamento do Território.
No que diz respeito à nova versão do Plano do Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina, o presidente da Câmara Municipal de Aljezur, Manuel Marreiros, classifica-o como "a maior imbecilidade" a nível de ordenamento do território até hoje conhecida.
Em comunicado divulgado no passado mês de Julho, Manuel Marreiros acusou mesmo a comissão mista de não corrigir os "erros grosseiros dos trabalhos preparatórios".