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  1.  # 161

    Olà marco1, e Anonimo09092021 :o)
    Não me acho tão antiquada assim, que não aprecie uma modernidade trazida para uma recuperação, mas apagar qualquer vestígio da origem, como aparenta nesta "mutação", para mim, não faz assim muito sentido. Para isso, acho fazer mais sentido construir de raíz, e pronto.

    Mesmo tendo dito isto, qual o perigo da tal "fossilização" na arquitectura não sei?
    Qual o perigo que se corre de recuperar e restaurar condignamente, e face a quê existe este suposto perigo ?
  2.  # 162

    não é uma questão de perigo, mas sim de excesso.
    por vezes uma pedra não pode ser um altar apenas por ser antiga.
    nem tudo o que é tradicional precisa de se conservar a sua memória.
    aquela casa não me choca nada que lhe tenham feito aquele lifting quase total com peso e medida

    mas aqui segue um exemplo muito simpático de uma recuperação/remodelação
    Concordam com este comentário: CMartin
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    •  
      marco1
    • 27 dezembro 2016 editado

     # 163

    do outro lado
    Concordam com este comentário: CMartin
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  3.  # 164

    depois
    Concordam com este comentário: CMartin
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  4.  # 165

    do outro lado depois
    Concordam com este comentário: CMartin
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    •  
      CMartin
    • 27 dezembro 2016 editado

     # 166

    (Coitadinha, veja o que aconteceu à casota do lado, alí entaladita, que culpa teve ela..?).
    Não desgosto desta recuperação, o " do outro lado depois" podia ser um pouco mais bonito: ou por se ir por um caminho mais sóbrio, ou por algo mais arrojado (a tocar no excêntrico, fazer o tal corte, contrastante). Não gosto das portas nem das janelas escolhidas..Mas isso jà é a tal questão dos gostos. Acho não suficientemente original ou fora de vulgar para ser o tipo de recuperação que eu prefiro (face ao restauro fiel).
    Acredito claro que a diferença ao nível da vivência da casa, do antes e depois, seja abismal.
    Sim, està simpàtica, està sim senhor.

    Mas a questão mantém-se, e que é não existe tal exemplo neste fórum. Serà o perfil de users captados pelo fórum?
    •  
      CMartin
    • 28 dezembro 2016 editado

     # 167

    A alternativa seria que, de facto, usando o fórum como amostra, não existem DOs a fazerem recuperação ou restauro de casas antigas em Portugal, e, pessoalmente, apesar dos ditos obstáculos, não acredito muito nessa hipótese..?
    •  
      CMartin
    • 17 agosto 2017 editado

     # 168

    A Casa Saloia

    Calcorreando as ruas da velha Loures, vendo aqui e ali este e aquele casario típico da Estremadura, apercebemos nas suas nuances e comparando-as às descrições de crónicas e fotografias de há 100 anos atrás, como seria então a paisagem do Termo.

    Casas chãs aglomeradas formando curtas ruas calcetadas, ou de terra batida que era o mais usual; casario isolado em meio de hortas e quintedos onde, destacado ou discreto, o solar apalaçado dum nobre ou o convento exíguo de alguma freiria de vocação ermitã abrilhantavam ainda mais o já de si soberbo quadro rural lourenho, cujo tipicismo peculiar ou singular é hoje lembrado pelos mais idosos com nostalgia e saudade.

    Tal quadro rural de Loures não será muito diferente do da Sintra Saloia de há não muitos anos atrás, como descreve Vitor Serrão (in Sintra (os aglomerados saloios). Editorial Presença, 1.ª edição, Lisboa, 1989): «A chamada Região dos Saloios – a região que integra os limites cistaganos do Município Olisiponense, ou seja, o território da península de Lisboa, cingido a norte pelos actuais concelhos de Torres Vedras e de Alenquer – tem no concelho de Sintra uma das suas zonas mais interessantes sob o ponto de vista de genuíno património edificado. São vários os núcleos que subsistem, com maior ou menor grau de integridade, característicos da arquitectura dos «saloios», isto é, autóctones moçárabes, herdeiros da cultura hispano-romana florescente nos agrido Município Olisiponense: são eles, entre outros, o casal de A-dos-Rolhados (freguesia de Algueirão), a aldeia de Broas – nos limites confluentes do concelho com o de Mafra –, o casal de Bolelas e, apesar das contaminações abusivas provocadas pelo urbanismo desordenado e sem critério, as aldeias de S. João das Lampas, Barreira, Cabrela, Azóia, Penedo, Ulgueira, e outras.

    «A construção saloia, habitualmente com o seu lagar, fornos, adega, estábulos e curral, com as suas típicas coberturas de quatro águas, um peculiar sistema de aberturas, etc., reflecte sobretudo a actividade agrícola do homem saloio, que continua como os seus antepassados a ser o çahroi da época muçulmana, isto é, o trabalhador do campo.»

    Sendo o saloio descendente do moçárabe, será da cultura arábica que herda muitos dos seus usos e costumes, inclusive a arquitectura, como se nota nas formas e proporções daquele que é o seu tecto habitual
    . Sobre isto, diz Maria Micaela Soares (in A Mudança na Cultura Saloia. Artigo inserto em Loures, Tradição e Mudança, vol. I, pág. 170. Loures, 1986): «Imprimia o Saloio à sua habitação a robustez física e de carácter que o individualizaram. Sendo evidente que a casa saloia se insere no tipo de casa tradicional do Sul do País, ela possui um quê distintivo que logo a singulariza na Estremadura.»

    Tal singularidade tem base ou raiz sagrada que, para ser compreendida devidamente, ter-se-á de recorrer à intenção do sentido da arquitectura árabe, distendendo-se do Algarve à Estremadura, passando os Alentejos (vd. Casas Portuguesas (Alguns apontamentos sobre o arquitecturar das Casas Simples), por Raul Lino. Lisboa, 1933).
    Apesar deste ou aquele excesso destoante, a casa saloia, tal como a árabe, assentou originalmente sobre a raiz quadrada de dois (√2), portanto sobre uma planta quadrada, tendo a primeira no seu centro a casa de fora, ou da entrada, por onde se acedia às restantes divisões, enquanto a segunda fechava-se em torno de um claustro quadrado encerrando no seu centro um jardim ou uma fonte, ou ambas as coisas: tratava-se do universo fechado em quatro dimensões (centro, comprimento, largura, altura), e cujo jardim central, proibido a estranhos à casa, era uma evocação do “Jardim Proibido” do Éden, aberto exclusivamente à influência celeste
    (in Dicionário de Símbolos, por Jean Chevalier e Alain Gheerbrant. Paris, 1906).

    Para Abu Ya´qûb, o quaternário era o número perfeito: o da inteligência e o do nome divino, ALLH. Não há, pois, diferenças marcantes entre o significado atribuído às construções de planta quadrada, no Ocidente e no Mundo Islâmico (cf. Arquitectura Alentejana: o Quadrado, por Jaime Manuel Sousa. In O Estudo da História, Boletim dos Sócios da Associação dos Professores de História, n.º 5-6 (II Série), 1988).

    Na cidade islâmica o elemento base é a casa, não a rua. A casa, como a mesquita e a madrasa, é um local sagrado, como diz acertadamente Hélder Manuel Ribeiro Coutinho (in Al-Usbuna – a Lisboa Muçulmana. Revista História, n.º 96, Outubro de 1986). Afirma o Al-Corão, cap. XLIX: «O interior da tua casa é um santuário: os que o violam chamando-te, quando estás nela, faltam ao respeito que devem ao intérprete do Céu. Devem esperar que saias de lá: a decência o exige».
    Sendo a casa a imagem do homem, de seu morador e dono, vimos na Idade Média a combinação das proporções, a unidade de medida ser determinada a partir das dimensões da figura humana, e geometricamente representada pelo quadrado, aplicando-se frequentemente na arquitectura do Renascimento, ainda que durante o Gótico fosse comum o uso de um sistema de proporções inteiramente derivado do quadrado (ad quadratum), no traçado de plantas de catedrais. Esta concepção foi traduzida na célebre imagem de Leonardo da Vinci, onde o Homem, como Microcosmos, aparece inscrito num círculo e num quadrado. A largura dos seus braços estendidos é igual à altura do tronco e pernas unidas, formando portanto uma cruz (o quaternário), e corresponde à medida do lado do quadrado. Considerado o centro do Universo, segundo Pico de Mirandola, e elo de ligação entre Deus (o círculo celeste) e o Mundo (o quadrado dos quatro elementos da natureza), através do Homem, cuja individualidade está impressa na robustez, humilde ou rica, de sua casa, se concretiza a quadratura do círculo, problema geométrico designativo da ascese mística, corrente entre os neo-platónicos, permissor da elevação do homem racional à esfera divina
    .

    Por princípio a casa saloia é térrea, chã, encrostando-se no chão como que arrancando a este a seiva telúrica dos veios da Terra, e ao mesmo tempo como que se ocultando das influências funestas da Lua: o saloio é um homem do dia, não da noite. Madruga com os animais e as plantas, não é noctívago e dorme encostado ao seio da Grande Mãe Atégina, a Deusa da Terra, das semeaduras e colheitas, enfim, da Agricultura.
    Geralmente o saloio, mesmo o abonado, não comprava casa para sua moradia: fazia-a ele mesmo, e por isso as aldeias progrediam aumentando permanentemente os seus fogos (in O Saloio de A a Z, por Maria Isabel Ribeiro. Boletim Cultural´93, edição da Câmara Municipal de Mafra).

    A casa saloia quase nunca se limitava a dois compartimentos. Geralmente tinha três divisões: cozinha, casa de fora e alcova. Outras, quatro; e outras, seis divisões, segundo João Paulo Freire (in O Saloio: sua origem e seu carácter: fisiologia, psicologia, etnografia. Porto, 1948). Raramente havia casas de banho. E a azoteia árabe ou mourisca foi sistematicamente substituída pelo terraço alpendrado, característico do casal saloio.


    O saloio defendia-se sempre, na sua habitação, das nortadas. Para o lado do norte, a casa geralmente não tinha janelas. Na arribana as teias de aranha eram mantidas, porque “fazia mal tirá-las”, e para aconchego do gado. Dava-lhes uma quentura especial que beneficiava o ambiente. O água-vai do saloio, era o indispensável condimento para que o mato se transformasse em estrume, que era uma das grandes riquezas do pequeno lavrador saloio. Ele não perdia pitada do água-vai, e o mato que o recebia, apodrecia e ganhava aquela fortaleza que o tornava o melhor e o mais barato dos adubos.

    A casa era geralmente caiada de branco e a telha tradicional era a mourisca, em telhado mourisco de duas águas. As mais evoluídas apresentavam quatro e desenvolviam-se em dois pisos.

    A principal distinção que pode fazer-se é entre a morada cujos habitantes eram de lida ou à jorna. No primeiro caso, existiam anexos – palhêros ou abogoarias – para acomodação do gado e alfaias; no segundo, somente as divisões destinadas a habitação.

    Os saloios mais folgados, com maior pé de meia, tinham casas maiores, com o rés do chão lajeado e uma escada exterior para o sobrado, onde estavam os quartos para toda a família.
    A porta tinha um alpendre formado de três lajes e lambris pintados de azul ou vermelho. Assim a casa passava a ter dois pisos corridos: o térreo – as lojas – como arrecadação de aprestos de lavoura, abogoaria, etc., e o andar nobre como local de habitação (cf. Benfica Através dos Tempos, por Padre Álvaro Proença. Lisboa, 1964).

    Mas há outro motivo de grande beleza nos solares saloios: o portão do pátio. O frontão que o encima geralmente revela apurado sentido estético, com o seu fino recorte, ladeado por volutas de cal e areia, terminando por elegante pináculo. Tais ornamentos são milagres de alvenaria. Não é raro que enquadrem painel de azulejos com Nossa Senhora ou São Marçal, este para livrar a casa de ladrões e incêndios, ou ainda Santo António, santo brejeiro e meio pagão na crença popular.

    As casas e solares saloios, testemunhos da vivência humana e sagrada do “homem do campo”, ainda hoje e mesmo que rareando, são património a preservar e divulgar, nisto, no que nos toca como concelhio, pelos devidos órgãos dos Municípios de Loures e Odivelas, a bem da Cultura Patrimonial deste belíssimo pedaço do Termo dos Saloios.

    Dr. Vitor Manuel Adrião
    (Professor e investigador)

    Fonte : http://www.folclore-online.com/textos/vitor_adriao/casa-saloia3.html#.WZTHZL3TXqA
    Estas pessoas agradeceram este comentário: branco.valter
  5.  # 169

    "Temos obrigação de salvar tudo aquilo que ainda é susceptível de ser salvo, para que os nossos netos, embora vivendo num Portugal diferente do nosso, se conservem tão Portugueses como nós e capazes de manter as suas raízes culturais mergulhadas na herança social que o passado nos legou." (Jorge Dias)

    Fonte : http://www.folclore-online.com/textos/vitor_adriao/casa-saloia3.html#.WZTJYb3TXqB
    Concordam com este comentário: Alexluxx
  6.  # 170

    «Imprimia o Saloio à sua habitação a robustez física e de carácter que o individualizaram. Sendo evidente que a casa saloia se insere no tipo de casa tradicional do Sul do País, ela possui um quê distintivo que logo a singulariza na Estremadura.»

    Tal singularidade tem base ou raiz sagrada que, para ser compreendida devidamente, ter-se-á de recorrer à intenção do sentido da arquitectura árabe, distendendo-se do Algarve à Estremadura, passando os Alentejos (vd. Casas Portuguesas (Alguns apontamentos sobre o arquitecturar das Casas Simples), por Raul Lino. Lisboa, 1933)."
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    •  
      CMartin
    • 17 agosto 2017 editado

     # 171

    Moçárabe
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    •  
      CMartin
    • 17 agosto 2017 editado

     # 172

    100 anos dos nossos interiores
    JOANA AMARAL CARDOSO 22/12/2012 - 00:00


    Pedro Gadanho e Rui Afonso Santos põem-nos a espreitar pelo buraco da fechadura para ver cem anos de arquitectura de interiores. Obras totais e efémeras que motivam um manifesto

    TRÊS INTERIORES

    Câmara dos Deputados
    "É o nosso destino - a cadeira do deputado", descreve Rui Afonso Santos. Manuel Ventura Terra desenhou a cadeira e a Câmara dos Deputados, no coração da Assembleia da República, "um dos mais belos Parlamentos do mundo", segundo o comissário científico.

    Hotel Ritz

    O hotel lisboeta "é um dos melhores museus de artes decorativas", brinca Rui Afonso Santos. "Foi uma escola de design, Sena da Silva e António Alfredo [escultura] desenharam um dos mais belos móveis para uma das salas de pequenas recepções e jogo."

    Linha Cortez

    "A linha Cortez de Daciano Costa dá corpo à expansão do sector terciário em 1962. É um clássico fundamental que moldou toda a paisagem dos escritórios e ambientes privados de trabalho até aos anos 1980", diz o comissário.

    Há peças assim, que pedem que o olhar se demore - uma arca com as laterais côncavas a desenhar losangos, um fecho de bronze opulento, pés gravados. Vem do Hotel Ritz, em Lisboa, foi desenhada pelo histórico designer, arquitecto e artista António Sena da Silva e prova como um edifício, o seu interior e as peças que o recheiam podem constituir obras totais. É um dos "tesouros" da exposição Interiores, 100 Anos de Arquitectura em Portugal, para o seu comissário científico, Rui Afonso Santos - "é um dos melhores móveis de arte que já vi na vida".

    Em Interiores, no Museu do Design e da Moda (Mude) há uma vida portuguesa para conhecer e pensar, de dentro para fora: dos bancos das escolas (as cadeiras Sena) ao mobiliário dos escritórios (a linha Cortez), passando pelos jantares na Bica do Sapato, em Lisboa, ou pela loja Valentim Carvalho de Cascais, muito sixties, desenhada por Tomás Taveira. Até, claro, à casa portuguesa de Raul Lino ou à pureza das casas de Ofir (1956-8), de Fernando Távora, ou Alves Costa (1964), de Álvaro Siza.

    Coleccionadores privados e instituições como a Fundação Gulbenkian ou a Casa de Serralves emprestaram peças ou esquissos. O Mude acabou por adquirir as cadeiras e secretárias Sena para a sua colecção; o mesmo aconteceu com um quarto de Francisco George e peças de Eduardo Anahory. Mas no trabalho para esta exposição, Rui Afonso Santos confrontou-se mesmo com a própria vida: "É a nossa vida, a vida de Portugal, mas também algo universal. O ambiente em que vivemos é também o que somos, e vice-versa."

    Nesta visão seleccionada de um século de arquitectura de interiores, que nos leva ao sonho art déco da Casa de Serralves (1941), no Porto, ou aos apartamentos da Torralta em Tróia (1969-72) por Daciano Costa, Sena ou Taveira, está implícito um convite a descobrir os espaços resistentes. E um apelo para mudar consciências e aumentar o número de sobreviventes, porque aqui também há um Portugal desaparecido. Em Interiores, há peças resgatadas do oblívio e outras evocadas ou reconstituídas após a sua destruição. Os interiores são efémeros e vulneráveis, constata o comissário-geral Pedro Gadanho, por desinteresse ou "fachadismo, uma tendência dos últimos 20/30 anos que é destruir integralmente os miolos de edifícios e manter só a fachada, como se ela fosse a única coisa que significava o peso ou a importância histórica do edifício".

    Esta exposição fala, entre paredes, à política - e em particular à política do património. A sua vizinha Nacional e Ultramarino, sobre o edifício do antigo BNU que agora é o Mude - comissariada por Bárbara Coutinho, directora do museu, e por Conceição Amaral, do Museu das Artes Decorativas da Fundação Ricardo Espírito Santo da Silva (FRESS) -, ainda afina mais o foco com a epígrafe A arquitectura do poder.

    Os poderes e o seu gosto notam-se por estes dias no Mude. No impulso do Estado Novo ao modernismo nos anos 1930, para depois acontecer uma "involução moderna" no final dessa década, quando o regime assume a sua pulsão nacional e ruralista e vinga o "rústico estilizado", como conta Rui Afonso Santos na apresentação de Interiores. No muito Nacional e Ultramarino gabinete do governador do antigo BNU, zona agora aberta ao público que a maioria dos funcionários do banco (eram 1200 no edifício) nunca conheceu, o gosto do poder (e do dinheiro) pediu à FRESS as lanças e os leões do estilo império para receber e se mostrar. "Retrato social de um país" em 1964, diz Coutinho, funcional e moderno de um lado, ostentatório do outro.

    O café loja chinesa

    A política do gosto fez com que parte do que se vê no Mude seja uma repescagem de interiores extintos, mas Pedro Gadanho, curador de Arquitectura Contemporânea no Departamento de Arquitectura e Design do Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova Iorque, reitera ao PÚBLICO que quer também alertar para o que permanece. E que pode estar em todo o lado. Gadanho cita o filósofo da Escola de Frankfurt Siegfried Kracauer "que dizia que quando queremos perceber o espírito de uma época temos que ir para os interiores banais, operações do dia-a-dia, e não para as grandes expressões ideológicas".

    Veja-se o caso do desaparecido Café Portugal (1938) no Rossio lisboeta, com o seu vitral art déco ("o melhor que se fez em Portugal", diz Rui Afonso Santos) evocado em Interiores, sintoma de uma década em que "a modernidade chega a todo o lado, em que a pequena burguesia podia ir aos Armazéns Grandella comprar um móvel moderno", como explica o comissário científico. Hoje, aquele trabalho de Cristino da Silva, "que era radical, moderno, tinha cromados, e onde ele desenhou tudo, as cadeiras, os talheres, a máquina do café, os pratos, as mesas", desapareceu. "É uma loja dos chineses, desfigurado."

    Por estes casos, entre outros mais recentes, é que Pedro Gadanho anui quando o PÚBLICO lhe pergunta se Interiores, que estabelece uma perspectiva histórica da evolução do design e da arquitectura dos espaços interiores entre 1990 e 1999, é também um manifesto. "A exposição é só um princípio, um chamar de atenção, é o lançar de um debate para investigar mais profundamente esta área", diz o arquitecto - e Interiores vai resultar também num livro editado pelo Turismo de Portugal em 2013 com análise crítica sobre a temática.

    Isto numa altura em que não só pela crise, mas também pela reflexão académica de arquitectos, urbanistas e designers, "já chegámos a um ponto de saturação da construção nas nossas cidades". Quando as construtoras "se começam a virar para a remodelação, talvez precisem de mudar de atitude: em vez de arrasar - como vemos muito em Lisboa, a maior parte das recuperações de edifícios pombalinos é desrespeitadora do interior e suas qualidades -, aproveitar o que é possível, adicionar o que é preciso", diz Gadanho.

    Pensar, no fundo, "como é que o gesto de modernização concorre e vive com o gesto de preservação", resume Bárbara Coutinho. Estas cidades, estes espaços, casas particulares ou locais públicos, iriam ganhar "uma qualidade à partida: a atmosfera, feita de pequenos pormenores, de um somatório de elementos que se acumulam ao longo do tempo", defende Pedro Gadanho.

    Almada Negreiros no cabaret

    Estamos no reino de ganhos e perdas, portanto, ao longo de cem anos de produção - o século em que emerge a actividade do design intrinsecamente ligada à dos arquitectos. Interiores, no museu até 28 de Abril de 2013, faz-se de dez núcleos, um por década, com diferentes nichos, num enorme paralelepípedo de madeira projectado pelos jovens arquitectos Marcelo Dantas e Olga Sanina, onde se tenta traçar uma história sobre "o desenho total, a obra de arte total", nas palavras de Gadanho.

    Quando alguém, como o arquitecto Carlos Ramos, convoca para o antigo cabaret lisboeta Bristol Club (1925-26) obras de Almada Negreiros ou Canto da Maya para juntar ao seu interior art déco. Quando Álvaro Siza desenha a Casa Alves Costa por dentro e por fora. Quando Fernando Távora interpreta a rusticidade e o "nacional" com erudição. Quando Raul Lino, "o primeiro a ter um conceito muito mais vasto do que a arquitectura, a ter uma consciência plena do design", segundo Rui Afonso Santos, desenha tudo na Casa do Cipreste - "desde o pano de mesa, passando pelo candeeiro, ao mobiliário", montada no Mude com as colchas e cortinas com os tecidos de Alcobaça originais. Quando, na sua última obra, o arquitecto Cristino da Silva planeia a sua "obra total", o BNU, o edifício do próprio Mude, com projectos e desenhos "que vão desde a maçaneta da porta à luminária", como remata a directora do museu, corroborada por Rui Afonso Santos. Quando a arquitectura de interiores se liga à arquitectura, ao design, a um conceito.

    A exposição vai do neo-renascentismo ao minimalismo, com peças, planos e desenhos nunca mostrados e encenações do que era e do que ainda pode ser visto, como o trabalho de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira na loja de Ana Salazar no Chiado (1988). Ou em lugares escondidos como a Casa Veva de Lima (ou Palácio Ulrich), espaço onírico de uma milionária excêntrica que se passeava com uma chita pela trela pelas ruas de Lisboa, hoje propriedade da câmara e que tem "o único interior intacto dos anos 1920 que se conserva em Portugal", frisa Rui Afonso Santos. Lojas como a Valentim de Carvalho de Cascais, fachada de Sá Nogueira, poesia de Herberto Helder, linguagem de Taveira a avançar para a pop que mostra "como essas ideias começavam a chegar a Portugal, como esses estilos estavam a ser apropriados", diz Pedro Gadanho, sintoma do que é a identidade deste interiorismo português - "uma espécie de pingue-pongue entre a necessidade de acolher tendências que vêm de fora e a manutenção ou reendereçar de uma identidade nacional".

    Fonte : https://www.publico.pt/culturaipsilon/jornal/100-anos-dos-nossos-interiores-25795327
  7.  # 173

    Já tive azulejo moçárabe nas mãos... atenção o verdadeiro e não uma cópia. Se durou até ao nossos dias coberto de terra, é porque é material do bom. Coisas que já não se fazem.
    Concordam com este comentário: CMartin
    •  
      CMartin
    • 22 agosto 2017 editado

     # 174

    E eu há uns dias fui visitar o Convento da Arrábida, onde muito se discutiu a arquitectura. Fiquei impressionada por ficar a saber que o convento foi construído na serra sem a danificar, sem lhe tocar, antes acompanhou a sua geografia natural. Não será caso único do antigamente em que se construíu respeitando a paisagem.
    A dificuldade de se construir alí, assim. Levar os materiais e tudo o mais..
    Coisas que já não se fazem.
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  8.  # 175

    Nuno Almeida
    OPINIÃO

    Fachadismo: a morte da (autenti)cidade de Lisboa

    Na tentativa de salvaguardar a sua autenticidade, a cidade que estagna a sua própria evolução está a condenar-se ao seu esvaziamento cultural.

    14 de março de 2017, 6:55

    O debate sobre a intervenção nos centros urbanos chegou a um novo patamar com a queixa na justiça contra o edifício projetado por Souto de Moura na Praça das Flores. É uma situação preocupante que põe em causa a capacidade dos arquitetos intervirem originalmente nos centros urbanos quando já existem diversos obstáculos à renovação arquitetónica dos centros históricos. O resultado será uma cidade cada vez mais presa ao passado, superficial e desinteressante, uma Veneza a tender cada vez mais para o Venetian de Las Vegas, uma caricatura de si mesma sofrendo uma gradual desertificação cultural e de população, mais pobre mas mais cara.

    A queixa é “apoiada” por uma petição online que adota a errónea equivalência entre histórico e antigo, atribuindo a ambos um valor insuperável por qualquer intervenção de linguagem contemporânea. Esta argumentação, em parte também sustentada pelo PDM, incentiva o esventramento das estruturas existentes e a manutenção de fachadas. Muitas vezes estas intervenções aumentam significativamente o volume construído, desvirtuando as já de si irrelevantes fachadas; outras, as fachadas condicionam os programas e tipologias criando uniformização na oferta. Estas limitações contribuem para a desertificação dos centros urbanos.

    No entanto, o aspeto mais pernicioso desta atitude em relação ao antigo é a sua progressiva generalização. Quando a consequência é uma queixa na justiça ou a condenação na imprensa, não é de surpreender que os técnicos nas câmaras se mostrem avessos aos riscos da aprovação de projetos potencialmente polémicos. Se essa é a atitude conhecida dos técnicos camarários, é também natural que os clientes prefiram avançar já com uma proposta de manutenção de fachada, às vezes com custos elevados, com a esperança de acelerar a aprovação. Os próprios arquitetos, com honorários limitados, terão algum incentivo para partir já desse pressuposto. Esta sequência contribui para o crescente empobrecimento das áreas que se pretendem valorizar.
    A petição revolta-se também contra o alegado tratamento preferencial de um “arquiteto galardoado”. Realmente, não devem ser os arquitetos a ser avaliados, mas sim os projetos. É um ponto importante ainda que não existam estudos conhecidos sobre a realidade dessa situação. No caso específico do arquiteto Souto de Moura, existem dois projetos seus em curso que preveem a manutenção de fachadas. Não apoiando o tratamento preferencial de “arquitetos estrela”, o reverso desta medalha é os centros urbanos atraírem cada vez menos intervenções de arquitetos de renome.

    Praça das Flores, uma jóia de Lisboa, vai mudar de figura
    Queixa à justiça tenta travar projecto de Souto de Moura para a Praça das Flores


    São poucas as soluções de fachadismo positivas e mais raras ainda as que se tornam obras de referência para o futuro. Exemplos do contrário abundam, um deles, duplamente virado para o passado, é o edifício do Comércio do Porto, na Avenida dos Aliados, no Porto. Nos anos 1990, o edifício foi esventrado tendo sido mantida a fachada monumental “beaux arts” de 1930 devido, supõe-se, ao seu elevado valor estético e histórico. A ironia é que Rogério de Azevedo, o arquiteto, tinha visto o seu projeto original indeferido pela Comissão Estética da Câmara e foi forçado a harmonizar a sua fachada com os restantes edifícios da Avenida. O que ele pensava da estética monumental “beaux arts” pode ser inferido do seu projeto para a Garagem do Comércio do Porto — contíguo ao anterior edifício —, concluído apenas dois anos mais tarde e um dos primeiros e mais importantes exemplos do modernismo em Portugal.

    A intervenção nos centros urbanos aproxima-se cada vez mais da taxidermia (literalmente do grego: ordenamento da pele), como um jardim zoológico que preferisse ter versões empalhadas das espécies extintas a exibir exemplares vivos e contemporâneos. A cidade sempre foi o somatório de intervenções de várias épocas que rompem em maior ou menor grau com as anteriores. A raridade das intervenções contemporâneas só contribui para fazer sobressair e contrastar os poucos exemplos que surgem. Na tentativa de salvaguardar a sua autenticidade, a cidade que estagna a sua própria evolução está a condenar-se ao seu esvaziamento cultural. A uma cidade com futuro não basta parecer autêntica, tem também de o ser.

    Fonte : https://www.publico.pt/2017/03/14/local/noticia/fachadismo-a-morte-da-autenticidade-de-lisboa-1765043
  9.  # 176

    Colocado por: Anonimo06082021o tópico é só para quem tem casas velhas e antigas...

    (donos)


    E que pelo andar da carruagem, são muito poucos, para não dizer nenhuns.

    Por isso, não é só para esses, mas para todos os que se interessem pelo tópico, ou assunto. Verdade seja dita, continuam a ser muito poucos.
    •  
      CMartin
    • 24 agosto 2017 editado

     # 177

    Esta casa é em Palmela, perto do Castelo. Gostei imenso do seu aspecto.
    Apesar de não perceber bem o piso exterior, do pátio, talvez ainda esteja em obra, ou talvez seja metade cerâmico, metade mosaico. Não consegui ver, à distância que estava.

    Acho que em parte o desinteresse pelas casas antigas pelo grande público pode ter a ver com se achar que uma casa antiga ou velha precisa sempre de alterações que a tornem habitável, e por arquitecto.
    Existe no entanto um grande numero de casas antigas que já foram intervencionadas ao longo dos tempos, ou até duma só vez, como a minha que comprei já restaurada, e como aparenta estar esta da minha foto.
    Por outro lado, e ainda, uma casa assim nos termos da minha,e desta da foto, não necessita nem de arquitecto nem de projecto, é no fundo como outra casa qualquer que já esteja construída, é ir mantendo, e em condições confortáveis e agradáveis.
    Não me parece nenhum bicho de sete cabeças.
    Para quem aprecie, é muito bom viver-se numa casa assim. São muito bonitas. E particularmente, aprecio muito a autenticidade e robustez dos materiais empregues na sua construção.
    Acho também de respeito o pensamento de que uma casa que se mantém há 70, 80 ou 100 anos, durará de certo uns tantos mais, pelo menos. E se mantida, terá sempre bom aspecto.
      20170818_155505.jpg
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      CMartin
    • 25 agosto 2017 editado

     # 178

    Colocado por: Anonimo06082021então se eu encontrar por aqui algumas fotos posso publicar?


    Faço questão!
    Daria logo outro brilho ao tópico, James! Obrigada.
    E posso imaginar o que de aí virá. Lembrar talvez outros tempos. Outras casas. Através do olhar de quem os sabe apreciar.

    Esteja à vontade. Eu agradeço. E acredito que a comunidade do fórum também.
  10.  # 179

    É perfeita essa casa. É uma princesa.
    Que abóboras são as que estão no telhado ? Porque têm brilho no rabo ?
    Quero uma abóbora assim no meu telhado.
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      CMartin
    • 25 agosto 2017 editado

     # 180

    Como se chamam aquelas terminações no telhado de quatro águas ?
    O meu também tem. Parece-me que iguais a estes.
    Qual a origem, que eu saiba é um enfeite.
 
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