A Poluição
Consideremos o caso de uma padaria cuja fumaça lançada por sua chaminé suja um grande muro branco vizinho. Decidindo sobre essa questão, um juiz preferencialmente recorrerá a argumentos extra-econômicos (ele não considerará apenas como maximizar o valor da produção global) para responsabilizar o indivíduo que ele considere estar causando o prejuízo. Entretanto, do ponto de vista econômico é preciso considerar o que Coase chamou de "natureza recíproca de toda a externalidade". A situação de incômodo pela fumaça é construída por ambos, o dono da padaria e a pessoa que construiu o muro. Não teria havido essa situação se não existisse o muro; ela também não existiria se não houvesse a padaria. Ambos constroem a situação e, por isso, ambos deveriam incluir o prejuízo causado pela fumaça em seus custos, ao decidir manter as suas atividades. Havendo a possibilidade de transações de mercado, isso, de fato, seria feito (Coase[8] :13).
Nas palavras de Coase: "se estamos discutindo o problema em termos de causação, ambas as partes causam o prejuízo. Se estamos obtendo uma alocação ótima dos recursos é portanto desejável que ambas as partes levem em conta o efeito prejudicial, ao decidir sobre o seu curso de ação. Uma das belezas do sistema de preços operando sem qualquer rigidez é o fato de que(...)a queda no valor da produção devida ao efeito prejudicial é considerada um custo por ambas as partes" (Coase[8] :13).
Além da decisão do juiz ser inócua em relação à alocação dos recursos no sistema de preços flexíveis, a não percepção de que as duas partes em contenda são co-responsáveis sugere que ela modifica a distribuição da riqueza -- ao favorecer a quem é concedido o direito -- de modo imperfeito. Embora seja muito importante a delimitação inicial de direitos para que o mercado possa transacioná-los, o governo também parece interferir injustamente na distribuição da renda.10
Enfim, Coase enfatiza que todas as externalidades são recíprocas por natureza e, portanto, podem ser internalizadas, desde que os custos de transacionar os direitos de propriedade adquiridos sejam suficientemente baixos. Infelizmente, muitos tipos de poluição são situações em que esses custos de transação são desalentadoramente altos; contudo, o teorema de Coase ainda fornece a pista para se tratar o problema de modo apropriado.
Vejamos o exemplo de uma fábrica que lança fumaça no ar. Aqui há duas possíveis indicações do direito de uso do ar: ao dono da fábrica ou aos seus vizinhos. Se o direito for concedido aos vizinhos da fábrica, o proprietário dela pode medir o valor do ar poluído por meio de algum equipamento e se oferecer a pagar esse valor aos seus vizinhos, comprando a permissão de poluir o ar. Se o direito for concedido ao dono da fábrica, os seus vizinhos podem estimar o valor que conferem ao ar puro e se oferecerem a pagar para que a fábrica não emita fumaça, através da diminuição da sua produção ou da instalação de um equipamento redutor de fumaça. Pelo teorema de Coase, se os custos de transacionar o direito de ar puro não forem maiores do que a diferença entre o valor da fumaça para o dono da fábrica e o valor que os vizinhos atribuem ao ar puro, o resultado final -- isto é, a quantidade de fumaça -- será o mesmo, não interessando a quem o direito de ar puro seja concedido.
Nesse exemplo, podemos pensar no dono da fábrica causando um dano ao emitir fumaça, sem que os prejudicados sejam indenizados. Nesse caso, estamos julgando que o direito de ar puro deva ser concedido aos vizinhos da fábrica. Por outro lado, podemos pensar no dono da fábrica destituído da obrigação de beneficiar os seus vizinhos instalando um equipamento de redução de fumaça. Nesse caso, estamos julgando que o direito de ar puro deve ser concedido ao dono da fábrica.
Ocorre que, nesse caso, os custos para transacionar o direito de ar puro podem ser proibitivamente altos. A negociação teria que envolver o dono da fábrica e, por exemplo, numerosos vizinhos. Embora os vizinhos pudessem escolher representantes para a negociação, eles ainda precisariam negociar entre si qual seria o valor a ser proposto para o ar puro, uma vez que cada um deles lhe confere diferentes valores sujetivos; por exemplo, um doente do pulmão lhe atribui um valor maior.
Todavia, o teorema de Coase continua sendo útil para analisar apropriadamente esse problema. Na visão anterior a Coase, para evitar a poluição de fumaça se deveria atribuir os direitos de propriedade do ar puro aos vizinhos da fábrica, multando o seu dono ou mesmo fechando as suas portas. Esperava-se que essa medida legal acabasse com a fumaça. O teorema de Coase assevera que isso não necessariamente acontece: no caso do valor do produto da fábrica -- que gera a poluição como subproduto -- superar a avaliação subjetiva dos seus vizinhos em relação ao valor do ar puro, o dono da fábrica lhes pagaria para poluir o ar. Pelo teorema de Coase, todo o problema recairia agora em reduzir os custos de transação do direito de ar puro. Uma forma possível de se fazer isso seria distribuir informação sobre as características do problema entre as partes, pois, como dissemos, os custos de informação são um importante item dos custos de transação.
De qualquer forma, graças à natureza recíproca das externalidades, o tratamento adequado do problema da poluição deve levar em conta que, a fim de obter algo que queremos, devemos tolerar algo que não queremos. A poluição é sempre o subproduto da produção de algum bem. Fechando fábricas poluidoras estamos escapando do que não queremos, renunciando ao que queremos. Com os custos de transação nulos, a quantidade ótima de poluição não é zero, mas sim aquele montante remanescente quando o benefício marginal da redução da poluição é igual ao custo marginal da redução do produto da fábrica.11
A partir dos anos oitenta, a opinião pública mundial vem dando muita importância aos problemas ambientais. Em termos do teorema de Coase isso significa que, até então, as pessoas estavam atribuindo um valor aos bens produzidos, cujo subproduto era a poluição, maior do que o valor do equilíbrio ambiental. Ou seja, elas estavam deixando o direito de propriedade do meio ambiente para os produtores de bens. Era como se escolhessem um determinado montante de poluição, ou melhor, determinadas quantidades de bens cuja produção vinha acompanhada da poluição. Recentemente, o custo da poluição ultrapassou o benefício que as pessoas subjetivamente abribuíam aos produtos que a geravam. Com isso, a opinião pública resolveu transferir a responsabilidade dessa externalidade para os produtores de bens com efeitos colaterais poluidores. As denúncias sobre o desequilíbrio ambiental funcionaram como uma atribuição do direito de propriedade do meio ambiente às outras pessoas que não os produtores de bens com efeitos externos prejudiciais. O próprio mercado se encarregou de realizar uma transferência desse direito de propriedade.12 Como consequência, os produtores internalizaram cada vez mais os efeitos poluidores externos das suas ações produtivas: surgiram escapamentos nos automóveis, máquinas mais silenciosas, redutores de fumaça, e assim por diante.
Em suma, houve alterações na produção que aumentaram os custos das empresas. Se os produtores tiveram que incorrer nesses custos é porque o valor do equilíbrio do meio ambiente, para as pessoas, superou o valor dos bens que vinham acompanhados da poluição. Um exemplo que ilustra o fato do próprio mercado definir o direito de propriedade do ar puro, em benefício dos indivíduos não subprodutores de poluição, é dado pela cidade de Cubatão, onde a poluição reduziu significativamente sem que para isso tenha sido preciso fechar as suas fábricas.
Portanto, os custos de transacionar o direito de propriedade do ar puro podem ser reduzidos pelo próprio mercado, através de instituições criadas por ele, que delimitam esse direito e tornam possível a internalização das externalidades da poluição, sem que seja inevitável a interferência governamental. O mercado define e redefine esse direito, e a parte responsabilizada é obrigada a arcar com os custos. Instituições como a opinião pública, por exemplo, difundem informações sobre o problema da poluição, ajudando a reduzir significativamente os custos de transacionar o direito de propriedade do equilíbrio ambiental.13
Um Remédio Pior do Que a Doença
O governo é uma superfirma porque ele é capaz de influenciar o uso dos fatores de produção por decisão administrativa. Mas ao contrário da firma comum, ele não se expõe à concorrência das outras e também não permite, quando os custos administrativos forem altos, a alternativa das transações dos direitos serem feitas pelos próprios indivíduos. O governo é uma firma monopolista inexpugnável, uma vez que, dispondo dos impostos e da polícia, pode fazer com que os regulamentos sejam executados mesmo que os custos administrativos sejam quase proibitivos.
Porém, a própria máquina administrativa é custosa, ou seja, o governo também tem uma restrição orçamentária. Mesmo assim, a internalização das externalidades por essa superfirma pode ser um remédio pior do que a doença, ou seja, a regulamentação pode, no limite, destruir o próprio mercado. "Dessas considerações segue que a regulamentação governamental direta não necessariamente dará melhores resultados do que deixar o problema a ser resolvido pelo mercado ou pela firma" (Coase[8] :18). Coase aconselha que, no caso da poluição, é melhor manter o governo afastado14 (Coase[8] :18).
Em suma, "se as transações não envolverem custos, importa apenas (questões de equidade à parte) que os direitos das várias partes sejam bem definidos e os resultados das ações legais, fáceis de prever" (Coase[8] :19). Mas a situação é bastante diferente quando os custos de transacionar os direitos são altos. Nesses casos, os tribunais influenciam diretamente a atividade econômica. Nessa situação, seria desejável, diz Coase, que os tribunais procurassem entender as consequências econômicas das suas decisões e que as tomassem causando o mínimo de incerteza sobre a sua posição (Coase[8] :19). Coase usou aqui um argumento bastante corriqueiro atualmente: as ações do governo precisam ter credibilidade para que não atrapalhem, com incerteza, as decisões privadas, as quais, no caso, se referem aos rearranjos dos direitos de propriedade.
A difusão da descoberta de Coase -- de que as externalidades são recíprocas por natureza -- por si mesmo ajuda a reduzir os custos de transacionar os direitos. Dispondo dessa informação capital, os juízes se aproximam da definição legal mais apropriada dos direitos de propriedade, ao também considerarem a maximização da produção global. Essa informação também pode ser utilizada por instituições como a opinião pública, por exemplo, que se encarregam de delimitar os direitos e, portanto, internalizar as externalidades, sem a necessidade do governo. No problema da externalidade, Coase procurou instituições privadas que fizessem o mesmo trabalho do governo, visando evitar este último. Ele atacou o welfare state constatando que as responsabilidades pelos danos externos estavam se tornando cada vez mais impunes, embora muitos economistas da sua época estivessem pensando que essa impunidade se devesse à pouca intervenção do governo (Coase[8] :27). Mas, ao contrário, "o tipo de situação que os economistas estão propensos a achar que requer a ação governamental corretiva é, na verdade, com frequência, o resultado da ação do governo" (Coase[8] :28).
Colocado por: luisvvQuanto ao fumo, sim, acho que estamos pior, por definição. Porque a mera redução do fumo em determinados locais por via legislativa não corresponde a minha definição de melhor.
Colocado por: luisvvSugiro que pesquise por Teorema de Coase
Colocado por: luisvvSugiro que pesquise por Teorema de Coase
Colocado por: treker666O teroema de coase e apenas isso. Um teorema! Faz lembrar as diversas teorias ligadas ao comunismo e viu-se ao que este levou pelo mundo fora.
Colocado por: euna sua crença cega nos seus modelos teóricos perfeitos.
Colocado por: treker666Como e logico, quando era legal fumar, quem quer que reclamasse simplesmente levava um olhar furioso e a resposta de "estas mal, muda-te, nao estou a fazer nada que nao possa fazer".
Este comportamento generalizou-se, levando a que os nao fumadores acabassem por se resignar. Se era legal (ainda que do meu ponto de vista imoral) nao havia hipotese de alterar a situacao no dia a dia.
Se os comportamentos mudassem sem a necessidade de leis, estas nao existiam. E existem porque a sociedade assim o exige, uma vez que ha sempre uns zequinhas que se acham mais que os outros. E assim surgiu a legislacao actual e no meu entender...bem!
Como deve compreender, um nao fumador ao nao fumar nao esta a incomodar ninguem, mas um fumador ao fumar, incomoda muitos. E quantos fumadores nao ouvi eu dizerem que acham bem esta lei pois havia muitos sitios onde nem conseguiam estar devido ao fumo existente?
Nao sei as estatisticas actuais, ate porque qualquer estatistica feita actualmente seria dificil de comparer com o period pre-crise. Mas record-me que um dos primeiros locais onde a restricao total ao tabaco no interior de bares e outros locais similares foi na Escocia e verificou-se um aumento de 10% nas receitas dos estabelecimentos apos tal medida.
Da minha parte posso dizer que apos a introducao da lei, passei a ir/estar muito mais vezes em bares e restaurants do que antes.Concordam com este comentário:eu,Bricoleiro
Colocado por: BricoleiroPor mim era meterem um maço de tabaco a 50 euros.
estA foi demais!!aposto que é fumador,pois só um fumador pode tirar essa conclusão!
o problema dos fumadores é que nunca respeitam os não fumadores enquanto não os proibirem,,trabalhei num restaurante e que nojo me dava quando abria as janelas por causa dos fumadores que prontamente mandavam fechar pelas correntes de ar,,,
ainda a 5 meses entrei num café com a minha filha de 3 anos e pedi uma coisa para cada um,,qual foi o meu espanto quando o filho de uma égua a acendeu um cigarro ao meu lado,ainda por cima a minha filha gramava com aquele fumo todo!! Acabei por descobrir que era um café fumador,do qual os fumadores sabendo que podem fumar não se importam com os outros!nunca mais pus la os pés!
Como e logico, quando era legal fumar, quem quer que reclamasse simplesmente levava um olhar furioso e a resposta de "estas mal, muda-te, nao estou a fazer nada que nao possa fazer".
Este comportamento generalizou-se, levando a que os nao fumadores acabassem por se resignar. Se era legal (ainda que do meu ponto de vista imoral) nao havia hipotese de alterar a situacao no dia a dia.
Se os comportamentos mudassem sem a necessidade de leis, estas nao existiam. E existem porque a sociedade assim o exige, uma vez que ha sempre uns zequinhas que se acham mais que os outros. E assim surgiu a legislacao actual e no meu entender...bem!
Como deve compreender, um nao fumador ao nao fumar nao esta a incomodar ninguem, mas um fumador ao fumar, incomoda muitos. E quantos fumadores nao ouvi eu dizerem que acham bem esta lei pois havia muitos sitios onde nem conseguiam estar devido ao fumo existente?
O teroema de coase e apenas isso. Um teorema! Faz lembrar as diversas teorias ligadas ao comunismo e viu-se ao que este levou pelo mundo fora.
Uma das críticas que faço ao luisvv é exatamente que ele me faz lembrar os comunistas, na sua crença cega nos seus modelos teóricos perfeitos.
Precisamente este o problema do mundo. A cegueira com que se seguem teorias e crencas. Hitler, Mussolini...e falando da actualidade, Boko Haram, Isis. Todos eles crentes que o sistema deles e o melhor!
Colocado por: Bricoleiro
Por mim era meterem um maço de tabaco a 50 euros.
Uma das críticas que faço ao luisvv é exatamente que ele me faz lembrar os comunistas, na sua crença cega nos seus modelos teóricos perfeitos.
Mas isso é uma distorção do argumento. Em lado algum se fala de perfeição, embora esse seja o referencial quando um "pragmático" critica ...
Colocado por: luisvvO tão gabado pragmatismo é tão teórico como qualquer outra ideologia ou filosofia
Colocado por: luisvvvisto a solução proposta conciliar os interesses de todos
Colocado por: euera também nos locais de trabalho. A solução que preconiza seria os não fumadores despedirem-se e arranjarem um emprego em locais só de não fumadores?