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  1.  # 1

    Bom dia

    No passado dia 1 de Dezembro houve um incêndio no prédio onde moro. Sou arrendatária e não tenho seguro próprio de recheio. O incêndio teve início num apartamento vizinho - pelo que consta por um cigarro de que a moradora se esqueceu.. - e não tendo tido chamas em minha casa, a verdade é que ficou completamente cheia de fumo danificando definitivamente alguns objectos e tornando impossível a habitação até que tudo seja limpo. Está TUDO preto, é impossível respirar lá dentro sem ficar mal disposta e com tonturas, tudo terá de ser limpo e o apartamento arejado até que possamos voltar a habita-lo. As minhas dúvidas são:
    - a responsabilidade é da seguradora do apartamento onde deflagrou o incêndio certo? E caso não tenha seguro (ou caso seja considerado negligência por ter sido um cigarro esquecido e a seguradora não pague)? A responsável é a moradora certo?
    - quais são os meus direitos em relação ao reembolso das despesas de limpeza das minhas coisas (assim como do apartamento em si) e despesas de alimentação e estadia em hotel visto que não tenho familiares que me possam receber?
    - em relação às limpezas, há alguma empresa que o faça? Estive o dia de ontem a tentar limpar por mim, mas é completamente impossível, acabo de limpar e parece q está tudo na mesma..
    - que passos devo dar para accionar os mecanismos necessários a esse pedido de reembolso? Onde me devo dirigir? À polícia que tomou conta da ocorrência?

    Peço desculpa por tantas dúvidas, mas sinto-me perdida..

    Muito obrigada!
  2.  # 2

    Minha estimada, não me vou pronunciar sobre a eventual responsabilidade da seguradora, sendo que para aferir dessa possibilidade, deve informar-se sobre a mesma, no entanto, posso isso sim, debruçar-me sobre os seus direitos, isto é, prima facie, pode e deve pedir responsabilidades ao vizinho. Caso este não as assumam e a seguradora também não o faça, deverá solicitar a mesma com a devida formalidade (carta registada), não carecendo esta de se ter lavrada de forma ameaçadora, antes porem, informando factualmente dos danos sofridos, alertando para a necessidade de reparação (fundamentando-se na letra da lei) e concedendo um prazo razoável para que efectuem as devidas reparações.

    Não se prestando aqueles à feitura das mesmas, a lei faculta-lhe duas ferramentas:
    a) Recorre à justiça para obrigar os vizinhos a obrar (se no seu concelho houver um julgado de paz, é a este que pode e deve recorrer, em detrimento do tribunal);
    b) Contrata quem de saber para proceder à feitura das reparações e posteriormente recorre à justiça (julgado de paz), para obter a competente indemnização.

    Caso opte por esta última ferramenta, não olvide que pode e deve produzir tanta prova quanto possível (fotografias, testemunhas idóneas, relatórios técnicos, orçamentos para as reparações e finalmente, a factura). Atente que a regra em direito é que quem alega um facto constitutivo, tem a obrigação de o provar. É o que conceptualmente se designa de ónus de prova. O art. 342º do CC preceitua precisamente esta regra. No mais, em qualquer das situações, assiste-lhe sempre um direito de regresso pelas custas iniciais por si suportadas.

    Fundamentação:

    Neste concreto, dispõe o art. 1346º do CC que “o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um período substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam.”

    Nas palavras de Abílio Neto in Código Civil Anotado “as emissões desnecessárias desde que prejudiquem outrem devem considerar-se ilícitas, sejam ou não intencionais. Se o agente tiver necessidade ou utilidade na prática do acto, mas este colidir com um direito igual ou da mesma espécie de outrem, deve cada um ceder o necessário para que os direitos tenham o mesmo efeito, sem maior detrimento de um que do outro; mas se o acto colidir com um direito superior de outrem deve prevalecer este" Também Henrique Mesquita, em Direitos Reais expõe que “as emissões a que este artigo se aplica são emissões de elementos que tenham natureza incorpórea – vapores, ruídos, correntes eléctricas, raios luminosos – e as de elementos de tamanho ínfimo – fuligem, poeira, cinza, etc.”

    Refere ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 18/09/2008 que “Não há dúvidas que quer a lei constitucional (designadamente art. 1º, 2º, 69º, nº 1, 70º, nº 2, 72º, nº 2 da CRP), quer a Declaração Universal dos Direitos do Homem (v. respectivo preâmbulo e designadamente os art. 6º, e 29º, nº 1) garantem e protegem os direitos de personalidade do ser humano (designadamente enquanto manifestação da salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana).

    O mesmo acontece com a lei ordinária, conforme resulta designadamente do art. 70º do CC. Também não suscita grandes dúvidas que a lei tutela a personalidade enquanto reportada à especificidade de cada pessoa. Parafraseando Rabindranath Capelo de Sousa (v. O Direito Geral de Personalidade, pág. 116), podemos dizer que a lei não tutela aqui um arquétipo como a personalidade normal, física ou sócio culturalmente abstratamente dominantes, mas cada homem em si mesmo, concretizado na sua específica realidade física e psíquica e moral, o que, incluindo a sua humanidade, abrange também a sua individualidade, nomeadamente o seu direito à diferença e à sua concepção e actuação moral próprias.

    É também ponto assente que os direitos de personalidade têm como objecto as mais variadas realidades atinentes à pessoa humana: vida, o próprio corpo, elementos anatómicos destacados do corpo, equipamento psíquico, identidade, honra… saúde físico psíquica… É igualmente certo que quando se fala de saúde não se pode deixar de ter em vista também as realidades que lhe são co-envolventes, como o sossego, o descanso, o lazer, o sono reparador, o ar puro, o ambiente sadio…

    É ainda indiscutível que os direitos de personalidade são absolutos, no sentido de que geram uma universal obrigação de respeito e abstenção de lesão (oponibilidade erga omnes), incorrendo em responsabilidade civil indemnizatória quem os violar (exige-se aqui que se verifiquem os necessários pressupostos da responsabilidade civil) e permitindo a lei a imposição de medidas preventivas, atenuadoras e supressoras da lesão (aqui independentemente de culpa do sujeito passivo e até independentemente de dano efectivo). Isto resulta claro do disposto no art.º 70º do CC, e não deixa de ser afirmado pela doutrina (v. R. Capelo de Sousa, ob. cit., pág. 451 e sgts).

    É também certo que os direitos de personalidade não são postergados pelo facto de quem os viola o fazer no exercício de uma actividade lícita e respeitar as normas atinentes a esse exercício, a começar pelas que se referem aos níveis máximos de poluição (designadamente sonora, rectius ruído) legalmente estabelecidos. Trata-se de asserção mais que garantida por toda uma jurisprudência constante e pacífica. (…) Referem os recorrentes que a feitura da marquise ficou a dever-se ao facto de existirem cheiros e a vinda de baratas e que a mesma foi feita ao abrigo do disposto nos art. 1346 e 337 do C.C.

    Nos termos do art. 1346, do CC o proprietário de um imóvel pode opor-se à emissão de fumo, fuligem, vapores, cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam. E refere o art. 337, do mesmo diploma considera-se justificado o ato destinado a afastar qualquer agressão actual e contrária à lei contra a pessoa ou património do agente ou de terceiro, desde que não seja possível fazê-lo pelos meios normais e o prejuízo causado pelo ato não seja manifestamente superior ao que pode resultar da agressão.”


    Assim, não será difícil concluir que perante os danos causados pelos factores elencados e que se enquadram na previsão do art. 1346º do CC, conferem ao vizinho o direito de reclamar o pagamento de uma indeminização pelos danos causados, a determinar em execução de sentença.” (Cfr, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09/02/1984).

    Ainda segundo o preceituado no artº 483º do CC, "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação. "
    Estas pessoas agradeceram este comentário: reginamar
  3.  # 3

    Muito obrigada pela sua ajuda, pelos esclarecimentos e pelas referências legais que são de facto uma grande ajuda!
  4.  # 4

    Mas antes manda elaborar uma peritagem ao seu apartamento, isto se já não foi efectuado pelos bombeiros e/ou protecção civil municipal. de modo a ter um documento de prova dos danos sofridos pelo incêndio.

    Existem também empresas privadas que elaboram esses relatórios de perícia,
  5.  # 5

    Tente unir esforços com os vizinhos das fracções que eventualmente tenham igualmente ficado prejudicados.
 
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