Colocado por: pedromdfraramente se vêm bombeiros que andam a combater algo que só termina quando nada há mais para arder.
Colocado por: pedromdf
Claro que ardeu tudo, não?
Colocado por: pedromdfFonte TSF:
"Sabíamos que havia condições para haver trovoada, mas daí até prever que a trovoada iria criar uma situação tão extrema não fomos capazes de prever"
O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) não emitiu para sábado qualquer aviso meteorológico, para nenhum distrito do país, de trovoada ou vento forte que segundo as autoridades estiveram na origem e propagação do incêndio de Pedrógão Grande."
Colocado por: pedromdfGostava de ver uma planta com a área ardida e a que foi salva ...
Colocado por: eu
Isso foi mais um "achismo" do tudólogo dos incêndios, não?
Hesitei em escrever este post, por respeito pelas vítimas e pelo risco de ser entendido como a utilização da morte de terceiros para obter ganho de causa.
Ou melhor, ontem à noite, quando me deitei, não sabendo que havia mortos nos fogos que estão a ocorrer, tinha planeado escrever hoje de manhã um post sobre a responsabilidade moral nas tragédias que ocorram nos incêndios de Verão.
Não porque seja possível evitar todas as tragédias, mas porque estas tragédias, previstas repetidamente por quem estuda seriamente a gestão do fogo, são enormemente potenciadas por uma doutrina de gestão de fogo completamente absurda face ao que hoje se sabe.
Países como os Estados Unidos, a Austrália e outros com territórios no lado Ocidental dos continentes, perto do paralelo 40 (como é o nosso caso), há muito que abandonaram a ideia de suprimir o fogo e insistem em políticas de gestão do fogo através da gestão dos combustíveis.
Mesmo noutros contextos geográficos, há a adopção de mudanças substanciais na doutrina, como fez recentemente o Ontário (depois de um fogo, de características diferentes dos nossos, de meio milhão de hectares).
O problema central é que em Portugal parece ser admissível que um governante diga, como terá dito ontem o secretário de estado da administração interna, que o comportamento do fogo não se prevê, o que há é uns académicos com umas teorias sobre isso.
Tal como parece ser normal o presidente da liga dos bombeiros, que há anos que diz disparates sobre a gestão do fogo (incluindo o clássico "nunca um fogo ficou por apagar"), aparecer sistematicamente nestas situações a repetir a defesa de opções erradas e que estão na base de tragédias como a desta noite.
E que o presidente da AIMMP seja sistematicamente convidado para falar de fogos, com um discurso completamente ignorante e absurdo sobre incendiários, sem qualquer ligação com a realidade conhecida e estudada.
E que o presidente da Protecção Civil diga que correu tudo bem num ano em que há um fogo de trinta mil hectares, tendo como objectivos para o ano seguinte (2017) não ter perdas de vidas.
E que qualquer presidente de Câmara diga que não sabe como é possível o que está a acontecer, quando qualquer curioso que estude o assunto com um mínimo de atenção, e recorrendo a quem sabe do assunto, lhe explica em três tempos que em condições meteorológicas extremas o seu concelho vai ser palco de uma tragédia, mas que isso tem solução se se quiser empenhar nas políticas de gestão de combustíveis a sério, em vez de fazer declarações patetas sobre as origens dos fogos.
Estes senhores são moralmente responsáveis por transformar os bombeiros em carne para canhão, quer defendendo e aplicando a doutrina do Portugal sem fogos, quer mantendo uma estúpida oposição à profissionalização dos bombeiros e respectiva integração entre gestão de combustíveis e combate.
Tal como declarações totalmente irresponsáveis de académicos respeitados, mas que nunca estudaram ecologia e gestão do fogo, bem visíveis neste artigo de 2010 (refiro-me, naturalmente, às declarações irresponsáveis de Helena Freitas, e não à sensatez habitual de Paulo Fernandes, que infelizmente é menos ouvido no país, e pelos decisores, do que seria bom para nós), ajudam a suportar a ideia estúpida de que o fogo é um inimigo que pode ser vencido, em vez de olhar para o fogo como um elemento natural que precisa de ser gerido de forma economicamente sustentável, em que o Estado se empenha em suprimir as falhas de mercado de um sector com graves problemas de competitividade na maior parte do território.
Por respeito e em memória das vítimas decidi pois escrever este post, dizendo que o fogo é previsível, estas tragédias são uma questão de tempo até se repetirem se mantivermos a doutrina do "Portugal sem fogos" e se insistirmos em assentar a gestão do problema em corpos de voluntários sem qualquer ligação com a prevenção estrutural feita no Inverno.
Nada me move contra os corpos de voluntários, são muito úteis e, provavelmente, imprescindíveis, mas precisam de uma estrutura profissional que conheça o território, crie e conheça oportunidades para parar os fogos onde podem ser parados e que enquadre devidamente a generosidade dos voluntários.
Já chega de pura irresponsabilidade e de um discurso obscurantista que desvaloriza o conhecimento existente e a sua aplicação em contexto real.
E, no entanto, está perfeitamente estabelecido, para Portugal, que 80% da área ardida se concentra em 12 dias por ano (os tais das condições extremas, mas não medidas por este índice de severidade que agora serve aos responsáveis para dizer que as condições são mais difíceis que em 2003 ou 2005, numa leitura não sei se criativa ou se ignorante, sobre a forma como esse índice é calculado).
E, no entanto, está perfeitamente estabelecido que cerca de 40% das ignições registadas no sistema de registo da protecção civil são no período da noite, administrativamente estabelecido entre as 8 e a 20 horas, portanto deixando muito dia de fora, no Verão e sem que essa percentagem varie grande coisa com as condições atmosféricas (não confundir com ignições reais, o sistema só regista o que atinge dimensões mínimas para ser registado, não as milhares e milhares de ignições que existem em cada dia, pelas mais variadas e prosaicas razões, mas que não têm qualquer desenvolvimento posterior).
E, no entanto, está perfeitamente estabelecido que mais de 90% da área ardida resulta de menos de 1% das ignições, o que rapidamente permite concluir que reduzir fortemente as ignições pode não ter qualquer efeito na redução da área ardida.
E, no entanto, está perfeitamente estabelecida a falta de correlação entre os anos de maior número de ignições e os anos de maior área ardida.
E, no entanto, está perfeitamente estabelecida a correlação entre o maior número de ignições e a presença de mais gente, por isso o distrito do Porto e envolventes são os que concentram o maior número de ignições, e a correlação entre área ardida e a falta de gente e de gestão, por isso os distritos que mais ardem são aqueles em que se verificou maior abandono agrícola.
Terrorismo florestal, diz ele
por henrique pereira dos santos, em 03.06.17
"Estamos a fazer faixas de contenção em 16 hectares, com pinheiros, sobreiros e carvalhos, numa zona primária de defesa contra os fogos. Só vamos ter lucro daqui a 50 anos. Nos restantes terrenos em 300 hectares que são da junta, alguns foram arrendados a Portucel que tem a sua mata de eucaliptos cuidada, com intervalos entre as árvores e com os caminhos limpos. "Foi num terreno da empresa que conseguimos travar o fogo de agosto passado, em Rio de Maçãs", contou Pedro Vidal.”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar como tenciona Pedro Vidal gerir os tais 16 hectares para que não ardam vez nenhuma em 50 anos, numa região que tem fogos com intervalos entre 10 a 15 anos.
“As únicas matas limpas e ordenadas da região são as das celuloses, garante o autarca.”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar por que razão pensa o senhor autarca que as matas das celuloses são diferentes das outras áreas de eucalipto.
“O incêndio alastrou num ápice, por causa dos ventos de 100 quilómetros hora que varriam tudo e projetavam casca de eucalipto ardida e fagulhas pelo ar. "Começou a subir e houve logo três projeções de um para o outro lado da encosta. Passado meia hora, o fogo começou a ficar perto das habitações. Ninguém se segurava aqui com o vento".”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar se assim é, que diferença faz ter melhores acessos, mais pontos de água e melhores equipamentos?
"Há zonas que podiam ser mais protegidas e termos melhor acesso ao fogo se houvesse estradões que é oque falta nos terrenos.”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar como é que o problema são os acessos se o fogo se consegue parar nas matas das celuloses e não nas outras matas, que muitas vezes até têm melhores acessos?
“Há 50 anos instalada ali, assistiu à chegada das fábricas e à debandada dos trabalhadores agrícolas para a indústria. "Os campos andavam cultivados e arranjados, havia muitos animais, não havia fogos grandes destes", lamenta.”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar se há cinquenta anos os acessos eram melhores, havia mais pontos de água e se os bombeiros estavam cheios de carros novos e equipamentos sofisticados e quantos aviões combatiam fogos nessa altura.
“"Estava tudo pronto para se poder vender. Dava mais de 100 mil euros se fosse tudo vendido", lamenta. Esta propriedade florestal, tal como muitas outras na zona, estava entregue ao crescimento selvagem, como a própria dona assumiu. "Como aquilo tinha sempre muito mato há tempos fomos lá ver se dávamos com os marcos, mas o pinhal, as silvas e os tojos estavam tão grandes que não se conseguia passar lá. Não víamos os marcos para cada um vender as suas leiras.”.
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar por que razão, tendo um valor de 100 mil euros na mão, os donos não o geriam.
“Temos 90% de voluntários no país … Exigimos que houvesse um aumento de 2 euros na compensação de 45 euros para que se chegasse, entre 2018 a 2012, ao valor de 50 euros por 24 horas de serviço.”
(Comentário) À jornalista, infelizmente, não lhe ocorreu perguntar a Jaime Marta Soares se os voluntários pagos a mais dois euros por dia resolveriam o problema dos fogos, ou se não seria melhor pegar no mesmo dinheiro e pagar a sério profissionais a sério, chegariam talvez 10% do número de voluntários que temos, que estivessem o ano todo no terreno, a preparar o território para a intervenção no Verão. O sistema passou de um custo de 30 milhões por ano para 100 milhões por ano, sem que se veja qualquer alteração de resultados, talvez o problema não seja a falta de dinheiro, mas a forma como se gasta o dinheiro que existe.
Infelizmente é isto, uma quantidade de gente a dizer coisas sem o menor sentido, e uma quantidade enorme de pés de microfone a repetir o que ouvem, sem o menor sentido crítico.
Em matéria de fogos a falta de escrutínio e avaliação de resultados é gravíssima, o que só é possível pela forma leviana, muitas vezes ignorante, como a generalidade (há excepções, e é bom que se reconheçam essas excepções, mas são casos pontuais) do jornalismo embarca em discursos emocionais, sem qualquer relação com a realidade e a racionalidade, aceitando qualquer patacoada sem qualquer base factual empírica que encaixe nestas ideias de terrorismo florestal, Portugal sem fogos e outras tolices do mesmo tipo.
Decorre hoje a abertura solene da caça ao incendiário, promovida pela associação patronal dos bombeiros.
O programa para a época que se segue foi claramente enunciado pelo presidente da referida associação patronal, a Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, comentando o processo reivindicativo que está em curso, no sentido de se aumentar o desvio de recursos de todos para as organizações de bombeiros (não confundir a captação de recursos pelas organizações de bombeiros com a captação de recursos para os bombeiros, isso seria o mesmo que dizer que o apoio à capitalização das empresas é um apoio aos trabalhadores portugueses, relacionam-se, mas não são a mesma coisa): "Quanto aos meios mobilizados para o combate aos incêndios deste ano, constituem "o dispositivo possível", para o presidente da Liga. "Está preparado para uma média de 200 a 250 fogos por dia. O problema é que num país como o nosso, em que andam à solta os incêndiários criminosos, ocorrem 300 a 400 e às vezes até 500 fogos por dia"".
Comecemos por um rasgado elogio à política de comunicação da associação patronal dos bombeiros que conseguiu a notável conquista de convencer toda a gente que a Liga dos Bombeiros Portugueses é uma associação de bombeiros e não, como efectivamente é, uma associação das associações de bombeiros. Com este passe de mágica (que seria semelhante à CIP convencer a sociedade de que é legítima representante dos trabalhadores portugueses e, consequentemente, apoiar a CIP é apoiar os trabalhadores portugueses) a Liga dos Bombeiros Portugueses consegue transformar o esforço voluntário e generoso de milhares de pessoas no seu principal activo económico e político, quando reivindica mais dinheiro do Estado para os seus associados (as corporações de bombeiros, não os bombeiros em si), que é a sua principal actividade.
É essa notável campanha cerrada de comunicação que, pelos vistos, constrange os jornalistas a fazer perguntas básicas sobre as afirmações que são feitas por Jaime Marta Soares, um homem muito económico no uso da verdade quando discute fogos.
A pergunta central que qualquer jornalista informado deveria fazer é a seguinte:
"Se, como diz, o sistema está preparado para 200 a 250 fogos por dia, se a variação diária de fogos depende essencialmente das condições meteorológicas, se os dias em que há 300 a 400 fogos, o mesmo 500, são os dias de condições meteorológicas extremas, e se é nesses dias de condições meteorológicas extremas que arde 80% da área que arde num ano, a sua afirmação significa que o dispositivo só está preparado para os dias em que não faz grande falta, não estando preparado para os dias em que é preciso, é isso?".
O jornalista informado poderia acrescentar:
"É então isso que explica que o objectivo principal do Dispositivo Especial de Combate aos Incêndios Florestais não tenha qualquer relação com a defesa da sociedade em relação aos efeitos negativos dos fogos em condições extremas, mas sim um objectivo de auto-preservação: ter baixas zero."
Colérico como é o actual presidente dos patrões dos bombeiros, o mais natural é que respondesse em altas vozes, dizendo qualquer coisa sobre os 35 a 40% dos fogos nocturnos que demonstram que isto é tudo obra dos incendiários, e que sobre isso os bombeiros não podem fazer nada (aliás, sempre que lhe fazem perguntas difíceis, o patrão dos patrões dos bombeiros saca de um argumento cuja resolução não diz respeito aos bombeiros).
E poderia até citar a autoridade do Senhor Secretário de Estado da tutela, que acha que "33% dos incêndios começam entre as oito da noite e as oito da manhã. Um terço dos incêndios em Portugal começar de noite é preocupante. Isto quer dizer alguma coisa".
Na verdade esta afirmação (que quase todos os secretários de estado do sector acabam por repetir de cada vez que a situação foge do controlo) só quer dizer que o Senhor Secretário de Estado não estudou bem o assunto, nem sequer foi ver a informação produzida pelos serviços, como estes gráficos:
fogos por hora.jpg
Se os senhores secretários de estado, e o senhor presidente da associação patronal dos bombeiros, quisessem deixar de ser demagógicos, em vez de falar de um terço de fogos à noite, explicariam didacticamente que o período da noite é definido administrativamente, das oito da tarde, às oito da manhã, o que significa que, no Verão, inclui muitas horas diurnas.
Explicariam também que a distribuição horária desses fogos não é uniforme, pelo contrário, concentra-se, como é normal, nas horas do fim do dia, sendo a maior parte nas duas ou três primeiras horas do tal período nocturno, a maior parte do qual ainda é dia.
Explicariam também que a hora a que um fogo é registado é a hora a que é detectado, não tanto a hora a que realmente começa, podendo haver desfasamentos importantes (de várias horas, mas muito frequentemente de uma a duas horas, o que é perfeitamente normal).
E que dos famosos 35 a 40% de fogos nocturnos que alimentam as teorias de conspiração que alimentam os orçamentos das entidades patronais dos bombeiros, em especial a ideia de que o problema não é a inadequação do dispositivo às necessidades mas sim os incendiários (apesar de 1% das ignições darem origem a mais de 90% da área ardida), dos 35 a 40%, dizia, apenas cerca de 5% ocorrem entre as duas e as seis da manhã, a maior parte sendo, provavelmente, reacendimentos que são reportados como novos fogos.
Que Jaime Marta Soares defenda os interesses das corporações de bombeiros (o que não é o mesmo que defender os interesses dos bombeiros, repetirei sempre) eu entendo, está no seu papel (só não entendo como nunca ninguém achou que havia um conflito de interesses entre ser presidente da câmara a tomar decisões que beneficiavam a corporação de bombeiros a cujos orgãos sociais pertencia).
Que os secretários de estado, aflitos, digam qualquer coisa para se esquivar politicamente a um problema politicamente irresolúvel, porque resolvê-lo significa afrontar directamente os interesses das corporações de bombeiros e das autarquias, o que ninguém quererá fazer, eu também compreendo.
O que não compreendo é um jornalismo tão pobre, tão pobre que se satisfaz com teorias de conspiração que não resistem à mínima análise empírica de factos, cujos resultados estão disponíveis e são facilmente acessíveis.
Para quem acha que é assunto que não lhe diz respeito, será bom lembrar que tudo isto é um dos exemplos mais clássicos e bem documentados do velho princípio de que quando se atira dinheiro para cima de um problema, uma das duas coisa desaparece, mas raramente é o problema: o dispositivo custava trinta milhões, hoje custa mais de cem milhões, sem que na análise dos dados se consiga detectar a menor alteração de resultados na gestão do fogo em Portugal.
ADENDA: para o caso de alguém perceber melhor o atraso que está associado ao discurso do Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, dos responsáveis pela protecção civil, dos responsáveis pelo Governo que tutelam os fogos em Portugal,
Esta notícia do Observador (em rigor, da Lusa, transcrita pelo Observador) é a típica notícia da véspera da fase qualquer coisa dos fogos e provavelmente nem valeria a pena comentar.
Ainda assim, sem a menor esperança de que algum governo, de alguma maioria de qualquer conjunto de partidos, tenha a veleidade de levar o problema a sério, aqui ficam alguns comentários antes da fase qualquer coisa dos fogos.
"“Onze mil hectares ardidos até hoje é algo preocupante. O ano passado foi muito mau em termos de incêndios e, no período homólogo, tínhamos 360 hectares ardidos. É uma diferençazinha um pouco assustadora”, disse o secretário de Estado da Administração Interna, Jorge Gomes, a 27 de abril.".
Comecemos o comentário por citar Paulo Fernandes "Alguém informe o Sec. Estado que ter um inverno muito chamuscado não nos diz nada sobre o queimado final. Aliás já houve um ano em que no mesmo espaço de tempo ardeu o triplo do que ardeu até agora e no final acabou por ser um dos anos com menos área ardida.".
Ou seja, na verdade brincamos com a informação, escolhemos uns anos da forma como convém, uns números que não dizem nada (por exemplo, discutir área ardida em vez de discutirmos valores perdidos) e é com base nisso que vamos tomando decisões em matéria de fogos.
"O DECIF deste ano tem como novidades um reforço de meios para combate a incêndios florestais nos distritos de Braga e Viana do Castelo, colmatando assim uma deficiência sentida em 2016."
Eu gostava de ver as avaliações que foram feitas para chegar a estas conclusões sobre deficiências de meios para combater fogos em Portugal. Primeiro, porque há poucos países no mundo que tenham tantos meios e tão actualizados como Portugal, mas aparentemente é sempre preciso mais. Depois porque uma boa parte da área que ardeu foi no distrito de Aveiro, onde aparentemente não havia falta de meios (de acordo com esta decisão de afectar mais meios a Braga e Viana). Acresce que embora o distrito de Viana tenha ardido bastante, Braga nem por isso, portanto não se percebe em que medida a carência de meios afectou os distritos em causa. Por fim, porque tendo ardido muito em Viana, a sua propensão para arder agora é menor e andar a deslocar meios atrás dos fogos, em vez de andarem a antecipar os fogos (depois da meteorologia, que explica a esmagadora maioria dos fogos, a sua geografia e a sua dimensão, o principal factor de explicação da área ardida é o tempo decorrido desde o último fogo), parece-me pouco útil.
O que existe em Portugal é uma situação de impasse institucional em que os interesses da Liga dos Bombeiros se impõem aos interesses do país através de fortíssima rede de ligações entre corporações de bombeiros, protecção civil e autarquias, que torna politicamente impossível a qualquer governo cortar o nó górdio que bloqueia o mínimo de racionalidade na gestão do fogo.
É bom deixar claro que a Liga dos Bombeiros, a favor de quem se fazem galas, sorteios, quermesses e muitas outras acções de boa vontade, não representa os bombeiros, mas sim as corporações de bombeiros, isto é, as entidades patronais dos bombeiros (dizer que a Liga dos Bombeiros representa os bombeiros é o mesmo que dizer que a CIP representa os trabalhadores portugueses).
É bom também deixar claro que muita da abnegaçãoda boa vontade e do espírito de missão que torna os bombeiros especialmente queridos das populações não tem nenhuma relação com a questão dos fogos florestais, mas sim com a sua actividade diária de apoio às populações.
E é ainda bom deixar claro que o famoso voluntariado dos bombeiros não é o que normalmente se chama voluntariado, grande parte dos bombeiros voluntários, nomeadamente em situações de prontidão para o combate e no combate propriamente dito, têm um pagamento, não é um pagamento que se possa chamar a justa retribuição pelo trabalho prestado, mas há pagamento (há até no Algarve um problema de recrutamento de bombeiros porque se ganha mais a passar a ferro ou a servir cafés).
Nenhum presidente de câmara no seu perfeito juízo quer ter um conflito com corporações de bombeiros do seu concelho (muitos acumulam funções na autarquia e na associação de bombeiros, tomando decisões como presidentes de câmara que beneficiam associações de cujos orgãos sociais fazem parte sem que ninguém tenha dado, até hoje, pelo conflito de interesses) e, consequentemente, nenhum partido quer ter uma revolta dos seus autarcas e das suas distritais fazendo uma coisa muito simples: profissionalizar a sério o núcleo duro do combate aos fogos florestais, enquadrando devidamento o imenso esforço dos voluntários, separando as funções de protecção civil dos bombeiros, que são adequadamente desempenhadas, de maneira geral, das funções de protecção florestal, que deveriam competir a quem faz gestão florestal. É na gestão florestal que se criam oportunidades para o combate, e é no combate que se afinam as melhores opções para criar essas oportunidades.
E porque é impossível resolver o impasse institucional que existe nesta matéria, a solução tem sido sempre a mesma, esperando que alguma vez resulte a estúpida ideia de um Portugal sem fogos que, dizem eles, depende de todos.
É por isso que tudo isto passou de um custo de 30 milhões anuais para 100 milhões anuais sem que se registe qualquer diferença nos resultados.
É por isso que o governo faz um estúpido plano nacional de fogo controlado em que se propõe queimar 5 mil hectares através de fogo controlado onde só é preciso acompanhar os pastores (nas zonas de matos e silvo-pastorícia) para ter resultados desses sem grandes custos para o contribuinte, ao mesmo tempo que proíbe o apoio ao fogo controlado em povoamentos, que é onde realmente ele faz falta.
E, mais ridículo ainda, o mesmo governo que quer queimar 5 mil hectares ano em fogos controlados, manifesta a sua preocupação por terem ardido 11 mil hectares, sem custos especiais para o contribuinte, grande parte dos quais exactamente nas condições em que teriam ardido com o tal plano de fogo controlado para o qual o governo reservou uns milhões, não para os proprietários e gestores, mas para o próprio Estado manter a habitual prepotência com que trata os agentes do sector (reclamas? não tens financiamento).
E ano após ano, insiste-se no mesmo erro, obtendo o péssimo resultado esperado, após o que se reforça o erro para o ano seguinte, obtendo-se o péssimo resultado esperado, após o que se reforça o erro, etc., etc., etc..
De vez em quando, em conversa com pessoas ligadas à gestão do fogo, ouço falar de um problema que raramente vejo fora de pequenas conversas entre pessoas relativamente próximas: a estúpida opção de criminalizar o uso tradicional do fogo na gestão do mundo rural.
A psicose das ignições leva gente, com poder excessivo para o conhecimento que tem, a tentar resolver por via legislativa os problemas de gestão do fogo, nomeadamente, o problema dos riscos associados à gestão tradicional do fogo: o pastor que renova o pasto, o velhote que queima as vides depois da poda, o mato que sobra de limpar uma terra, as galhas que resultam de limpar uma árvore, enfim, as milhares origens de ignições, voluntárias como nos exemplos dados, ou involuntárias, como quando a lâmina do corta mato bate numa pedra.
Por isso afirmações bombásticas como "O Comando Territorial de Viseu registou, nos primeiros três meses do corrente ano, 398 incêndios no distrito de Viseu, tendo identificado 60 suspeitos pelo crime de incêndio florestal" explicam-se facilmente tendo em atenção a nota final do texto que cito "Tenha em atenção que mesmo que cumpra todas as obrigações legais para a execução de uma queima, caso esta origine um incêndio pode vir a ser responsabilizado por crime de incêndio e pelos danos causados".
A combinação de um conjunto absurdo de obrigações regulamentares para obter autorização para qualquer queima com a criminilização do uso do fogo, têm uma consequência inesperada, mas trágica: as pessoas continuam a usar o fogo, como sempre fizeram, mas passam a fazê-lo furtivamente, em locais mais escondidos, em alturas em que há menos gente nas redondezas, a horas mais escusas. Como consequência, todos os anos há alguns velhotes que morrem queimados em pequenas queimadas que lhes fugiram do controlo, quando não há ninguém para ajudar e a eles já lhe falta o vigor e a agilidade da juventude.
Para além do efeito menos dramático, mas muito mais frequente: à primeira dificuldade de controlo da queima já ninguém pede ajuda, apenas se procura desaparecer o mais rapidamente possível, para evitar chatices com a GNR, e o fogo que se lixe, os bombeiros que o apaguem, perdendo-se um tempo precioso para o seu controlo.
A forma como tratamos o fogo é ainda mais estúpida que a forma como tratamos a dívida.
Na raiz está a mesma atitude: em vez de olhar para o problema e investir seriamente em melhorar as condições para a sua solução, preferimos legislar para acusar os outros de serem criminosos, sem fazer o menor esforço para compreender as suas razões e descansando as nossas consciências.
No caso do fogo, podíamos investir na extensão rural, no aumento do conhecimento, na capacidade de ter gente no terreno que acompanhe o uso do fogo, reduzindo os riscos do seu uso e aumentando a capacidade de usar sensatamente o fogo, em vez de continuar com a ideia tonta de que Portugal sem fogos depende de todos, nem que seja à lei da bala.
A mim parece-se simplesmente estúpido, mas provavelmente estarei errado.
O que me interessa fazer notar é este aspecto central: 80% (um número grosseiro) da explicação da área ardida vem da meteorologia, independentemente da época do ano em que ocorrem as condições meteorológicas especialmente favoráveis ao fogo (generica e simplificadamente, associadas ao vento de quadrante Leste, muito seco).
Por melhores que sejam os bombeiros (e há de tudo, como na botica, dos muito bons aos muito maus, mas só por uma conjugação astral improvável se poderia esperar que, na generalidade, uma organização estruturada com base no que hoje temos como Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais, poderia dar bom resultado, apesar de sistematicamente se dizer que a situação correu mal mas o dispositivo respondeu bem, sem que ninguém explique os critérios que são usados para essas avaliações), por melhores que sejam os meios de combate, por mais organizada que seja a logística, por mais definidas que estejam as cadeias de comando, por mais oleados que estejam os mecanismos de articulação dos diferentes agentes, e estamos muito longe dessas condições ideais, não é possível parar fogos em condições meteorológicas adversas se houver mantos contínuos de combustíveis, isto é, se houver áreas contínuas de matos e ervas em condições para arder.
E como mais de 90% da área ardida resulta de menos de 1% das ignições, não vale a pena estar a perder tempo com a conversa da redução das ignições, do "Portugal sem fogos depende de todos" e tretas inuteis semelhantes.
O problema é simples de enunciar: o fogo é uma inevitabilidade com que temos de conviver e os recursos para gestão do fogo são, em larga escala, os que resultam de actividades económicas que podem gerir combustíveis e, complementarmente, os que o Estado possa disponibilizar para optimizar a gestão feita pela economia.