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  1.  # 1

    este site é excelente já aprendi muito... todos os dias venho cá ler este forum....

    mas tenho uma duvida que me surgiu quando estive a ler comentários sobre testamentos... vamos imaginar que"A",perfeitamente capaz, celebra um testamento. Mais tarde ( imaginemos passados 10 anos) celebra outro testamento onde revoga o anterior. Este morre e alguem interessado tenta anular o testamento feito em ultimo lugar, provando que "A" estava velho... demente... etc... a pergunta é, se o ultimo for anulado o testamento anterior adquire eficácia? porque se se prova em tribunal que a vontade do testador não era aquela, pela lógica o testamento feito em primeiro é a vontade do testador ( visto que era mais novo e não tinha problema nenhum)...
    •  
      GF
    • 31 maio 2012 editado

     # 2

    Ola Antonio,

    Parece-me simples:

    ARTIGO 2312.º
    (Revogação expressa)
    A revogação expressa do testamento só pode fazer-se declarando o testador, noutro testamento ou em
    escritura pública, que revoga no todo ou em parte o testamento anterior.
    ARTIGO 2313.º
    (Revogação tácita)
    1. O testamento posterior que não revogue expressamente o anterior revogá-lo-á apenas na parte em que for
    com ele incompatível.
    2. Se aparecerem dois testamentos da mesma data, sem que seja possível determinar qual foi o posterior, e
    implicarem contradição, haver-se-ão por não escritas em ambos as disposições contraditórias.


    Se o primeiro não foi revogado e o segundo não é válido, contam as disposições do primeiro.
    É necessário claro interpor acção de nulidade do testamento ou de disposição testamentária deste último.
  2.  # 3

    ola gf2011.... obrigado mas como não percebo nada disto fiquei na mesma, isto é, será que me pode ajudar com um caso pratico? Vou tentar criar um cenario... O "A" tem 80 anos e está perfeitamente capaz, não sofre de qualquer demência ou outra doença, celebra um testamento onde deixa a quota disponivel a "B" , "C", "D", "E". Mais tarde ( 10 anos depois) já num estado de demência e alzeimer, por exemplo, faz outro testamento deixando a quota disponivel e revoga expressamente o anterior testamento, a "B", "C", "D". Depois de "A" morrer o "E" ( excluido no segundo testamento) tenta anular o segundo testamento afirmando que o "" ( testador) não tinha condiçoes, era demente, alzeimer,etc... e o tribunal dá razão e anula o segundo testamento. A pergunta é, neste cenário o que acontece? Segunda questão, o cenário é o mesmo mas não revoga expressamente? Qual destes cenarios é que, anulando o último, o primeiro tem eficacia?
  3.  # 4

    Colocado por: antoniocoelhoola gf2011.... obrigado mas como não percebo nada disto fiquei na mesma, isto é, será que me pode ajudar com um caso pratico? Vou tentar criar um cenario... O "A" tem 80 anos e está perfeitamente capaz, não sofre de qualquer demência ou outra doença, celebra um testamento onde deixa a quota disponivel a "B" , "C", "D", "E". Mais tarde ( 10 anos depois) já num estado de demência e alzeimer, por exemplo, faz outro testamento deixando a quota disponivel e revoga expressamente o anterior testamento, a "B", "C", "D". Depois de "A" morrer o "E" ( excluido no segundo testamento) tenta anular o segundo testamento afirmando que o "" ( testador) não tinha condiçoes, era demente, alzeimer,etc... e o tribunal dá razão e anula o segundo testamento. A pergunta é, neste cenário o que acontece? Segunda questão, o cenário é o mesmo mas não revoga expressamente? Qual destes cenarios é que, anulando o último, o primeiro tem eficacia?


    leis não são o meu forte... mas parte do principio que quer um, ou outro sendo revogados, não há volta a dar!!! desta forma aplica-se a lei geral!!! também ja percebi que você gosta muito mais do testamento A... ; )
    •  
      GF
    • 1 junho 2012

     # 5

    Antonio Coelho, isso é um caso real ou ficticio?
    Tem aqui uma historia igualzinha, mas real, julgada há uns anos pelo nosso supremo tribunal:
    (em traços gerais, se é incapaz para testar e se o testamento é considerado nulo, logo a revogação contida nesse mesmo testamento padece do mesmo efeito - se a testadora, no momento da celebração do testamento, se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de se conformar com ela, todo ele é ferido de nulidade, mantendo-se o anterior testamento em vigor)


    1) Se nas instâncias se provou que a testadora, já com 97 anos à data do testamento, tinha um défice muito acentuado de visão e de audição, se sentia desorientada no tempo, indiferente de si e das outras pessoas e coisas, estava demenciada (com deterioração das faculdades mentais), com ecolalia (repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia), estado este que não lhe permitia compreender o acto do testamento, nem compreender o seu significado; e, mais concretamente ainda: que não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no referido acto (testamento) - a situação corresponde a incapacidade acidental para testar, a gerar nulidade do testamento, no quadro do artº. 2199º do CC, não havendo que falar, concreta ou directamente, em arteriosclerose ou senilidade.
    2) O testamento outorgado em escritura pública é um documento autêntico, que faz prova plena quanto aos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como quanto aos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora.
    3) A afirmação feita pelo Notário no instrumento (escritura de testamento) de que este foi lido e explicado em voz alta à testadora, na presença simultânea de todos os intervenientes, não fornece qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar.
    4) E se o Notário tivesse feito constar que a testadora parecia em condições de testar, isso constituiria simples juízo pessoal do documentador, como tal de livre apreciação do julgador.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

    Tramitação.
    "A" intentou contra B acção com processo ordinário, pedindo se declare inválido ou ineficaz o testamento lavrado por C, em 11/11/99, em que instituiu a ré como legatária.
    Contestada, veio a acção a ser julgada procedente e assim declarado anulado o testamento em causa. Tendo recorrido a Ré de apelação para a Relação de Guimarães, este Tribunal confirmou a sentença.

    O recurso.
    Recorre de novo a Ré, agora de revista, para este Supremo Tribunal.
    Alegando, concluiu:
    1) A decisão recorrida baseou-se, para anular o testamento, no estado de arteriosclerose e senilidade da testadora.
    2) E não que, no momento da celebração do testamento, a testadora se encontrava incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de se conformar livremente com ela.
    3) Por outro lado, os factos referidos no testamento acham-se cobertos pela força probatória do documento, fazendo este prova plena dos factos que refere como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas percepções da entidade documentadora: artº. 371º, nº. 1 do CC.
    4) Uma vez que o testamento não foi arguido de falsidade quanto às declarações do oficial público que o exarou e não se fazendo referência à incapacidade de testar, não há motivos de anulação do testamento (neste sentido, acórdão STJ, 23/03/88, nº. convencional STJ00011501).
    5) A sentença (sentença ou acórdão?) violou o artº. 371º, nº. 1 do CC e fez incorrecta aplicação dos artºs. 2191º e 2199º do mesmo CC, pelo que deve revogar-se a sentença (sentença ou acórdão?) e julgar-se válido o testamento.

    Contra-alegando, a Autora sustenta a confirmação do julgado.

    Questões postas.
    As questões postas no recurso são duas:
    a) saber se a testadora se encontrava, no momento da celebração do testamento, incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de se conformar com ela: artº. 2191º e 2199º do CC;
    b) saber se o testamento faz prova legal da não incapacidade da testadora para entender e querer o sentido da sua declaração: artº. 371º, nº. 1 do CC.

    Matéria de facto.
    Factos provados nas instâncias:
    1º- C, faleceu no dia 3/08/2000, com 97 anos, não deixando ascendentes nem descendentes - A, B e C;
    2º- No dia 11/11/99, na Avenida ..., Braga, perante o Senhor Notário do Primeiro Cartório Notarial de Braga, D, compareceu C, a qual outorgou testamento no âmbito do qual declarou que: "Lega a B, viúva, com ela residente, o rés do chão do prédio sito na Avenida ... e à sobrinha A, casada, residente na freguesia de ..., Póvoa de Lanhoso, os restantes andares do mesmo prédio. Mais declara que o referido rés do chão corresponde ao estabelecimento comercial, actualmente de tapeçaria." - D;
    3º- C, viveu com duas irmãs, solteiras e sem descendentes, de nome E e F, no referido prédio da Avenida ..., em Braga - E;
    4º- As três fizeram testamento em que cada uma delas instituía como únicos herdeiros de todos os seus bens os demais irmãos - F;
    5º- Quando ficaram apenas duas, C e sua irmã E, fizeram testamento em que, depois de confirmarem manter a disposição de última vontade constante do testamento feito em 1946, em cada um deles constava: "Lego o prédio urbano sito na Avenida ..., freguesia de ..., Braga, inscrito na matriz urbana sob o artº. 1283, à minha sobrinha A, casada, residente, nesta cidade, filha do meu falecido irmão G" - G;
    6º- Neste mesmo testamento instituíram como usufrutuária de parte desse prédio a sua empregada H, com elas residentes, caso a mesma se mantivesse ao seu serviço até à morte - H;
    7º- Esta empregada estava ao seu serviço há mais de 50 anos, tendo acompanhado C até à morte - I e J;
    8º- Quando a H faleceu, a C fez-lhe o funeral como se de uma pessoa de família se tratasse - K;
    9º- Na data da realização do testamento referido no anterior facto 2º, C apresentava, há cerca de dois anos, um défice muito pronunciado de visão, tinha um défice muito pronunciado de audição, sentia-se desorientada no tempo e estava indiferente e alheia de si e das outras pessoas e coisas - 1º, 2º, 4º e 5º;
    10º- A "C" estava demenciada (deterioração das faculdades mentais), repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia (ecolalia), estado este que não lhe permitia compreender o acto referido no anterior facto 2º e compreender o seu significado - 7º, 7º-A e 7º-B;
    11º- A "C" não teve consciência do que declarou nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no acto referido - 7º-C e 7º-D;
    12º- A "C" sempre foi muito ligada à sua família - 8º;
    13º- Mais de uma vez a C foi solicitada para beneficiar certas pessoas com alguma disposição testamentária ou doação, sempre respondendo que não alterava o testamento que havia feito de acordo com a as suas irmãs com quem sempre convivera, afirmando que o prédio da Avenida, pretendendo referir-se ao prédio onde vivia, na Avenida ..., Braga, era para a sua sobrinha - 9º, 10º e 11º.

    Apreciação.
    A) Primeira questão.
    Comanda o artº. 2199 do CC, integrado no capítulo designado "falta e vícios da vontade", do Título IV, "Da sucessão testamentária": É anulável o testamento feito por quem se encontrava (no momento da sua outorga) incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade, por qualquer causa, ainda que transitória: artº. 2199º do CC.
    O testamento é um negócio jurídico unilateral, não receptício, estranho ao comércio jurídico, donde resulta, entre outras coisas, que, na sua estrutura não se levanta, a propósito dos problemas da falta e dos vícios da vontade, o conflito sistemático de interesses entre as partes, que é próprio dos contratos, devendo ser interpretados de harmonia com a vontade do testador (Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, volume VI, 323; Pereira Coelho, Direito das Sucessões, lições de 1973/74, parte II, 222). Conforme os dois primeiros Autores acima citados, a incapacidade de que fala o dito artº. 2199º reporta-se à falta de aptidão natural para entender o sentido da declaração (ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens), por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada. O vício contemplado na norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a declaração é lavrada. Trata-se de uma situação de crise essencialmente distinta da abrangida pela alínea b) do artº. 2189º (incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica): a nulidade do testamento feito pelo interdito, nos termos do artº. 2189º, b), baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade iuris et de iure criada pela sentença, ao passo que a anulação decretada nos termos do artº. 2199º assenta na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no momento em que lavrou o testamento, para entender o sentido e alcance da sua declaração, ou para dispor com a necessária liberdade dos seus bens.
    Ora, deu-se como provado: que a testadora, já com 97 anos à data do testamento, tinha um défice muito acentuado de visão, um défice muito acentuado de audição, sentia-se desorientada no tempo, indiferente de si e das outras pessoas e coisas, estava demenciada (com deterioração das faculdades mentais), com ecolalia (repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia), estado que não lhe permitia compreender o acto do testamento (de 11/11/99), nem compreender o seu significado; e, mais concretamente ainda: que não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do acto e não compreendia o sentido e alcance das palavras utilizadas no referido acto (outorga do testamento).
    Deste modo, a situação cabe no comando do artº. 2199º - incapacidade para entender o sentido da declaração, no momento em que esta foi proferida -, não havendo que falar, concretamente ou directamente, em estado de arteriosclerose ou de senilidade da testadora, sendo que no articulado não se falou nisso nem no acórdão recorrido se fala sequer em senilidade ou arteriosclerose.
    Deste modo, merece o nosso total apoio a integração dos fatos provados no comando do artº. 2199º do CC, como se fez na Relação, em confirmação do decidido na primeira instância.
    Não foi violado ou mal interpretado esse artº. 2199º.

    B) Segunda questão.
    A segunda questão também não tem qualquer apoio jurídico.
    O que o artº. 371º, nº. 1 do CC prescreve é que os documentos autênticos (como o são as escrituras públicas) fazem prova plena dos factos que referem como praticados pela autoridade ou oficial público respectivo, assim como dos factos que neles são atestados com base nas percepções da entidade documentadora; no entanto, os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador.
    Tem sido incessantemente entendido na doutrina e decidido pelos tribunais que a força probatória dos documentos autênticos não impede que se ataquem as declarações deles constantes, ou por falsidade, ou por vícios da vontade (entre muitos outros, Pires de Lima e Antunes Varela, CCAnotado, vol. I, 4ª edição, 328, Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 1984, 506, Rodrigues Bastos, Notas ao CC, vol. I, 151-152; acórdãos da RE, de 04/10/77, CJ, 1977, tomo I, 907, do STJ, de 29/03/76, na RLJ, ano 111, 297, do mesmo STJ de 11/01/79, no BMJ, 283-234, e de 09/04/91, em AJ, 18º, 13, da RC de 02/02/93, no BMJ, 427-746, novamente do STJ, 09/10/96, na CJ/STJ, ano IV, tomo III, 41).
    Assim, os factos cobertos pela força probatória plena do documento público constituído pelo testamento de 11/11/99 limitam-se a que: no dia 11/11/99 o Notário deslocou-se à residência de C, cuja identidade foi confirmada por duas testemunhas, onde esta declarou perante ele querer fazer o seu testamento pela forma que indicou (e consta de fls. 26/27). Isto é, precisamente o que consta dos factos levados à alínea D) da especificação e constantes supra do nº. 2 da matéria de facto provada. Nada mais do que isso. E não, por exemplo, que a testadora estava com capacidade de entender o sentido da sua declaração e que tinha o livre exercício da sua vontade. Essas circunstâncias, ou as inversas, avaliá-las-ia o Notário, se tivesse motivos para isso, mas a avaliação que fizesse seria apenas o "juízo pessoal do documentador" de que fala a parte final do artº. 371º, nº. 1 e seria então de livre apreciação do julgador (cf. Varela, Manual citado, 506, onde escreve que se o Notário declara no testamento que o testador se encontrava no pleno uso das suas faculdades mentais, tal afirmação não é apoiada pela força probatória plena do documento). Não obstante, o certo é que nenhuma referência se nota no instrumento, como tendo sido percepcionado pelo Notário, sobre a capacidade de a testadora entender o sentido da declaração. Ali apenas se diz que "o testamento foi lido e explicado o seu sentido em voz alta à outorgante, na presença simultânea de todos os intervenientes, não o assinando a testadora, por declarar não saber" (fls. 27). Nada mais.
    Deste modo, não tinha o documento (instrumento de testamento) que ser arguido de falso, nem se vê por que seja falso, quanto às declarações proferidas perante o oficial público que o exarou, para poder suscitar-se a sua anulabilidade, por falta de capacidade da testadora para entender o sentido da declaração, no momento em que a prestou, com fundamento no artº. 2199º do CC.
    Não foi mal interpretado ou mal aplicado o artº. 371º, nº. 1 do CC.

    Decisão.
    Pelo exposto, acordam em negar a revista, condenando a recorrente nas custas.

    Lisboa, 13 de Janeiro de 2004
    Reis Figueira
    Barros Caldeira
    Faria Antunes
  4.  # 6

    gf2011 mais uma vez obrigado... mas só uma coisa que não entendi... neste acordão que li em nenhum lugar fala do problema que coloquei, ou seja, o que fala aqui é uma tentativa de anulaçao de testamento feito pela senhora em que o Supremo não deu provimento... ( desculpe se interpretei mal é que eu sou leigo nesta materia)! Nesta decisão não fala do problema que coloquei, ou seja, não fala na anulação do ultimo testamento feito pela senhora ( pela sua incapicidade mental) e a eficácia novamente do primeiro feito ha alguns anos! p.s.- concordo consigo no aspecto em que diz que se o testamento for considerado nulo tambem é a revogaçao constante no mesmo e assim o anterior seria outra vez validado...
    •  
      GF
    • 1 junho 2012

     # 7

    Vamos lá ver, salvo melhor entendimento, porque sucessões nunca foi uma àrea pela qual tivesse muito interesse:

    1- 1º Testamento efectuado em determinada data
    2- 2º Testamento efectuado posteriormente com incapacidade

    Se o segundo testamento fosse feito em "condições normais", haveria duas hipóteses:
    A) Podia o testador querer revogar o anterior, quer por declaração expressa, quer tacitamente por serem ambos incompatíveis
    B) Podia não revogar nada, nem serem incompatíveis e portanto ficavam válidos os dois

    Mas como, na hipótese que coloca, o segundo testamento foi feito em condições anormais, como havia essa incapacidade (temporária ou permanente), a pessoa não estava no seu perfeito juízo para emitir essa declaração, então todo o seu conteúdo é nulo, seja o próprio testamento, seja a revogação feita do anterior.
    Logo, se o conteúdo é nulo, o testamento anterior mantém-se válido, porque o testador para revogá-lo, tem de estar no seu perfeito juízo de entender, compreender e querer tal declaração. Como deverá ter percebido essa nulidade tem de ser invocada judicialmente.
    Espero ter esclarecido.
  5.  # 8

    sim agora penso que já entendi. mas sabe me dizer qual a base juridica? artigos? já agora, é jurista? é que parece me que tem jeito para a area ;)
  6.  # 9

    gf2011
    Já agora tire-me uma dúvida por favor.
    Talvez à 5 ou 6 anos um casal idoso meu vizinho na aldeia, pediu-me a mim e a outro vizinho para sermos testemunhas num testamento.
    Eles não tinham filhos, então o património à morte do último seria para os herdeiros que designaram no testamento ou seja: da parte dela uns primos e da dele sobrinhos. Acontece que a senhora faleceu primeiro e o velhote logo a seguir fez outro testamento e deixou tudo para os familiares dele. E assim aconteceu, ficou tudo para eles após a morte do velhote.
    Será legal? ( Digo eu, legal será, mas é imoral ).
    Obrigado.
    A. Madeira
    •  
      GF
    • 1 junho 2012

     # 10

    São questões engraçadas. Teria de ver o testamento.
    Estamos perante uma substituição fideicomissária ou fideicomisso (2286ºCC)
    Tem aqui um acordão bem recente onde se passou isso. Pode-se entreter ;)


    Ao contrário do que sucede no domínio dos negócios jurídicos inter vivos, no qual foi acolhida a doutrina da impressão do destinatário, que confere um cunho objectivista à interpretação das declarações negociais, com ressalva de situações em que o declaratário conhece a vontade real do declarante, conquanto exista um mínimo de correspondência no texto do documento se for um negócio formal, quanto aos testamentos adoptou-se um maior subjectivismo.
    - Neste domínio rege o artigo 2.187º do Código Civil: observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, admitindo-se prova complementar.
    - No caso de o texto do documento ser claro tem necessariamente de se atender apenas ao seu contexto não sendo necessária a produção de outra prova.


    Decisão Texto Integral: I – RELATÓRIO
    P … interessada nos autos de inventário nº … instaurados por óbito de J… e outro veio recorrer do despacho proferido em 05.11.2011 que indeferiu a interpretação da deixa testamentária nos termos pela mesma pedidos.
    Em sede de recurso apresentou as seguintes conclusões:
    1. Ambos os inventariados, reciprocamente cônjuges, dispuseram suas últimas vontades nos testamentos de fls.…., os quais foram celebrados no Cartório Notarial de V… , perante o notário Dr. …, no dia …;
    2. Tanto o inventariado como a inventariada dispuseram em termos semelhantes, instituindo, cada um, o outro herdeiro da sua quota disponível;
    3. Mas com o encargo de este conservar a herança para que, por sua morte, revertesse a mesma a favor dos sobrinhos de cada um deles, os quais vêm identificados nos ditos testamentos;
    4. O que significa que os inventariados estavam de acordo em que os bens próprios de cada um fossem herdados pelos sobrinhos de cada um deles;
    5. Consubstanciando-se, assim, um verdadeiro fideicomisso;
    6. Em que cada um dos cônjuges era o fiduciário no testamento do outro e fideicomissários os referidos sobrinhos de cada um deles, cf. artigo 2286º do CC.
    7. Ora, dado que os inventariados eram, reciprocamente, herdeiros legitimários, não podendo cada um dispor da legítima, por legalmente ser a mesma destinada ao outro, cf. artigos 2027º e 2156º do CC, poder-se-ia suscitar a questão de saber se a disposição de última vontade de cada um deles, tal como se encontra exarada nos respectivos testamentos, configurada numa verdadeira substituição fideicomissária, está ou não ferida de nulidade; vejamos:
    8. O artigo 2163º do mesmo Código estipula que “o testador não pode impor encargos sobre a
    legítima, nem designar bens que a devam preencher, contra a vontade do herdeiro”;
    9. Diz, também, o artigo 2245º que “é aplicável aos encargos impossíveis, contrários à lei ou à ordem pública, ou ofensivos dos bons costumes, o disposto no artigo 2230º”;
    10. Rezando, por sua vez, o nº 2 deste que “a condição contrária à lei ou à ordem pública, ou ofensiva dos bons costumes, tem-se, igualmente por não escrita, ainda que o testador haja declarado o contrário, salvo o disposto no artigo 2186º”;
    11. O qual estabelece que “é nula a disposição testamentária, quando da interpretação do testamento resulte que foi essencialmente determinada por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivo dos bons costumes”;
    12. Estipula, outrossim, o artigo 2289º do CC que “a nulidade da substituição fideicomissária não envolve a nulidade da instituição ou da substituição anterior; apenas se tem por não escrita a cláusula fideicomissária, salvo se o contrário resultar do testamento”;
    13. Diz, finalmente, o artigo 2187º, nº 1, do mesmo Código, que “na interpretação das disposições testamentárias observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento”;
    14. Estipulando o seu nº 2 que “é admitida prova complementar, mas não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa”;
    15. Da conjugação destas normas e das que regem a interpretação e integração da declaração, cf. artigos 236º a 239º do CC, as disposições de última vontade exaradas pelos inventariados nos seus testamentos não estão afectadas de qualquer nulidade, como numa primeira análise poderia parecer;
    16. Com efeito, o princípio da intangibilidade da legítima imposto pelo referido artigo 2163º cede perante a vontade do herdeiro, tal como na parte final do mesmo vem disposto;
    17. A qual se aplica tanto àquela como ao preenchimento da mesma, claramente indiciado pela vírgula aposta antes da expressão “contra a vontade do herdeiro”;
    18. O que bem significa, em bom português e correcta pontuação, que a mesma se refere às duas afirmações anteriores exaradas do referido preceito;
    19. Na verdade, se fosse intenção do legislador que se aplicasse aquela expressão, como excepção que é, à última afirmação apenas, ou seja, à que visa o preenchimento da legítima, a referida vírgula não teria sido aposta antes daquela, por onde se determinaria, então sem margem para dúvidas, que, nesse caso, a dita excepção só se aplicaria ao referido preenchimento;
    20. Não tendo assim acontecido, e tendo presente o disposto no artigo 9º, nº 3, do CC, que estabelece que “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, onde se inclui, obviamente, o domínio da língua portuguesa e o não cometimento de erros de pontuação, temos de concluir que a excepção contemplada no referido preceito se aplica às duas afirmações do mesmo constantes;
    21. O que significa que, por vontade do herdeiro ou sua anuência, o autor da herança pode impor encargos sobre a legítima, assim como designar os bens que a devem preencher;
    22. Por outro lado, o referido artigo 2289º, 2ª parte, do CC, a propósito da eventual nulidade da substituição fideicomissária ou da substituição anterior, manda, expressamente, ressalvar o que resultar do testamento;
    23. Dando, assim, mais uma vez, prioridade absoluta à vontade do testador;
    24. Aqui chegados, há que determinar se cada um dos inventariados deu a sua anuência a que o outro lhe impusesse o encargo constante do testamento;
    25. Ou seja, de que cada um devia manter ou conservar a herança com vista a que revertesse a mesma, por sua morte, a favor dos sobrinhos que cada um especificou no seu testamento;
    26. De modo a que por estes viessem a ser distribuídos os bens próprios de cada um deles, o que, como se disse já, configura um verdadeiro fideicomisso;
    27. Já dissemos que cada um dos inventariados, reciprocamente cônjuges que eram, fez o seu testamento no mesmo dia, no mesmo Cartório Notarial e perante o mesmo notário, em termos absolutamente semelhantes;
    28. Donde se pode concluir que ambos estavam entendidos quanto aos termos do testamento e que cada um dava a sua anuência a que o outro lhe impusesse o encargo de conservar a herança para que viesse a reverter a favor dos sobrinhos de cada um deles, como acima se diz, o que, aliás, foi cumprido;
    29. Nenhum dos preceitos acima enunciados se opõe a que cada um dos testamentos seja assim interpretado;
    30. Já que a vontade dos respectivos testadores se mostra claramente expressa no texto dos mesmos, vindo, além disso, expressamente ressalvada no referido artigo 2289º, 2º parte, do CC;
    31. Aliás, não tendo nenhum dos inventariados descendentes nem ascendentes, cônjuges recíprocos que eram, cada um deles era chamado à totalidade da herança do outro, cf. artigo 2144º do CC;
    32. Pelo que não havia necessidade de se instituírem reciprocamente herdeiros das suas quotas disponíveis, não fosse essa a única forma de satisfazerem a vontade que deixaram expressa nos testamentos;
    33. E que era a de que cada um devia conservar a herança com vista a que a mesma, por sua morte, revertesse a favor dos sobrinhos que identificaram naqueles;
    34. De modo a que por estes viessem a ser distribuídos os bens próprios de cada um deles;
    35. O notário, perante o qual fez cada um dos inventariados os seus testamento, compreendeu perfeitamente a vontade destes e, depois de a encontrar absolutamente legal, como é, expressou-a do modo que ficou exarada em cada um dos testamentos;
    36. Com efeito, da interpretação dos testamentos não resulta que as disposições testamentárias dos mesmos constantes tenham sido essencialmente determinadas por um fim contrário à lei ou à ordem pública, ou ofensivas dos bons costumes;
    37. Pelo que às mesmas não pode ser aplicado o referido artigo 2186º do CC;
    38. Sendo, por outro lado, certo que, interpretadas tais disposições do modo que vimos de expor, fica observado e garantido o que é mais ajustado à vontade de cada dos inventariados, conforme o contexto dos mesmos testamentos, como estabelece o dito artigo 2187º, nº 1, do CC, para além de ser respeitada a ressalva estabelecida na 2º parte do artigo 2289º;
    39. E quando alguma dúvida subsistisse a tal respeito, dado que o nº 2 do anterior preceito legal admite prova complementar, deve, então, ser ouvido a tal propósito o notário Dr…. , perante o qual foram feitos os referidos testamentos, actualmente notário na cidade e comarca de V…;
    40. Acontecendo, outrossim, que a vontade de cada um dos inventariados tem total correspondência no contexto do seu testamento, aliás, clara e perfeitamente expressa.
    41. Violou o(a) Mmº(ª) Juiz(a) a quo as normas dos artigos 9º, nº 3, 236º a 239º, 2163º, 2186º, 2187º, nº 1, 2245º, 2230º, nº 2, e 2289º, todos do CC.
    Nestes termos, E invocando o mui douto suprimento de V. Exas., Deve ao presente recurso ser concedido provimento,
    Revogando-se, assim, a decisão recorrida E substituindo-a por outra que acolha a interpretação dos testamentos propugnada pela recorrente, Com todas as consequências, como é de lei e de Justiça!


    Não foram apresentadas contra alegações
    O recurso foi admitido como de agravo, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo.
    Foram colhidos os vistos legais.

    A única questão a resolver traduz-se em saber a interpretação a fazer dos testamentos efectuados pelos inventariados


    II. FUNDAMENTAÇÃO
    Para além da matéria constante do relatório que antecede, são, ainda, de considerar os seguintes factos:
    A fls. 2 está junta certidão emitida pelo cartório Notarial de V… do documento intitulado “ Testamento Público que faz J… com o seguinte teor
    No dia 28 de Maio de 1985 no Cartório Notarial de … perante mim o notário A… compareceu como testador J… no regime de comunhão geral de bens …
    Declarou o testador: Que por este testamento, que é o primeiro que faz, institui única herdeira da quota disponível sua mulher a referida E… com o encargo de esta conservar a herança, para que ela reverta , por sua morte para seu sobrinhos em comum e partes iguais e que são os seguintes: P… ; G…, J…; F… e C… .
    A fls. 6 está junta certidão emitida pelo cartório Notarial de V… do documento intitulado “ Testamento Público que faz E… com o seguinte teor
    No dia 28 de Maio de 1985 no Cartório Notarial de V… perante mim o notário A… compareceu como testadora E… casada com J… no regime de comunhão geral de bens …
    Declarou a testadora: Que por este testamento, que é o primeiro que faz, institui único herdeiro da quota disponível o seu marido o referido J… com o encargo de este conservar a herança, para que ela reverta, por sua morte para seu sobrinhos em comum e partes iguais e que são os seguintes: A… e outros.
    Neste último testamento a expressão da quota disponível encontra-se intercalada e por cima das palavras herdeiro e seu marido.
    As fotocópias certificadas na certidão de fls. 6 foram extraídas do testamento exarado de folhas oitenta a uma verso a folhas oitenta e duas verso do livro de Notas para Testamentos Públicos… .
    As fotocópias certificadas na certidão de fls. 2 foram extraídas do testamento exarado de folhas oitenta a duas verso a folhas oitenta e três verso do livro de Notas para Testamentos Públicos… .
    Os inventariados não tinham descendentes nem ascendentes vivos.
    A inventariada sobreviveu ao inventariado.

    Assente a matéria de facto, vejamos o enquadramento jurídico da questão suscitada.
    O artigo 2.179º do Código Civil A este diploma se reportam todas as normas sem indicação de proveniência. define o testamento como o acto unilateral Salientando esta unilateralidade, assim como a discrição e inteira liberdade inerente à instituição de deixas testamentárias, com distinção relativamente às doações mortis causa, ver Galvão Telles e revogável vide artigos 2311º a 2314º pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles.
    O testamento é, assim, uma declaração de vontade pela qual o de cuius designa os seus sucessíveis a fim de, através desse acto, transmitir o seu património ou alguns dos bens que o integram Precisamos, no entanto, de ter presente que, de acordo com o nº 2 do artigo 2.179º do Código Civil, as disposições de carácter não patrimonial cuja inserção no testamento a lei permita são válidas conquanto fizerem parte de um acto revestido de forma testamentária, ainda que nele não figurem disposições de carácter patrimonial. Daqui decorre que o autor do testamento pode omitir qualquer disposição de bens, usando-o, designadamente, para perfilhar (cf.. artigo 1.853º alínea b) do Código Civil), nomear tutor (artigo 1.928º nº 3), confessar factos (artigo 358º nº 4) , revogar anterior testamento (artigo 2.312º.
    Sendo uma declaração destinada a produzir os seus efeitos após a morte do testador, assume a natureza mortis causa.
    O artigo 2.182º realça o carácter pessoal do testamento ao estabelecer que o mesmo é insusceptível de ser feito por meio de representante ou de ficar dependente do arbítrio de outrem no que tange aos aspectos que considera fundamentais Permite o legislador que o testador cometa a terceiro a repartição da herança ou do legado quando institua ou nomeie uma generalidade de pessoas e que proceda à nomeação do legatário de entre as pessoas que determine.:
    - escolha do sucessor (instituição de herdeiros ou nomeação de legatários);
    - fixação do objecto do chamamento sucessório (objecto da herança ou do legado);
    - determinação do cumprimento das disposições cf. Pires de Lima e Antunes Varela in Código Civil Anotado VI Vol Coimbra Editora 1998 pp. 293 .
    O carácter pessoal e a circunstância de os seus efeitos se produzirem após a morte do seu autor, ou seja, num momento em que nem o exacto sentido das suas palavras, nem a liberdade e a força da sua vontade pode ser testada, conduziu o legislador a prever um apertado esquema de formalismo e um vasto leque de nulidades Nesse sentido vide STJ de 28.09.2006 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 06A1451..
    O testamento é um negócio formal, já que a sua validade depende da observância das formas previstas nos artigos 2.204º a 2.206º, 2.210º a 2.212º, 2.214º, 2.219º, 2.220º, 2.223º do Código Civil.
    Por outro lado, esse formalismo aparece como garante da expressão livre e última do testador, pretendendo o legislador que a forma de transmissão corresponda à sua vontade real.
    Tal reflecte-se na aferição da capacidade cf. artigo 2,199º, bem como na garantia da liberdade de disposição ao prever a nulidade de deixas testamentárias a pessoas que tivessem um ascendente sobre o autor da sucessão cf. artigos 2192º, 2.194º,2.197º. e 2198º do C. Civil.
    Outro aspecto diz respeito às regras estabelecidas para interpretação dos testamentos.
    Ao contrário do que sucede no domínio dos negócios jurídicos inter vivos, no qual foi acolhida a doutrina da impressão do destinatário, que confere um cunho objectivista à interpretação das declarações negociais, com ressalva de situações em que o declaratário conhece a vontade real do declarante cf. artigo 236º do C. Civil, conquanto exista um mínimo de correspondência no texto do documento se for um negócio formal, quanto aos testamentos adoptou-se um maior subjectivismo Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 1986, pg. 454 defende que o significado decisivo é aquele que o testador quis dizer, desde que se possa averiguar, e que na indagação da vontade psicológica deste não há que tomar em consideração, como critério interpretativo, as possibilidades de conhecimento de um destinatário, pois não se trata de um vínculo que crie expectativas merecedoras de tutela. cf.. Ac. STJ de 30.01.2003 in http://www.dgsi.pt/ processo n° in http://www.dgsi.pt/ processo n° 02B4448; Ac. STJ de 13.01.2005 in http://www.dgsi.pt/ processo n° 04B3607; Ac. RP de 20.01.2004 004 in http://www.dgsi.pt/jtrp00036480. Procurando uma explicação para o princípio subjectivista no domínio da interpretação dos testamentos, Mota Pinto( in obra cit. pp. 458) aponta as considerações de respeito semi-religioso pela vontade dos mortos e a conveniência social transcendente em que essa vontade dessa cumprida. Salienta, também, que os testamentos são “negócios fora do comércio jurídico”, isto é, não são negócios de realização do tráfego normal dos bens.
    Neste domínio rege o artigo 2.187º do Código Civil: observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador Para o Acórdão do STJ de 13.03.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 06A4656 o fim da interpretação deve encontrar-se na determinação da vontade real do testador, para que esta seja, efectivamente, pesquisada, conforme o contexto do testamento, admitindo-se prova complementar. No entanto, esta norma adverte que não surtirá qualquer efeito a vontade do testador que não tenha no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa. Realçando como finalidade da actividade hermenêutica, a busca e determinação da vontade psicológica do testador, o STJ, pronunciando-se sobre o âmbito das revistas, vem defendendo que, enquanto a interpretação dos negócios jurídicos nos termos do artigo 236°do Código Civil é uma interpretação normativa, integrando, por isso, matéria de direito, a interpretação dos testamentos, em que se pretende avaliar duma realidade factual, a intenção do seu autor, constitui matéria de facto. Vide nesse sentido Ac. STJ de 25.11.2004 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 04B2624 que apenas encara como questão de direito a de ver se a interpretação em causa respeitou a exigência referida no nº2 do art. 2 187, observando a vontade do testador, obtida com o recurso a prova complementar, só pode surtir efeito se tiver um mínimo de correspondência no contexto, mesmo que imperfeitamente expressa.
    Neste domínio tem-se defendido que vale a teoria segundo a qual a interpretação tem por escopo a descoberta da verdadeira, real intenção do testador cf.. Ac. STJ de 9.10.2007 in http://www.dgsi.pt/ processo nº 07A703.
    Pires de Lima e Antunes Varela In op. cit., pg. 304. definem quatro coordenadas para a tarefa do intérprete do testamento:
    - procurar o sentido mais ajustado à vontade do testador Impõe-se encontrar no texto não o sentido mais conforme à expectativa de cada chamado, mas a mais próxima da vontade aparente do de cuius.: por isso, se houver ou forem conhecidos modos próprios de o testador se exprimir, palavras que usasse frequentemente com um sentido especial, diferente do seu sentido corrente ou usual, tal deve ser ponderado;
    - atender ao contexto do testamento na interpretação de cada disposição: é no documento e não nas conversas ou comentários que o testador mantinha com familiares ou amigos que deve encontrar-se o sentido de cada deixa; assim, para decifrar com segurança o significado de uma cláusula deve fazer-se um confronto ponderado com outras No Acórdão do STJ de 13.03.2007 (in http://www.dgsi.pt/ processo nº 06A4656) defende-se que em todos os casos em que certa cláusula testamentária comporte mais do que um sentido possível, importa apurar até ao limite a vontade do testador.; por outro lado, assumindo o testamento, muitas vezes, um carácter global, No sentido de que é o único instrumento no qual a pessoa dispõe de tudo o que lhe pertence para além da sua morte. importa considerar não apenas o texto, mas todo o contexto do testamento;
    - recorrer a elementos exteriores à declaração testamentária capazes de auxiliar a determinação da vontade real do testador Estes Autores chamam a atenção que, ao contrário do que sucede no comum dos negócios inter vivos em que se recorre a juristas na preparação e redacção final dos contratos, a elaboração do testamento permanece uma tarefa “solitária” em que cada um apenas em si próprio confia. Por outro lado, nem sempre as pessoas têm capacidade de redigir com clareza as suas determinações de última vontade, a que não será alheia o medo da proximidade da morte, a precipitação com que, por vezes, é realizado, problemas de saúde, pressões exercidas sobre a vontade debilitada e a memória confusa. Todos estes factores determinam que certas disposições testamentárias sejam indecifráveis.; A prova complementar surge como meio de salvar disposições testamentárias que, pelas confusões, repetições, aparentes contradições e omissões de palavras, de outro modo seriam nulas. Para Mota Pinto (in op. cit., pg. 455) recorre-se a todas as circunstâncias aptas a permitir concluir qual o sentido da vontade real do testador e não apenas as que possam ser conhecidas de determinadas pessoas.
    Defende que pode atender-se a: projectos anteriores se não se concluir que a formalização significa uma modificação objectiva; esclarecimentos orais ou escritos devidamente testemunhados, dados pelo testador a terceiras pessoas; considerações em que se baseou; finalidades visadas; motivos; anotações pessoais do testador nos seus papeis. No entanto, é preciso ter em atenção que o artigo 2.184º taxa de nulidade a disposição testamentária que dependa de instruções ou recomendações feitas a outrem secretamente, ou se reporte a documentos não autênticos, ou não escritos e assinados pelo testador com data anterior à data do testamento ou contemporâneos desta.
    - estabelecer como limite o carácter formal do testamento Aqui a lei cede à certeza e segurança das relações tomando em consideração o valor intrínseco da sucessão legítima subjacente à nulidade da disposição testamentária. Clarificando esta ideia, o Acórdão do STJ de 13 de Janeiro de 2005 (in http://www.dgsi.pt/ processo nº 04B3607) defende que a interpretação dos testamentos deve fazer-se, em primeira linha, pelo apuramento da vontade real e contemporânea do testador, usando para essa averiguação, simultaneamente, o contexto do testamento e a prova complementar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se. Fixado, por esse modo ou com esses materiais, aquilo que, efectivamente, estava no pensamento do testador, tal não significa, porém, o termo do processo interpretativo, dado que, sendo o testamento um acto formal ou solene, para que a vontade real ou verdadeira, assim apurada, seja atendível, é necessário que tenha, no contexto testamentário, um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa. Conclui que o legislador não restringe o recurso a prova complementar, mas proíbe que com o uso de tais meios, se ultrapasse o processo de interpretação para apurar o que seria verdadeira alteração ou modificação informal do próprio testamento. Como se escreve no Acórdão do STJ de 30 de Janeiro de 2003 (in http://www.dgsi.pt/ processo nº in http://www.dgsi.pt/ processo nº 02B4448) no testamento vale a vontade querida pelo declarante com a limitação, segundo a lei, explicada por razões de objectividade, da exigência da repercussão literal mínima, ainda que imperfeitamente expressa, no contexto do testamento. Como bem chama a atenção o Acórdão da Relação do Porto de 20 de Janeiro de 2004 (in http://www.dgsi.pt/ jtrp00036480), citando Oliveira Ascensão, o recurso a elementos externos ao testamento não se destina a buscar novas disposições testamentárias, mas apurar o sentido das disposições testamentárias ambíguas, passíveis de várias interpretações ou sentidos. Por isso, a prova complementar apenas pode decidir entre sentidos possíveis em face do contexto, não podendo ser usada para além dele, para, por exemplo, dar eficácia a um sentido que, perante o mesmo, não é possível. Para Mota Pinto (in op. cit., pg. 456), seguindo a lição de Manuel de Andrade, o sentido subjectivo, reconstituído através da prova extrínseca, valerá se o testador usou termos numa acepção pessoal, fora dos usos gerais da linguagem, mas já não se usou termos numa acepção extravagante que estava fora dos seus próprios hábitos de linguagem ou incorreu em erro na declaração. Refere que o erro na declaração apenas pode ser corrigido por via interpretativa se for indiciado pela letra do documento, por si só ou conjugado com algum
    elemento objectivo irrecusável.
    O legatário, ao contrário do herdeiro, sucede em bens determinados Pode ser um complexo de bens, desde que perfeitamente definido na sua composição e limites (v.g., uma biblioteca, todos os prédios – cf.. artigo 2030º nº 2 do Código Civil.. Estes
    contrapõem-se ao património global como universitas, consistindo naqueles que saem do universum ius ou são obtidos à sua custa, distinguindo-se, igualmente, de uma quota Cfr. Galvão Telles, in op. cit., pg. 193. daquele. Para que os bens possam considerar-se determinados basta que, no momento da morte do de cuius, sejam determináveis Ac. RP de 1.06.2006 in http://www.dgsi.pt/ jtrp00039251..
    Neste contexto, o legatário conhece o objecto ou o valor com que foi contemplado pelo testador As características do legado residem na determinação e especificação, em substância ou em valor, daquilo que o legatário vai buscar à herança., contrariamente ao que sucede com o herdeiro, que apenas com a partilha vê concretizado o seu direito, tendo, desde a aceitação, uma mera porção ideal no montante hereditário que poderá ser preenchido de uma ou outra forma, em consequência daquela operação.
    A questão colocada nos presentes autos prende-se com uma deixa testamentária instituída pelos inventariados nos testamentos públicos que fizeram.
    E a averiguação da vontade do testador deve fazer-se não só com base no “contexto” do testamento Ou seja, como ensina João Menezes Leitão, in “A Interpretação do Testamento”, pág. 93 e segs. , atendendo não só ao texto de cada uma das disposições isoladamente consideradas, mas a todo o conjunto do testamento, acentuando as ligações entre as suas várias partes e referindo-as ao todo que as engloba., mas ainda com recurso a prova complementar, auxiliar ou extrínseca que sobre isso puder reunir-se.
    Todavia, porque no caso dos autos o texto do documento é claro tem, necessariamente, de se atender apenas ao seu contexto não sendo necessária a produção de outra prova.
    Expostos os preceitos legais a aplicar vejamos a solução para a questão enunciada.
    Consta dos aludidos testamentos o seguinte: “
    No dia 28 de Maio de 1985 no Cartório Notarial de V… perante mim o notário A… compareceu como testador J… casado E… no regime de comunhão geral de bens …
    Declarou o testador: Que por este testamento, que é o primeiro que faz, institui única herdeira da quota disponível sua mulher a referida E… com o encargo de esta conservar a herança, para que ela reverta , por sua morte para seu sobrinhos em comum e partes iguais e que são os seguintes: P… e outros
    No dia 28 de Maio de 1985 no Cartório Notarial de Vila Nova de Paiva perante mim o notário A… compareceu como testadora E… casada com J… no regime de comunhão geral de bens …
    Declarou a testadora: Que por este testamento, que é o primeiro que faz, institui único herdeiro da quota disponível o seu marido o referido Joaquim Martins com o encargo de este conservar a herança, para que ela reverta , por sua morte para seu sobrinhos em comum e partes iguais e que são os seguintes: A… e outros.
    Neste último testamento a expressão da quota disponível encontra-se intercalada e por cima das palavras herdeiro e seu marido.

    Do exposto conteúdo dos testamentos podemos concluir que no caso em apreço, ambos os testamentos são claros e inequívocos relativamente à vontade dos testadores de disporem a favor um do outro da sua quota disponível, impondo a cada um deles o encargo de a conservar (a herança constituída pela quota disponível) para que a mesma à sua morte, revertesse aos seus sobrinhos ali identificados.
    E não só pela letra dos documentos se perfilha está conclusão mas também porque nos termos legais ao testador a única parte da herança de que pode dispor é da quota disponível.
    Por outro lado, se não existisse testamento, como os inventariados são casados entre si em caso de morte e sem ascendentes ou descendentes vivos eram reciprocamente herdeiros legitimários e portanto únicos e universais herdeiros. Inútil seria assim o testamento.
    Pretendendo beneficiar os respectivos sobrinhos com o valor das respectivas quotas disponíveis teriam de o fazer por testamento, como o fizeram.
    Aliás este entendimento está de acordo com o contido no art. 2286º nº1 do C. Civil uma vez que a medida do encargo depende da medida daquilo de que se dispõe em favor do herdeiro instituído, neste caso a quota disponível.
    De facto a noção de substituição fideicomissária é dada pelo art.º 2286.º do Código Civil nestes termos: “Diz-se substituição fideicomissária ou fideicomisso, a disposição pela qual o testador impõe ao herdeiro instituído o encargo de conservar a herança para que ela reverta, por sua morte, a favor de outrem; o herdeiro gravado com o encargo chama-se fiduciário, e fideicomissário o beneficiário da substituição”.
    Resulta daqui que são três as características da substituição fideicomissária, a saber: dupla disposição testamentária do mesmo objecto; encargo de o ( o objecto da disposição testamentária) conservar e transmitir, imposto ao fiduciário em proveito do fideicomissário; e ordem sucessiva, pois o fiduciário e o fideicomissário são instituídos sucessiva e não simultaneamente cf.. Prof. Pires de Lima, na RLJ, ano 101, pág. 40. (cf.. Prof. Pires de Lima, na RLJ, ano 101, pág. 40).
    As disposições testamentárias estão, em nosso entender, redigidas com a clareza descrita vedando outra interpretação que não a que foi considerada na 1ª instância e que dos mesmos consta, o que nos dispensa de mais considerações.
    Acresce dizer que sempre se terá de presumir que o testador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, uma vez que o testamento foi lavrado por Notário no livro de testamentos públicos (neste sentido cf. Rabindranath Capelo de Sousa in “Lições de Direito das Sucessões”, 4ª edição, Vol. 1º, pg. 199).
    .
    Assim sendo, não tendo a interpretação dos testamentos feita pelo recorrente um mínimo de apoio na letra dos mesmos, bem andou, pois, o Tribunal “a quo” ao decidir nos termos em que o fez.

    Sumário
    . Ao contrário do que sucede no domínio dos negócios jurídicos inter vivos, no qual foi acolhida a doutrina da impressão do destinatário, que confere um cunho objectivista à interpretação das declarações negociais, com ressalva de situações em que o declaratário conhece a vontade real do declarante, conquanto exista um mínimo de correspondência no texto do documento se for um negócio formal, quanto aos testamentos adoptou-se um maior subjectivismo.
    . Neste domínio rege o artigo 2.187º do Código Civil: observar-se-á o que parecer mais ajustado com a vontade do testador, conforme o contexto do testamento, admitindo-se prova complementar.
    . No caso de o texto do documento ser claro tem necessariamente de se atender apenas ao seu contexto não sendo necessária a produção de outra prova.

    III. DECISÃO
    Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo e, consequentemente, mantém-se o despacho recorrido.
    Custas pela agravante.
    Guimarães, 13.12.2011
  7.  # 11

    Colocado por: gf2011Estamos perante uma substituição fideicomissária ou fideicomisso (2286ºCC)
    Tem aqui um acordão bem recente onde se passou isso. Pode-se entreter ;)

    Muita "areia" para a minha carroça.

    Nota: Como testemunha neste acto e, sabendo eu, que a Senhora fazia tanto gosto em que o património que tinha herdado dos pais se mantivesse na família dela, fiquei revoltado quando tive conhecimento que o viúvo alterou o testamento e, por conseguinte, a vontade que a esposa manifestou em vida.
    É bem verdade o velho ditado: Neste Mundo quem não rouba ou não herda, não passa da mesma m r d.
 
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