Iniciar sessão ou registar-se
  1.  # 1

    ‘Textos de Outros’ de Rui Campos Matos
    (escrito para o Diário de Notícias da Madeira, secção "Arquitectura e Território”)

    Quantas pessoas, quando chega o momento de construir a moradia com que sempre sonharam,
    não passam pela aflição de perguntar a si próprias: será que vou ter de aturar um arquitecto?
    Neste pequeno artigo, tentarei explicar como construir uma nova casa, sem se sujeitar às
    exigências de um desses profissionais. Para que o empreendimento seja levado a cabo com
    êxito há que fazer três importantes escolhas: estilo, técnico e empreiteiro.

    O estilo
    Eis-nos perante a primeira decisão a tomar - o estilo da casa. Felizmente não é difícil porque
    existem apenas dois: o tradicional (também conhecido por rústico) e o moderno, que vem
    colhendo cada vez mais adeptos entre os jovens.
    O tradicional caracteriza-se pelo típico telhado de aba e canudo, a janela de alumínio aos
    quadradinhos, a lareira de cantaria com a sua chaminé e o imprescindível ‘barbecu’, testemunho
    dos inumeráveis prazeres da vida rústica. Já o moderno é completamente diferente, tão
    diferente que até as coisas mudam de nome. O telhado desaparece, dando lugar à cobertura
    plana; a janela perde os quadradinhos e passa a chamar-se vão; à chaminé, em tubo de aço
    inoxidável, chama-se fuga; e ‘barbecu’ é um termo obsceno que deve ser evitado na presença
    das senhoras.
    Não existem, pois, quaisquer espécie de dúvidas quanto a questões de estilo - ou se é
    tradicional ou se é moderno, as duas coisas ao mesmo tempo é impossível.

    O técnico
    Escolhido o estilo, há que escolher o alfaiate, que aqui designaremos pelo técnico. Trata-se de
    uma escolha muito fácil, porque o que não falta são técnicos. Intitulem-se eles construtores civis
    diplomados, agentes técnicos de engenharia, electricistas habilitados ou desenhadores
    habilidosos, todos se regem pela mesma cartilha, a de João de Deus: o pinto pia, a pipa pinga…
    Não passaram cinco anos a estudar arquitectura? Não estagiaram mais dois? Que importa isso?
    Concentremo-nos apenas nas suas virtudes:
    1- Projecto elaborado em tempo recorde.
    2- Preço: 999 €.
    Mas como conseguem eles ser tão eficazes? É simples: antes de encomendado, o projecto já
    está feito. Até parece milagre! Mas não é, o que se passa é o seguinte: o técnico tem duas
    pastas no computador, uma para projectos em estilo tradicional, outra para os modernos.
    Escolhido o estilo pelo cliente, é fácil, emenda daqui, remenda de acolá e, numa tarde, o
    projecto está feito! Para quê complicar?
    "Mas o rapaz parecia semi-analfabeto, disse que não podia assinar o projecto, mas que havia
    outro técnico que podia…". Não é caso para preocupações, trata-se de uma situação corrente
    em que um técnico analfabeto paga a um técnico habilitado para que este, a troco de uns trocos,
    assine de cruz. Está tudo incluído no pacote e, (ironia do destino!), quantas vezes o técnico
    habilitado não é um arquitecto daqueles que faltaram às aulas de religião e moral…
    Aprovado o projecto, o técnico já não é preciso para nada. É dizer-lhe adeus que ele até
    agradece, porque de obra não percebe nada nem quer perceber, quem percebe disso é o
    empreiteiro – a nossa terceira e última escolha.

    O empreiteiro
    O primeiro encontro entre cliente e empreiteiro costuma ser decisivo. É nele que terá de se
    estabelecer, entre o primeiro e o segundo, uma relação de confiança cega, em tudo semelhante
    à fé. A fé de quem acredita que, com um projecto feito por um técnico, que não especifica nada,
    que não pormenoriza nada e que não quantifica nada, não vai ser enganado por um homem que
    passa o dia a fazer contas de cabeça…
    Entre cinco pequenos empreiteiros, como escolher o indicado para construir a moradia?
    Infelizmente, chegados a este ponto, não posso recomendar senão fé, muita fé e confiança,
    porque tudo o resto é irrelevante:
    1- O valor do orçamento é irrelevante, foi feito com base no projecto do tal técnico, é um número
    atirado para o ar, um número que, com os imprevistos, há-de subir ainda umas quantas vezes.
    2- O prazo estabelecido para concluir a obra vai depender do bom ou mau tempo e, nesse
    capítulo, só Deus sabe.
    3- As garantias dadas são as que estão na lei - cinco anos. Se a casa apresentar defeitos,
    reclame; se a reclamação não for atendida, recorra ao tribunal (também pode recorrer ao pai
    natal se achar que demora menos tempo…)
    Em suma, não vale a pena perder tempo com ninharias, o mais importante é ter fé.

    Conclusão
    Se, apesar de conscienciosamente feitas estas três escolhas, as coisas não correrem lá muito
    bem, se a casa ficar pelo dobro do preço, se no Verão se assar lá dentro e no Inverno se tiritar
    de frio, se para abrir a porta do armário for preciso arrastar a mesa de cabeceira, se o vizinho
    protestar com o ‘barbecu’, se a cobertura plana meter água, não vale a pena desesperar, resta
    sempre a consolação de não ter tido de aturar um arquitecto.
    • Jonh
    • 12 dezembro 2009

     # 2

    Nao entendi o tópico.........tanto existem más construções de arqºs... como de engºs.....

    Cumprimentos
    • eu
    • 12 dezembro 2009

     # 3

    Texto muito bem escrito... descreve bem o panorama em Portugal ;)
  2.  # 4

    Não é inédito aqui no fórum, mas está engraçado sem duvida.
  3.  # 5

    é giro, para mudar o oleo do carro pedimos ao mecanico - está a fazer a manutenção de uma coisa que custa por volta de 1000€ a 30000€

    para fazer a casa de sonho, a casa para toda a vida, que custa por volta dos 150000€ a 800000€ fazemos sem técnicos qualificados - mas é bom, assim sempre dá trabalho a muitos tecnicos durante uma vida para remendar as coisas mal feitas.

    ab
  4.  # 6

  5.  # 7

    Se fosse assim tão simples: contratava-se um arquitecto e tinha-se a certeza que íamos viver na melhor das casas, fresca no verão, quente no Inverno, perfeitamente insonorizada, sem uma fissura passados 10 anos, luminosa, etc,etc. Este tipo de afirmações só pode ser feita por quem não conhece minimamente o negócio de projecto e construção, mas que, por uma questão de coerência, podia informar-se de como as coisas são na realidade, antes de escrever crónicas, pretensamente iluminadas, em jornais.

    Já agora, só por curiosidade, o amigo thanatus não é aquele arquitecto que foi alvo de uma queixa, aqui no fórum, duma cliente que alegadamente já lhe pagou 70% dum projecto e passados 8 meses ainda só viu uns desenhos 3D?
  6.  # 8



    se o caro senhor leu o topico todo e não apenas o que quis

    pode ver que afinal havia mais do que "uns desenhos 3D"

    P.S. se não sabe interpretar eu explico...... este texto é ironico e mordaz para todos os intervenientes no processo de construção em portugal, ou no seu conhecimento do meio nunca se deparou com algumas das figuras caricaturadas no texto?
  7.  # 9

    ou "os problemas que tive depois por não ter contratado um arquitecto" :)

    ________________________
    fernando gabriel arquitecto
    página de internet
 
0.0131 seg. NEW