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      FD
    • 1 setembro 2007

     # 1

    Encontrei este artigo que julgo ser bastante interessante. Será que alguma vez em Portugal se utilizou tinta com chumbo na sua composição?

    Os anos de chumbo não terminaram
    Além dos brinquedos chineses, os americanos têm que lidar com casas velhas pintadas com tinta contendo o metal pesado

    © CDC/Aaron L. Sussell

    Resíduos de chumbo produzidos durante renovação da pintura de moradia nos EUA: 38 milhões de casas velhas nos EUA ainda têm pigmentos com o metal pesado
    Por Antonio Bianco

    Em meio a um recall de mais de um milhão de brinquedos chineses contaminados com chumbo, autoridades americanas têm ocupado a mídia para alertar a população sobre os perigos do contato com o chumbo nos primeiros anos de vida. O cérebro em desenvolvimento é extremamente sensível a esse metal e o contato, mesmo que em pequenas quantidades, pode diminuir o quociente de inteligência (QI), promover déficit de atenção e auditivo, o retardo do crescimento e até danos renais. Jeremy R. Knowles, professor de química e bioquímica da Universidade Harvard, disse ao The New York Times na semana passada que está muito preocupado com a gravidade do problema. Milhões de brinquedos contaminados podem fazer com que uma geração inteira de crianças tenha o desenvolvimento neurológico prejudicado, disse o professor Knowles.

    Os brinquedos são, na maior parte, personagens da turma da Dora e do filme Carros e foram pintados com tinta contendo chumbo. Esse recall, na verdade, é mais um dentre outros recentes fiascos envolvendo produtos chineses. No ano passado, mais de 100 pessoas morreram no Panamá após terem consumido xarope fabricado na China contendo dietilenoglicol. Essa mesma substância, que é usada no sistema de refrigeração de máquinas, foi encontrada em pastas de dentes made in China, exportadas, além do Panamá, para a República Dominicana e EUA, onde era fornecida aos internos do sistema penitenciário. No início deste ano, alimentos chineses contaminados com melamina causaram a morte de dezenas de cães e gatos nos EUA, o que também levou a um gigantesco recall desse tipo de alimentos. Percebendo a repercussão desses episódios, o governo chinês agiu prontamente, bem ao seu estilo, e, no início do ano, condenou à morte o ex-diretor da agência chinesa de seguranca de alimentos e medicamentos. Já o dono da fábrica de brinquedos foi encontrado morto há duas semanas, supostamente após ter optado pelo suicídio. Esses episódios preocupam muito as autoridades daqui porque os americanos são fanáticos por produtos chineses, por serem extremamente baratos. É de fato surpreendente o que se pode comprar com cinco ou dez dólares no Wal-Mart, o maior importador de produtos chineses do mundo. Essa influência chinesa no estilo de vida americano parece que veio para ficar, mesmo com os protestos de muitos “porta-vozes” do lobby industrial americano – como Lou Dobbs da CNN – reclamando que a importação desenfreada de produtos chineses aumenta o déficit comercial, assim como o desemprego nos EUA.

    É interessante notar que todo esse barulho causado pelos brinquedos chineses não foi suficiente para fazer com que a mídia explorasse o já conhecido problema da contaminação residencial com chumbo. Anualmente, milhares de crianças são contaminadas com chumbo dentro das suas próprias casas, que ainda está presente na tinta usada há muitos anos na pintura das paredes. De acordo com o National Center for Environmetal Health, em 2005 cerca de 50 mil crianças nos EUA – 1,6% das crianças testadas – acusaram positivo para o metal, sendo que por volta de 1998 esse número superava 100 mil crianças. Isso porque, até 1978, a tinta contendo chumbo era comumente utilizada no interior e exterior das casas americanas. Hoje, o Departamento Americano de Desenvolvimento Urbano estima que nos EUA existam cerca de 38 milhões de casas que ainda contêm tinta com chumbo. O perigo de contaminação é maior se a tinta estiver em processo de deterioração, contaminando a poeira e o solo ao redor da casa onde as criancas brincam. Um grão de poeira semelhante a um grão de sal pode resultar em níveis anormais de chumbo no sangue.

    Sem a liderança do governo, esforços mais contundentes para eliminar a contaminação por chumbo nas casas podem chacoalhar o mercado imobiliário. Ora, se uma casa é diagnosticada como “contendo chumbo”, o seu preço cai imediatamente em dezenas de milhares de dólares, pois o saneamento é muito caro. E como freqüentemente a propriedade é dada como garantia da hipoteca feita junto ao banco (muitas vezes há mais de uma hipoteca sobre a mesma casa), a desvalorização da casa aumenta o risco do empréstimo para o banco. Uma vez que milhões de propriedades estão nessa situação, o risco do diagnóstico é muito alto, podendo espantar os investidores do mercado imobiliário. A crise nas bolsas que se vive no momento ilustra muito bem o perigo do aumento repentino no nível de risco dos empréstimos bancários.

    Cientes da delicadeza da situação, os legisladores americanos optaram por uma saída política, transferindo a responsabilidade para o possível comprador da casa. Dependendo da idade da casa, o comprador tem o direito de exigir um teste de contaminação por chumbo na propriedade que deseja comprar. Se houver contaminação, o resultado tem que ser, por lei, comunicado à prefeitura da cidade e a propriedade permanecerá “marcada” até que seja saneada. Nesse caso, a lei proíbe que crianças de até 6 anos residam na propriedade. Ora, acontece que o dono da casa (vendedor) tem o direito de recusar o teste, esperarando um outro comprador que não solicite o teste, mesmo que a casa tenha sido construída antes de 1978 e o comprador tenha crianças pequenas. Se o teste não for solicitado pelo comprador, o governo não intercede em seu favor, ou de suas crianças, e a operação de compra e venda ocorre normalmente. Uma eventual contaminação das crianças só será detectada pelo pediatra ou em testes de rotina realizados nas escolas da comunidade, possivelmente tarde demais para evitar seus efeitos.

    Essa lei, que regulamenta a compra e venda de propriedades potencialmente contaminadas com chumbo, ilustra bem a complacência coletiva da sociedade americana e o conveniente uso da política do don’t ask, don’t tell, quando não interessa saber a resposta. Por exemplo, apesar de homossexuais serem proibidos de ingressar nas Forças Armadas, a organização não pergunta a orientação sexual de ninguém que se alista e tolera todos na medida em que eles não se manifestem publicamente. No caso do chumbo, mesmo sabendo que milhões de casas estão contaminadas, pois foram construídas e pintadas antes de 1978, essas propriedades podem ser negociadas livremente se ninguém perguntar se há chumbo nelas. Por outro lado, uma casa ou edifício não podem ser vendidos sem um certificado recente de funcionamento dos seus detectores de fumaça, que somente pode ser emitido pelo Corpo de Bombeiros da cidade em que a transação está ocorrendo. Por que não tornar também o teste de chumbo obrigatório?
    http://www.revistapesquisa.fapesp.br/?art=4164&bd=2&pg=1&lg=
 
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