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    • 23 março 2009

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    Raquel Almeida Correia

    Já passaram mais de quatro décadas, mas Alberto Rocha não esquece, nem quer esquecer, os sacrifícios por que passou quando, aos 11 anos, deixou Ribeira de Pena, em Trás-os-Montes, para tentar a sorte na capital. Começou por uma taberna em Lisboa, onde ganhava 150 escudos por mês. Era lá que trabalhava (em cima de uma grade de cervejas para chegar ao balcão) e também que dormia, na ausência de um lar. Hoje, não só tem casa própria, como arrenda vários espaços a particulares e empresas - negócio que diz garantir bons rendimentos.
    Cada cêntimo ganho investiu no mercado imobiliário. Foi comprando e vendendo, em função das oportunidades, e, em pouco mais de 30 anos, ergueu património "à custa de muito suor e de muitas horas de trabalho". Até aqui, ainda apareciam alguns compradores, mas "é cada vez mais difícil", diz. Foi por isso que optou pelo arrendamento. Apesar de não oferecer um retorno elevado no imediato, permite "ir ganhando dinheiro sem ter as casas paradas", explica.
    Este é um dos grandes motivos por detrás do crescimento da oferta de imóveis para arrendar nos últimos meses. Apesar de o mercado ainda não dar a resposta desejada ao "boom" no lado da procura, nota-se que os proprietários estão a considerar cada vez mais esta alternativa, para fazer face ao abrandamento da compra. "Começa a surgir uma nova classe de pessoas que colocam a casa no mercado para arrendamento quando necessitam de gerar receitas e não conseguem vender pelos valores pretendidos", afirma João Cunha, administrador da Square.
    Alberto Rocha, 55 anos, arrenda três moradias no Estoril, cujos valores vão de 850 a 2000 euros por mês. A estas somam-se duas lojas, ocupadas por empresas, e um apartamento, pelo qual recebe mensalmente 16 euros. É uma renda antiga (anterior a 1990), que "gostaria, naturalmente, de subir, até porque a inquilina já está num lar, mas recusa-se a sair", conta.
    O congelamento das rendas e a complexidade da relação proprietário/inquilino, dilemas que o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU) se propôs resolver, continuam a ser um dos maiores entraves à evolução deste mercado. Apesar de o secretário de Estado da Administração Local, Eduardo Cabrita, garantir que o aumento da oferta está relacionado com "o novo quadro legal", pelo qual é responsável, é visível que ainda há problemas por resolver.
    No que diz respeito à actualização das rendas, os números falam por si: das 390 mil rendas antigas, apenas 2,6 por cento entraram em fase de reavaliação e menos de 0,5 por cento destes processos estão concluídos. "Os senhorios preferem deixar tudo como está", diz António Frias Marques, presidente da Associação Nacional de Proprietários (ANP). "Como recebem rendas insignificantes, não tiveram fundo de maneio para recuperar os edifícios e, agora, mesmo que os valores sejam revistos, sabem que não vale a pena gastar dinheiro com obras porque as rendas vão sempre continuar baixas", acrescenta.

    Prevenção máxima
    A relação entre proprietários e inquilinos também continua a ser alvo de críticas. Frias Marques defende que o NRAU foi um "fracasso" a esse nível porque os donos das casas continuam "muito expostos", apesar de Eduardo Cabrita assegurar que "estão muito mais protegidos". O presidente da ANP contrapõe com números reveladores: "30 por cento dos arrendamentos são afectados por incumprimento nos pagamentos" e "demora-se dois a três anos a resolver um litígio em tribunal".
    Amélia (nome fictício), 67 anos, já sentiu na pele os riscos de optar pelo arrendamento. Proprietária de vários imóveis em Lisboa, nada pôde fazer em relação aos inquilinos que não pagavam, aos que subarrendavam ilegalmente os seus apartamentos "a mais quatro, cinco ou seis pessoas" e aos que até roubavam. "Apareceu um rapaz que disse que a sua casa tinha ardido, que tinha perdido tudo e que precisava de um quarto para ficar, mas não tinha qualquer documento. Dei-lhe a chave por pena. Um dia aproveitou o facto de um dos colegas de casa ter saído, entrou no quarto e roubou-o. Até lhe levou o carro", conta.
    Tomar "medidas preventivas é sempre a melhor forma de diminuir os riscos deste tipo de situações", aconselha o administrador da Square. Daí que o ideal seja "procurar que a qualificação financeira do inquilino assegure um grau de probabilidade de cumprimento elevado" e, quando isso não sucede, recorrer "à exigência de um fiador" (pessoa que responde em caso de infracção contratual), acrescenta João Cunha. No caso desta rede de imobiliárias, é ainda possível fazer um seguro, que contempla, por exemplo, assistência jurídica.
    No Estoril, Alberto Costa também aprendeu à força, depois de um inquilino lhe ter deixado um prejuízo de dez mil euros, em rendas por pagar e em danos materiais. Agora, tem por norma exigir fiador no contrato e pedir para consultar a declaração de IRS do inquilino. "É uma forma de garantir que têm capacidade para pagar", explica. Além disso, não arrenda as casas a qualquer pessoa: "Tenho uma relação longa com a NATO (com instalações na zona) e dou primazia às pessoas que vêm de fora para trabalhar lá".

    Uma alternativa flexível
    Fazer uma triagem dos inquilinos é natural nos processos de arrendamento. E, à medida que a procura cresce (muitas vezes, por falta de meios financeiros para comprar uma casa), mais aumenta a exigência dos proprietários. Há, aliás, quem tenha desistido por completo do mercado "tradicional", protagonizando uma nova tendência que parece ganhar cada vez mais adeptos - arrendar imóveis por períodos curtos de tempo, preferencialmente a estrangeiros.
    Francisco (nome fictício) é um desses casos. Há nove anos, comprou um T1 no centro de Lisboa, que deixou de servir os propósitos quando decidiu viver com a namorada, em 2005. Percebeu que não iria ser fácil vender a casa, mas, como queria deixar essa opção em aberto, optou por um regime de arrendamento mais flexível, que não o obriga a ficar "preso a um inquilino", refere.
    Colocou o imóvel num portal na Internet, que lida maioritariamente com o segmento turístico, e mantém a casa ocupada, cobrando 65 euros por noite. Desse montante, 15 euros (perto de 23 por cento) vão para a empresa espanhola que faz a ponte com inquilinos temporários para o apartamento.
    "Se optasse pelo arrendamento normal, ganharia 600 euros por mês e, neste sistema, há meses em que consigo ganhar mais de 1000 euros. Compensa, embora não tenha um rendimento fixo", explica.
    Outra vantagem é poder ter a casa vaga, caso apareça uma oportunidade de venda. "Ainda não surgiu nenhuma proposta tentadora, mas prefiro estar nestas condições, porque seria um problema se a proposta surgisse e não pudesse vender por causa de um inquilino", acrescenta.
    Há ainda o facto de haver "menos riscos de danos materiais", porque as pessoas que procuram estas casas "são geralmente mais bem formadas, estão habituadas a viajar neste sistema e tratam bem das casas porque querem que continue a haver oferta no mercado. Não querem que os proprietários fiquem receosos e deixem de arrendar", explica Maria João Pombo, sócia da At Home in Lisbon, empresa portuguesa que também trabalha neste nicho de mercado. "Todas as semanas o número de casas disponível aumenta", garante.
    Ainda assim, "a maior quantidade na oferta não consegue dar resposta ao exponencial aumento da procura", afirma Jorge Garcia, director de comunicação da ERA. Desequilíbrio com consequências imediatas nos preços praticados, que, muitas vezes, ficam em pé de igualdade com a prestação de um crédito à habitação.
    "Os proprietários ainda fazem incidir no cálculo do preço o risco a que estão sujeitos" e, enquanto não existirem "garantias de um despejo célere, os preços manter-se-ão acima do desejável", acrescenta. É este ciclo vicioso que retira dinamismo a um mercado que prometia mais do que está realmente a dar.

    http://jornal.publico.clix.pt/default.asp?url=noticias.asp%3fa%3d2009%26m%3d03%26d%3d20%26sid%3d0%26id%3d299640
 
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