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  1. Colocado por: euE a classe média trabalha para ambos.

    Eu estava a ser irónico, como é óbvio, pobres e muito ricos pagam impostos.
  2. https://expresso.pt/opiniao/2025-03-11-as-caravelas-voltam-a-partir-cad88b39

    É uma pena não ser assinante e não conseguir ler na integra, mas fica o link para quem o puder fazer
  3. Aqui vai, também achei muito interessante


    As caravelas voltam a partir
    Clara Ferreira Alves

    A minha geração, no ressalto da revolução, não tinha muito dinheiro. Tinha esperança

    “Quer saber a minha opinião sobre a crise política? Tenho 28 anos e digo-lhe já o que penso. É uma crise estúpida, da responsabilidade de gente estúpida. Nem consigo interessar-me pelo miolo disto, não há miolo. Os dois partidos, o PS e o PSD são iguais, com uns pozinhos mais à esquerda e mais à direita, têm lá dentro os mesmos trepadores, burocratas e inúteis que tudo o que fazem é sociedades familiares para poderem aproveitar as informações privilegiadas. Estão por dentro, podem ganhar dinheiro. O PRR serve para isso, empresas amigas e algum por fora para os familiares ficarem empregados. E nas empresas é igual, já passei por duas, encontramos sempre a mulher, a filha ou o filho, a sobrinha ou o sobrinho, mais uns familiares afastados, o primo, a prima, que por ali circulam sem precisarem de mostrar serviço. Estão protegidos. Não têm de aturar os chefes, nem de ser avaliados e chamados porque são do círculo íntimo. O ordenado é baixo, o respeito mais baixo. Recuperação e Resiliência? Estão a brincar.”
    “Quem quer saber a minha opinião? Ninguém! Vocês falam do Ventura, mas o Ventura é o único que fala com os jovens e para os jovens, que os interpela. Não votaria nele. Nem nos outros. Pelo menos interessa-se, talvez porque é mais novo do que os outros. Vocês passam o dia nas televisões e não dizem nada de jeito, todos a dizerem as mesmas coisas. A Ucrânia para aqui, a Ucrânia para ali, parece que vivemos lá. E pedem-nos que paguemos tudo. Pois não estarei cá para pagar. Quero ir para Macau, Hong Kong, a China. É isto ou o Brasil. Aqui não fico. Mais inclinado para a China, a Ásia. Era o que me faltava ter de vestir uma farda e ir combater no Leste. E pagar impostos para isso. Devem estar doidos. Se fôssemos invadidos, gostava de saber o que é que os Bálticos faziam por nós. Ou se a Polónia vinha salvar-nos.”
    “Vivo em casa da minha mãe ou dormia no banco do jardim, e aos 30 anos ninguém me apanha aqui, a aturar esta situação, esta falta de futuro. Trabalho em Lisboa, mas não posso viver independente em Lisboa. O melhor que arranjei para ser independente foi um quarto em Odivelas. Era deprimente, sem luz, desisti. A minha geração anda nos antidepressivos, ninguém quer saber de nós. O sonho de ir para Inglaterra foi-se. A América acabou. O Canadá e a Austrália também. Não nos querem, é difícil emigrar. Temos de mudar de continente.”
    Esta longa frase que não cabe num parágrafo está entre aspas. Discurso direto. De vez em quando, vale a pena ouvir pessoas fora da “bolha”. Levantam-se cedo e vão trabalhar, lutando com as asperezas de uma vida em Portugal. A falta de casa, a falta de dinheiro, os insuficientes transportes públicos, os insuficientes serviços de saúde, a falta de respeito. Este jovem, ao qual fiz perguntas, diz que foi um bom aluno. Um ramo de Engenharia. Trabalha na área da informática, em trabalho remoto, para uma multinacional situada noutro continente. A mãe trabalha num cabeleireiro, muitas horas de pé, sustentada por gorjetas. O pai fundou outra família, noutro lugar, ausente a maior parte da adolescência. A mãe e a avó criaram-no sozinhas, e a casa da mãe é a casa da avó, no tempo em que em certos bairros de Lisboa ainda havia casas portuguesas. A mãe e a avó dormem num quarto, e ele fica com o quarto maior, que serve para dormir e serve de escritório, onde se senta ao computador horas a fio. A avó cozinha para ele e para a mãe, e ocupa-se da casa, não parece haver grandes esperanças nesta família.
    A avó precisa de cuidados médicos, mas os serviços públicos de saúde degradaram-se tanto que é ele que envia um e-mail em nome da avó à médica de família e ela envia as receitas dos medicamentos, sem consulta presencial. Ele não precisa de médicos, é jovem, mas acha que se ficasse cá tinha de ter um seguro de saúde. Preocupa-se com a mãe, que começa a ter as penas da idade. Uma consulta médica no centro de saúde é um dia perdido, meses de espera. A namorada vive também com os pais, nos subúrbios. Vive numa casa grande porque o pai dela é empreiteiro de obras e tem trabalho, capataz de imigrantes. Para a construção civil está bom tempo. A namorada tem um carro, oferecido pelo pai, tem um emprego mal remunerado numa grande empresa de retalho, onde é uma espécie de supervisora supervisionada por outra supervisora. Passa horas no carro para vir para o emprego, o pai paga a gasolina. Quando se for embora, vai com a namorada.
    Já decidiram que partirão juntos para um lugar distante daqui, e aperfeiçoam o inglês que receberam na escola na internet. Têm progredido para um nível onde possam controlar o mundo a partir da linguagem. Ele começou a aprender mandarim online, aulas pagas. É muito duro, muitos caracteres, pensava que o facto de ter sido bom a matemática o ajudaria mais. A inclinação para emigrar, nota-se, é mais para a Ásia do que para a América do Sul. O Brasil parece-lhe uma imensa trapalhada, igual a Portugal numa escala superior, corrupção e troca de favores. Teve um período em que estava disposto a ir para a Alemanha, a indústria, talvez a Siemens, mas o estado de guerra na Europa leva-o a desistir. A situação europeia é tão fluida que não dá para fazer planos. Ele diz que cada vez que abre a televisão só vê gente cheia de certezas sobre o que vai acontecer. O que ele vê é um ponto de interrogação e sacrifícios.
    “A vossa geração ficou com tudo, os recursos económicos, a riqueza, os benefícios europeus, as pensões, e não deixam nada para nós a não ser a guerra, dívidas, e a conta das alterações climáticas. É o que eu digo aos meus amigos. Isto não dá para todos, para nós vai ficar a terra seca. Nada cresce aqui. A Comporta é uma espécie de Caraíbas dos ricos, Odemira é a Ásia dos pobres, é o Nepal, é o Paquistão, é a Índia. E para esses países não quero emigrar. Já os tenho em Portugal. Já os tenho no bairro onde vivo, uma selva. Estas eleições não vão resolver nada, fica tudo na mesma, andam enrolados uns com os outros, a insultarem-se. Um país sem eira nem beira que passa o tempo em eleições, não sei se chamam a isto democracia, mas se é a vossa ideia de democracia podem ficar com ela. Não faz nada por mim.”
    “Há uma canção de um Zeca Afonso, um daqueles poetas do tempo do Salazar, que diz que os vampiros comem tudo e não deixam nada. Nem gosto da canção, não é o meu género de música, a letra está certa. Sempre que ligo a televisão, ou apanho um ministro ou levo com a Ucrânia e o Trump em cima. São um emprego. Antes de me pedirem para arrumar a casa dos outros, deviam arrumar a casa onde vivo. E no país onde vivo nem casa tenho. Diz-se que agora vêm para cá os americanos cheios de dólares comprar mais casas, juntam-se aos russos e aos ucranianos que já cá estão. Os brutos carros com as matrículas a passearem na Marginal, as casas junto ao mar. E nem pagam impostos. Boa sorte para todos. Já estou na porta da rua. E quando for, só volto para tirar a minha mãe de cá, não a quero sozinha. Votar? Não voto. Não fico e não voto. Estou com o pé na porta da rua.”
    Não conheço este jovem, escutei-o com atenção. Estávamos num café histórico da cidade, onde não entrava há anos. Agora assombrado por turistas. Ele veio falar comigo. Falámos durante algum tempo, a conversa não caberia toda aqui. Muita gente vem falar comigo, efeitos colaterais da televisão. “Quer ouvir a minha opinião? Posso falar? Ouço-a falar de vez em quando, vocês nunca me ouvem. Nunca ouvem pessoas vulgares, pessoas como eu, que não andam nas televisões.”
    Estava meio zangado. Muito mais zangado do que a minha geração estava naquela idade. A minha geração, no ressalto da revolução, não tinha muito dinheiro, tinha esperança. O país pertencia-lhe, o futuro também. Um futuro que ajudávamos a moldar, e que seria infinitamente melhor do que o passado.
    Acredito que este jovem irá embora. Partirá. Acredito que ele possa ser mais feliz no lugar que escolher do que aqui. Tem iniciativa, tem discurso, tem ambição. Tem inteligência. Não se conforma. As caravelas voltam a partir.
    Estas pessoas agradeceram este comentário: HAL_9000, N Miguel Oliveira, JoãoEduardoDias
  4. Colocado por: CarvaiClara Ferreira Alves


    Das melhores jornalistas que temos.
    Pensei que você a metia no saco dos "fofinhos" de que tanto fala.

    Quanto ao jovem... tem razão em tudo.
    Só falta passar à ação, e bazar do país.

    Mas antes de ir devia votar pelo menos... para que se queixe sabendo que pelo menos fez a parte dele. Agora falar, e depois nem votar vota... hmmmm. Ao menos pode fazê-lo, ao contrário da geração que critica que à sua idade vivia em dictadura...
 
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