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    • 23 março 2009 editado

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    Luísa Pinto

    Vender uma casa está mais difícil que nunca. Comprar uma casa é a maior complicação de sempre. De tantas vezes ditas, parecem verdades insofismáveis. Mas todas as verdades podem ser questionadas, e neste caso a questão colocada foi a de quais são os indicadores que demonstram a frequentemente evocada paralisia, num sector que se tem vindo a adequar aos novos tempos.
    Um dos primeiros indicadores que podem aferir este alegado imobilismo é o número de transacções com hipoteca que estão registados na Direcção Geral do Tesouro: aí pode-se constatar que a actividade imobiliária recuou para o nível de 1996, com cerca de 30 mil contratos a serem celebrados a cada trimestre. Estamos, pois, muito longe do pico a que se assistiu em 1999, altura em que se escrituravam mais de 70 mil transacções a cada três meses.
    Mas não é preciso recuar quase uma década para perceber porquê. Afinal o problema instalou-se há pouco mais de um ano e, para Luís Lima, presidente da Associação de Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal (APEMIP), o que tem travado as vendas "é a dificuldade de financiamento". "A banca está mais exigente na avaliação, menos generosa nos empréstimos a conceder. Mas quem consegue aceder aos créditos está melhor do que nunca, porque os juros nunca estiveram tão baixos", argumenta. Também António Gil Machado, sócio e administrador da Confidencial Imobiliário, revista de mercado imobiliário e que publica o Índice Confidencial Imobiliário, com uma série de evolução de preços de mercado com 20 anos, aponta a restrição ao crédito (que, alega, é sentida especialmente nos segmentos de mercado de menor rendimento) como uma de três razões que tem feito diminuir as transacções.
    As outras são "a expectativa de comprar mais barato não encontrar sempre, por parte dos proprietários, a vontade de aceitar a desvalorização dos seus activos" e o facto de "existirem menos pessoas disponíveis para comprar num clima de incerteza".
    Podemos, então, falar de desvalorização de activos? Comprovam-se os números de quebras de que tantas vezes se fala, e que ronda cerca dos 20 por cento? Não, e não, respondem Luís Lima e Gil Machado. "Julgo que é claro que quem quer vender tem, no actual contexto, de baixar preço. Mas apenas os proprietários que são "obrigados" a vender é que aceitam descer preços!", argumenta o especialista em imobiliário.
    O presidente da APEMIP responde com o fenómeno da hipervalorização das casas usadas: elas não perdem valor, há é a "tendência generalizada de dar grande valor às casas onde fomos felizes". "Na hora de vender a nossa velha casa queremos por ela um preço, que é o preço que pagamos quando a adquirimos, acrescido do valor da inflação entretanto ocorrida, sem qualquer subtracção. Como se a casa não envelhecesse e como se o facto de nela termos vivido determinado número de anos não correspondesse já a um valor a ter em conta...", argumenta Luís Lima. Este responsável afirma que "quem quer mesmo vender a casa, tem de fazer um reajustamento", recusando o termo "desvalorização".

    Moralização
    Os proprietários que compraram casas por altura da massificação do acesso ao crédito, em que a banca concedia empréstimos para a totalidade do capital, e ainda dava dinheiro para a mobília, com base numa única hipoteca, são os que tem mais dificuldades. Se não há desvalorização, parece haver uma maior moralização no sistema, e os empréstimos e as avaliações começam a ser mais consentâneas com o real valor de mercado.
    Uma consulta ao índice Confidencial Imobiliário demonstra que a valorização do mercado residencial está "anémica" pelo menos desde 2002, mas que tem conseguido resistir a descer.
    O ano de 2008 encerrou a desvalorizar um por cento, em termos trimestrais, mas, o indicador que mede a valorização média anual encerrou, em Dezembro, com uma variação positiva de 3,9 por cento. Uma realidade muito diferente de Espanha, onde só em Madrid o ritmo de evolução dos valores de mercado sofreu um retrocesso de cerca de nove por cento entre Julho de 2007 e Dezembro de 2008. Os indicadores do mercado espanhol demonstram que, em termos nacionais, desde Outubro de 2007 até Outubro de 2008 o decréscimo registado ultrapassou os três por cento (3,1 por cento).
    Há, na opinião de Luís Lima, um importante factor que funciona como "garantia de travão" a uma desvalorização artificial dos bens imóveis, e que é o facto de 80 por cento das famílias portuguesas serem proprietárias da casa onde vivem. "Num bem imóvel contabiliza-se o terreno, os materiais e a mão-de-obra utilizados na construção, etc. Se todos estes factores estão a subir, não se justifica a ideia da desvalorização", insiste o presidente da APEMIP.
    Trata-se, então, de encontrar um ajuste de expectativas e conciliar a vontade de quem quer vender com a de quem procura casa. Tal como nos casamentos, os amores à primeira vista são como a excepção que confirma a regra. E a regra é a de que demora a encontrar o par ideal e que quase sempre é preciso fazer cedências: muitas vezes, por parte dos proprietários, que aceitam baixar os valores que pediam inicialmente.
    Os dados do Sistema de Informação Residencial (SIR) da Confidencial Imobiliário [sistema que trata os preços reais da venda residencial, analisando aos dados revelados por uma "pool" de proprietários, promotores empresas de mediação e avaliação] demonstra que no segundo trimestre de 2008 a taxa de revisão dos usados na área metropolitana do Porto foi de quebras na ordem dos 6,6 por cento face ao trimestre anterior. Nota-se que se no primeiro trimestre (em média), cada apartamento era vendido por 153 mil euros, no segundo trimestre essa média subiu para os 201 mil euros. São os apartamentos novos, e para segmentos alto e médio alto que mais procura tiveram na Área Metropolitana do Porto.

    Quantas casas há para venda?
    E quanto ao número de alojamentos que estão disponíveis para venda, e a opinião consolidada que de há um excesso de casas no mercado? Os profissionais da mediação preferem dizer que existe antes muita opção, e mais possibilidades de quem compra fazer um bom negócio. Opiniões à parte, é praticamente impossível obter números exactos. As estatísticas não nos dizem quantas casas há à venda: e o resultado mais aproximado poderá ser, mais uma vez, o dos números da Confidencial Imobiliário, que trata estatisticamente a oferta do portal LarDoceLar (que ao longo de 2007 registou uma oferta total acumulada de 400 mil imóveis): actualmente tem para consulta 450 mil imóveis, 1200 empreendimentos e mais de três milhões de fotografias.
    Se as estatísticas não nos dizem quantas casas há para vender ou alugar no país, dizem-nos, por exemplo, quantas licenças novas para construção de habitação (ou para reabilitação) são concedidas trimestralmente pelas câmaras, e quantas são concluídas. São essas estatísticas que confirmam que as quebras, em seis anos, são superiores a 50 por cento. Em 2002 foram concluídos 125 mil fogos, e em 2008 foram cerca de 54 mil.
    "Trata-se de uma verdadeira 'bomba relógio' no sector da construção", diz o presidente da federação do sector, Reis Campos, reclamando que se não forem concedidos apoios directos para que esta força de trabalho possa ser reconvertida e utilizada na reabilitação, poderão vir a surgir mais 95 mil desempregados. "Até agora, a reabilitação é uma miragem, e a Lei das Rendas um fracasso - dos 390 mil contratos anteriores a 1990, menos de dois mil foram 'descongelados' nestes dois anos", critica. O secretário de Estado da Administração Local, Eduardo Cabrita, responsável político desta lei, prefere sublinhar que foi de dez mil o número de pedidos de actualização, e que todos esses processos se fizeram sem ruptura social e sem inquilinos idosos despejados. Desses dez mil processos iniciados, só sete mil chegaram à fase de avaliação do imóvel.
    As vantagens desta nova lei vai toda para o facto de, reconhece Cabrita, "haver agora um mercado de arrendamento", com os novos contratos a registarem taxas de crescimento de 30 por cento em 2007 e os 40 por cento em 2008.

    Crise, qual crise?
    O mercado de arrendamento tem sido, também, a grande aposta das empresas que fazem mediação imobiliária. Manuel Alvarez, presidente da RE/MAX Portugal, admite que muitas vezes aconselha os compradores que não tem acesso imediato ao crédito - porque não têm verbas para dar uma entrada, agora que a banca, por norma, não financia mais do que 80 por cento do capital - a fazerem contratos de arrendamento até conseguirem juntar dinheiro. A verdade é que, face a 2007, o aumento de contratos de arrendamento mediados pela RE/MAX aumentou 48 por cento. Os da Century 21 aumentaram 200 por cento, mas continuam numa base relativamente pequena: 670 contratos.
    Nem só as mediadoras estão atentas a este segmento de mercado. Também as empresas que fazem promoção de edifícios, e os constroem para pôr à venda, concebem produtos que possibilitem contratos de arrendamento (a cinco anos) com opção de compra e possibilidade de ver amortizado parcialmente o dinheiro já pago com rendas - é o caso da Libertas, que tem produtos deste género destinados ao segmento médio-alto.
    "A promoção de habitação é na sua enorme maioria indiferenciada", repara Gil Machado, que dá a indústria automóvel como exemplo a seguir. "Quantos modelos conhecemos de um Mercedes? Vai da Classe A à Classe M... Há um grande potencial de inovação na promoção imobiliária, criando produtos mais pensados em "targets" específicos de população. Criando, por exemplo, áreas de trabalho na habitação sem estar a ocupar uma divisão (quarto), ou dando mais atenção às infra-estruturas de condomínio, áreas de lazer para crianças e adolescentes, acrescentar serviço a habitações dirigidas a pessoas mais idosas, sem as transformar num lar de terceira idade...", exemplifica.

    Uma transacção por semana
    Reinventar produtos e soluções, como contratos mistos ou bolsas de permutas - para além da oferta de parceiros na área financeira, afinal, a área que está a "bloquear" as transacções - parece ser o caminho apontado pelas mediadoras para sair da crise. E para os particulares é cada vez mais difícil conseguir vender um imóvel sem o trabalho de uma mediadora, de tal forma profissionalizado está a ficar o negócio.
    Segundo os dados disponibilizados pelo INCI, o regulador onde as empresas têm obrigatoriamente de obter uma licença para o exercício da actividade, o número de empresas de mediação não tem variado de forma significativa desde 2000 - eram 3790 em 2006, 3990 em 2007, e 3859 em 2008; em 28 de Fevereiro deste ano eram 3856. Se dado significativo houve é o número de empresas com as licenças caducadas, que duplicou. Em 2007, foram 241 empresas que não renovaram as suas licenças, e em 2008 foram 491 empresas. O presidente da associação das empresas de mediação admite, apenas, o facto de estar em curso uma mudança de paradigma da actividade da mediação imobiliária, o que pode provocar o encerramento de actividade de algumas empresas e a criação de outras. Recusa, no entanto, a palavra "crise". É tudo uma questão de matemática: "Se, grosso modo, considerarmos a existência de 3600 empresas de mediação imobiliária podemos dizer que no ano de 2008 cada uma dessas empresas poderia ter mediado, em média, uma transacção imobiliária por semana. Para algumas empresas será pouco, para outras seria um sonho. Mas médias são médias e os números absolutos de transacções foram, nesse ano, de 190.000". Tal como as médias, os números são números: não dizem tudo, mas ajudam a perceber a realidade.

    http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=noticias.asp%3fa%3d2009%26m%3d03%26d%3d20%26sid%3d0%26id%3d299640
 
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