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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 1

    O que é Etnografia:

    Etnografia é o estudo descritivo da cultura dos povos, sua língua, raça, religião, hábitos etc., como também das manifestações materiais de suas atividades. É a ciência das etnias. Do grego ethos (cultura) + graphe (escrita).

    A etnografia estuda e revela os costumes, as crenças e as tradições de uma sociedade, que são transmitidas de geração em geração e que permitem a continuidade de uma determinada cultura ou de um sistema social.

    Etnografia é inerente a qualquer aspecto da Antropologia Cultural, que estuda os processos da interação social: os conhecimentos, as ideias, técnicas, habilidades, normas de comportamento e hábitos adquiridos na vida social de um povo.(...).

    Em: https://www.significados.com.br/etnografia/

    Foto: Artur Pastor
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  1.  # 2

    O nome de Portugal, segundo o Dicionário Onomástico e Etimológico de José Pedro Machado (Editorial Confluência), vem do latim "Portucale", designação primitiva da cidade do Porto. "Portucale" resultou da aglutinação de Portu- + Cale-, do acusativo "Portum Calem", forma vulgar de "Cales Portus".

    De acordo com este dicionarista, "Cales" era povoação (de origem obscura, talvez celta) junto do Douro.

    José Pedro Machado, noutra entrada do dicionário (Gaia), indica que a origem de Vila Nova de Gaia "ainda não está esclarecida; provavelmente será pré-romana, de "Cale", "Cala", donde "Gaa" > Gaia."

    Fonte : https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/etimologia-de-portugal/4955
  2.  # 3

    A estrutura genética da população portuguesa

    Os dados sobre a composição genética dos Portugueses apontam para a sua fraca diferenciação interna e base essencialmente continental europeia paleolítica.

    É certo que houve processos démicos no Mesolítico (provável ligação ao Norte de África) e Neolítico (criando alguma ligação com o Médio Oriente, mas bastante menos do que noutras zonas da Europa), tal como as migrações das Idades do Cobre, Bronze e Ferro contribuíram para a indo-europeização da Península Ibérica (essencialmente uma «celtização»), sem apagar o forte carácter mediterrânico, particularmente a sul e leste. A romanização, as invasões germânicas, o domínio islâmico mouro, a presença judaica e a escravatura subsariana terão tido igualmente o seu impacto e a sua contribuição démica.

    Podem mesmo listar-se todos os povos historicamente mais importantes que por Portugal passaram e/ou ficaram:

    As culturas pré-indo-europeias da Península Ibérica (como Tartesso e outras anteriores) e seus descendentes (como os cónios, posteriormente «celtizados»);
    Os protoceltas e celtas (tais como os lusitanos, Galaicos, Célticos);
    Alguns poucos fenícios e cartagineses;
    Romanos;
    Suevos, búrios e visigodos, bem como alguns poucos vândalos e alanos;
    Alguns poucos bizantinos;
    Berberes com alguns árabes e saqaliba (escravos eslavos);
    Judeus sefarditas;
    Fluxos menos maciços de migrantes europeus (particularmente da Europa Ocidental).
    Todos estes processos populacionais terão deixado a sua marca, ora mais forte, ora só vestigial. Mas a base genética da população relativamente homogénea do território português, como do resto da Península Ibérica, mantém-se a mesma nos últimos quarenta milénios: os primeiros seres humanos modernos a entrar na Europa Ocidental, os caçadores-recolectores do Paleolítico.

    Estudo genético
    Um estudo genético pormenorizou as origens geográficas dos antepassados dos atuais portugueses, sendo as seguintes:

    50,4% de contribuição ibero-itálica (originária da Europa mediterrânica)
    25% de contribuição noroeste-europeia (originária das Ilhas Britânicas, Europa Ocidental ou Escandinávia)
    9,1% de contribuição eslava-báltica (originária da Europa do leste e do centro e dos Bálcãs)
    4,2% de contribuição norte-africana (originária do Magrebe e do Deserto do Saara)
    2,6% de contribuição árabe (originária da Península Arábica e do Nordeste da África)
    2,5% de contribuição leste-mediterrânica (originária dos atuais Chipre, Malta e de judeus europeus)
    1,2% de contribuição do Chifre da África (atuais Etiópia e Somália)
    1,9% de contribuição da Cordilheira do Cáucaso (atuais Rússia, Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Irão e Turquia)
    1,0% de contribuição urálica (atuais Finlândia, norte da Rússia e montanhas urálicas)

    Segundo um outro estudo dos antepassados dos atuais portugueses:

    50% deles eram originários da Península Ibérica. Isso sugere uma origem predominantemente autóctone da população portuguesa, remontando aos primeiros habitantes humanos da Península Ibérica, talvez incluindo povos falantes de língua ibérica que ali chegaram em tempos pré-históricos.
    28,9% eram originários dos arredores da região chamada pelos romanos de Gália Belga, que hoje incluem os Estados da Bélgica, Holanda, Luxemburgo, norte da França e sudeste da Grã-Bretanha. Isso sugere uma migração de povos de cultura celta para a Ibéria, que também ocorreu em tempos pré-históricos.
    11,2% eram do Norte da África, o que pode significar contato direto com mercadores fenícios e cartaginenses, assim como resultado da invasão muçulmana da Península Ibérica ocorrida na Idade Média.
    4,5% eram fenicios, que pode ser resultado da migração de povos que estiveram em contacto direto com eles, como os godos e alanos, de povos do Báltico como os suevos ou dos saqaliba, que eram escravos eslavos trazidos para Portugal durante o domínio islâmico.
    Outras migrações contribuíram com os restantes 5,4%.

    Não existe de facto um consenso, sabendo-se no entanto que Portugal é habitado desde tempos imemoráveis.

    Fonte : https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Portugueses
  3.  # 4

    Colocado por: CMartinNão existe de facto um consenso, sabendo-se no entanto que Portugal é habitado desde tempos imemoráveis.


    Foto : Artur Pastor
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  4.  # 5

    ETNOGRAFIA PORTUGUESA: COMO ESTUDAR O PASSADO NA ATUALIDADE?
    QUINTA, 16 JANEIRO 2014

    A partir de meados do século XIX, a mecanização da produção e o progresso dos meios de transporte e das comunicações produziram uma profunda alteração dos hábitos e das mentalidades. As atividades artesanais entraram em declínio, as populações dos meios rurais deslocaram-se para as cidades e certos costumes foram caindo em desuso face às modas burguesas quase sempre importadas do estrangeiro.

    O trabalhador rural trocou a enxada pela picareta e a liberdade do campo pela clausura fedorenta da fábrica. O ruído ensurdecedor das máquinas sufocou os alegres cantares com que marcava o ritmo da lavoura. O linho deixou de ser semeado e os teares caseiros perderam o uso. As moças deixaram de bordar e até as concertinas passaram a tocar rapsódias mais dolentes a fazer lembrar as notas tristes do fado.

    Em Braga, terra de velhos santeiros, surgiu uma fábrica de chapelaria que passou a cobrir a cabeça dos homens no Minho. Para um canto da lareira ficava o velho barrete de malha, a partir de então considerado indigno de ser apresentado à sociedade. E, com a indústria, veio o restante vestuário, a alimentação, os instrumentos musicais e, por fim, a memória dos tempos outrora vividos.

    Os novos tempos trouxeram consigo novos gostos: a saia curta, o penteado de franja, o verniz e as unhas postiças, a maquilhagem e toda a sorte de bijutaria de adorno para as mulheres. Os sapatos de verniz e o chapéu “à toureiro” para os homens, com faixa á cinta a pender quase até aos tornozelos. Surgiu o plástico e a borracha vulcanizada. A viola braguesa cedeu o lugar à guitarra clássica. E a sua influência foi de tal ordem que nem o folclore escapou, frequentemente apresentado como tendo feito parte de um universo que o antecedeu.

    Ao mesmo tempo surgiu a música gravada e, com ela, os altifalantes que com o seu ruído estridente puseram fim à pacatez das aldeias.

    Vendo acabar as antigas formas de vida de um mundo que desaparecia sob os alicerces de uma nova sociedade industrializada, eis que surgiram os estudiosos que procuraram inventariar tão precioso património. Recolheram as lendas e os contos tradicionais, as receitas de cozinha e as curas das maleitas, os provérbios e as superstições, os trajes e instrumentos musicais, utensílios domésticos e ferramentas de trabalho. E, para que o próprio povo não se esquecesse da sua própria identidade, criaram grupos de folcklore, recorrendo paradoxalmente a um estrangeirismo para designar aquilo que, afinal de contas, era genuinamente português.

    Em meados do século passado, o gravador de fita magnética e o filme “super 8 mm” possibilitaram o registo do som e das imagens, dando assim um enorme impulso à recolha etnográfica. O seu aparecimento verificou-se a tempo de obter o testemunho da última geração que vivera uma época cuja memória se pretendia preservar. A partir de então, o estudo teria de passar a ser feito com base em fotografias antigas, documentos escritos, peças de interesse museológico e, sobretudo, no levantamento entretanto efetuado pelos investigadores no domínio da etnografia, antropologia e etnomusicologia.

    A recolha etnográfica não é feita nas lojas de artigos de turismo, quais lojas de pronto-a-vestir “ranchos folclóricos” com trajes de lavradeira de todas as cores e feitios, quais deles os mais bizarros. De igual forma, o método de plagiar outros grupos folclóricos, por mais antigos e conceituados que sejam, não constitui um trabalho sério, porquanto acabam por copiar os erros de que enfermam muitos daqueles que foram criados sob a influência dos folcloristas do Estado Novo.

    Sem outra forma de investigação para além do acesso ao material recolhido, o trabalho do investigador requer atualmente o estudo comparado das fontes documentais e das peças museológicas, exigindo-se a compreensão da evolução histórica dos usos e costumes, tanto no que se refere às suas manifestações exteriores como ainda em relação às ideias que marcam cada época. (...).

    Fonte : http://auren.blogs.sapo.pt/1http://auren.blogs.sapo.pt/1909480.html909480.html
    •  
      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 6

    João Leal
    Antropologia em Portugal: Mestres, Percursos, Tradições

    Lisboa, Livros Horizonte, 2006, 215 páginas.


    Na sequência de Etnografias Portuguesas (2000), João Leal afirma-se neste livro como o grande estudioso contemporâneo sobre a história da antropologia portuguesa desde os finais do século XIX até ao presente.
    O livro (organizado a partir de artigos publicados anteriormente, quer como textos avulsos quer como introduções e prefácios a reedições de obras dos etnógrafos dos finais do século XIX e início do XX) retoma debates sobre os vários autores e seus objectos de estudo, com as temáticas e metodologias específicas do percurso da disciplina. Se em Etnografias Portuguesas o autor traça o quadro cronológico da história da etnografia portuguesa, desde os finais do século XIX até aos anos 70 do século XX, juntando temas ligados à própria ideia de “evolução” da disciplina, nesta segunda obra também três partes diferentes correspondem a três subtemáticas, nomeadamente “­mestres”, “percursos” e “transições”.
    O mote é dado na primeira parte que, retomando uma expressão de Jorge Dias no seu “Bosquejo histórico da Etnografia ­Portuguesa”, se debruça sobre os ­grandes “mestres” – ­etnógrafos como Consigleri Pedroso, Adolfo Coelho, Teófilo Braga e Leite de Vasconcellos – realçando facetas que, se bem que apontadas em EP, são agora desenvolvidas.
    Por exemplo, o ensaio inicial sobre Consiglieri Pedroso começa com a contextualização histórica deste período (referido por Jorge Dias como “filológico-positivista”) como uma época decisiva na história da disciplina, que transforma o interesse romântico pela cultura popular num esforço sistematizado e com orientação científica.
    O mesmo fio condutor é utilizado ao abordar as obras de outros dois “mestres” – Adolfo Coelho e José Leite de Vasconcellos. Deste modo, nestes três ensaios, para além de resumir e analisar os temas estudados por cada uma destas figuras tutelares, Leal preocupa-se em contextualizar tais produções, quer em termos do quadro dos temas gerais privilegiados pela etnografia europeia da época, quer das influências teóricas subjacentes, que assim terão dirigido os trabalhos dos etnógrafos portugueses.
    Leal salienta a abertura de A. Coelho aos estudos de terreno e às preocupações com a identidade e decadência nacional, ao mesmo tempo que aponta as influências do difusionismo e sublinha as dispersões teóricas presentes, tal como a mitologia comparada e o evolucionismo, e ainda o modo como este estudioso se debruçou sobre o tema da cultura popular e da educação, reflectindo sobre as várias facetas dos seus textos, tais como “A pedagogia do povo português”.
    Retoma assim a discussão do que ele considera temas essenciais na produção etnográfica portuguesa dos finais do século XIX e início do século XX – a literatura e mitologias populares e a preocupação com a identidade nacional e a etnogenia −, ideia que corrobora nas linhas escritas sobre ­Teófilo Braga.
    Em relação a Leite de Vasconcellos, Leal passa em revista o seu percurso, marcado pelo que denomina “um vaivém entre a etnografia e a arqueologia”, que insere no quadro geral da proximidade entre as duas disciplinas na segunda metade do século XIX. Considerando Tradições Populares de Portugal como uma das “mais importantes recolhas de tradições populares da antropologia portuguesa oitocentista”, analisa essa oscilação entre a etnografia e a arqueologia, referindo a criação do Museu Etnográfico Português e a fundação da revista O Arqueólogo Português, que mostram, sobretudo a partir de 1895, o comprometimento de Leite de Vasconcellos com a arqueologia (quer no plano institucional, quer no plano científico), patente nos três volumes de Religiões da Lusitânia, que Leal considera a sua obra fundamental no domínio da arqueologia.
    Traçando o percurso de Vasconcellos, Leal refere ainda como, no final dos anos 20, as suas prioridades sofrem de novo uma reviravolta e a par de textos sobre arte popular surgem textos de etnografia comparativa, focando temas como os amuletos populares (signum solomonis, figa e a barba) e, finalmente, a publicação de Etnografia Portuguesa, que pretendia ser um compêndio de síntese etnográfica sobre a cultura popular portuguesa, intenção essa interrompida pela morte do autor.
    Nesta conexão constante entre o ­passado e o presente, Leal enfatiza a figura dos Lusitanos e a importância que Leite de ­Vasconcellos dava à análise da cultura ­popular à luz desse fundo lusitano matricial da nação, um espaço cronológico delimitado entre a pré-história e a fundação da nacionalidade, em que a sucessão de povos teria moldado a cultura tradicional portuguesa (p. 69).
    Leal liga ainda os textos sobre amuletos, signo saimão e figa às preocupações étnico-genealógicas do seu autor, como representantes do “projecto subjacente ao diálogo entre etnografia e arqueologia em L. de Vasconcellos”, salientando como a etnografia portuguesa acabou por assumir um declínio, em detrimento das preocupações mais interpretativas ligadas à exploração das raízes etnogenéticas da cultura portuguesa.
    A respeito das preocupações ­folcloristas de L. de Vasconcellos no texto sobre a barba, e referindo outras figuras da etnografia portuguesa da “celebração do popular” – discípulos de L. V. como Luís Chaves, F.  C. Pires de Lima, Cláudio Basto e Virgílio Correia – demonstra como L. de Vasconcellos ­procede a um tratamento do tema de um prisma comparativo, utilizando a etnografia e a história. Ao propor a leitura destes três ensaios não apenas como documentos relevantes para o entendimento do percurso científico do seu autor e da antropologia da época, mas também como textos com elementos informativos e sugestões de análise interessantes (p. 77), Leal realça e relembra-nos a actualidade e pertinência destes textos de ­Vasconcellos.
    Na segunda parte, intitulada “­Percursos”, a intenção é agrupar uma série de ensaios que exploram temáticas importantes no desenvolvimento da antropologia portuguesa, quer problematizando a relação entre identidade nacional e antropologia, quer analisando temas ligados ao que Leal denomina “etnografia espontânea”.
    Assim, após uma primeira incursão nas teorias evolucionistas sobre a família e os ecos do debate das mesmas (nomeadamente nos textos de C. Pedroso já referidos), Leal menciona ainda como os textos de T. Braga e de Oliveira Martins espelham a influência de Maine e de Foustel de Colanges.
    No capítulo “Imagens contrastadas do povo”, Leal mostra como o discurso afirma­tivo, de confiança romântica na nação, e um contorno pessimista sobre a decadência nacional, sobretudo com Adolfo Coelho e Rocha Peixoto, perduraram na segunda metade do século XIX, o primeiro ligado a uma imagem positiva e romântica da cultura popular, o segundo a uma imagem negativizada do povo. Para Leal, tais discursos mostram como a antropologia portuguesa da época oscilou entre os imperativos românticos de fornecer uma identidade à nação e a tendência inversa, de olhar a sua desconstrução e declínio.
    É ainda sob este signo de influências teóricas e preocupações, que se balanceiam entre a defesa da identidade nacional e a ­sistematização da diversidade e riqueza cultural do país, que o ensaio seguinte se centra. Reflectindo sobre as discrepâncias entre duas tradições antropológicas no mundo ocidental − a “antropologia de construção de império” dos países desenvolvidos da Europa e da América e a “antropologia de construção da nação” dos países periféricos da Europa − Leal lembra que, em Portugal, apesar da existência de um império colonial, a antropologia se desenvolveu a partir do segundo modelo, centrado sobre a problemática da identidade nacional. As razões para tal prendem-se com a fraqueza do colonialismo português e o modo como as questões relacionadas com a identidade nacional ocuparam a vida intelectual portuguesa nos últimos 150 anos, nomeadamente o que Leal denomina, a partir de Eduardo Lourenço, “a fragilidade ôntica da nação”. A percepção de Portugal como país problemático teria levado “à necessidade de reforçar o discurso sobre a identidade nacional de raiz cívico-territorial (…), com argumentos etnogenealógicos susceptíveis de conferir maior espessura a uma existencia nacional fragilizada” (p. 113).
    Leal analisa aqui, à semelhança do que faz em EP, os quatro períodos segundo ele determinantes na antropologia portuguesa entre 1870 e 1970 (1870-1880; 1890-1900: 1910-1920; 1930- 1970) , mostrando como a cada um destes períodos corresponde uma linha de força, em que, no primeiro, Portugal é visto como produto de originalidades étnicas presentes na literatura e nas tradições populares; no segundo descobre-se a diversidade interna do país; e, no terceiro, a implantação da República e o optimismo sobre o destino nacional moldam uma etnografia nacionalista de carácter folclorizante estruturada em torno da arte popular. Por último, mostra como, no quarto momento, a figura de Jorge Dias e da sua equipa − Margot Dias, Fernando Galhano, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira− se impôs no panorama da antropologia portuguesa, através das monografias sobre comunidades do Norte, dos ensaios sobre a cultura popular e, sobretudo, em termos de uma “etnografia de urgência”, no estudo da cultura material e das tecnologias tradicionais, animada pela preocupação em traçar um retrato da diversidade e riqueza cultural do país.
    No final deste capítulo, a propósito do período a partir de 1890, em que a arte popular é recuperada pelos estudiosos, Leal menciona figuras esquecidas do campo da etnografia na sua ligação a esta área, como Joaquim Vasconcelos, Virgílio Correia e Ernesto de Sousa, salientando, no primeiro, o seu trabalho de nacionalização da arte popular ligado a uma noção de urgência de salvaguardar o que rapidamente se perderia; em Virgílio Correia, a sua perspectiva pastoral de encantamento com a arte pastoril e as indústrias caseiras; em Ernesto de Sousa, a sua forma de questionar o gosto do Estado Novo e o modo como desenvolveu a equação entre arte ingénua, primitivismo e modernismo, e tornou conhecidas figuras como Franklin e outros artistas populares.
    Leal termina esta secção de uma forma bastante criativa, imaginando como estes três personagens ficariam encantados se pudessem visitar as feiras de artesanato actuais e como Joaquim de Vasconcelos se entusiasmaria com o renascimento da estatuária de granito, Virgílio Correia com as miniaturas de Estremoz, das irmãs Flores, e Ernesto de Sousa conversaria com as netas de Rosa Ramalho e de Mistério.
    Na terceira e derradeira parte do livro, “Transições”, agrupam-se ensaios sobre a nova antropologia que surge em Portugal a partir da década de 60, sobretudo com o aparecimento de olhares de fora, de antropólogos estrangeiros que trazem novas perspectivas e destronam a “articulação estruturante entre antropologia e identidade nacional”. Assim, o tema da perspectiva pastoral versus contrapastoral surge a propósito de três grandes figuras da etnologia mais recente, a partir dos anos 50 do século XX, com Orlando Ribeiro, Jorge Dias e José Cutileiro. Embora salientando as diferenças entre eles− nomeadamente o facto de Orlando Ribeiro ser geógrafo humano e apaixonado pelo Sul e Jorge Dias ser antropólogo e encantado com o Norte − Leal equaciona as perspectivas destes dois autores de uma visão pastoral do país e da vida das pessoas, uma espécie de idealismo cego em que apenas as vertentes positivas são salientadas. Ao contrário, o trabalho de José Cutileiro é nomeado por ter por trás uma visão contrapastoral, na medida em que se centra na luta de classes e poderes no Alentejo rural nos anos finais do regime salazarista e consegue uma aproximação realista a esta situação.
    As premissas básicas que enformam este capítulo são continuadas no seguinte, em que se debatem as novas formas de fazer antropologia em Portugal que surgem a partir da década de 60, com os primeiros esforços no sentido da criação de uma “anthropology of empire building”, os estudos de Jorge Dias entre os Macondes de Moçambique, a criação do curso de antropologia no ISCSPU e o projecto do Museu de Etnologia. Grande parte dessa inovação deve-se a antropólogos estrangeiros: Leal enfatiza o modo como os trabalhos de Collette Callier-Boisvert sobre as mulheres e a emigração na serra minhota, e os de Joyce Riegelhaupt sobre anticlericalismo na região saloia trouxeram uma lufada de ar fresco e um novo olhar sobre o país. Retoma também o estudo de Cutileiro que, apesar de português, contribuiu com a visão do funcionalismo britânico para a disciplina, dando conta de uma situação social marcada pela desigualdade e pelo conflito.(...).

    Fonte : http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0873-65612008000100013
      Etnografias-Portuguesas-1870-1970.jpg
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  5.  # 7

    Cmartin vou inscreve-la num programa de cultura geral da tv, 10% do que ganhar fica para mim;)
    Concordam com este comentário: CMartin
  6.  # 8

    Qual canal de tv ? Cuidado com isso..que já sabe que isto não é para todos!
    Se for rtp 2 é capaz de me interessar :o)
  7.  # 9

    Rtp memoria:) eheh
    •  
      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 10

    :oP
    :o)
    Cool. Pode ser. Avance. 10% são seus.
    •  
      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 11

    I
    PORTUGAL DE PERTO

    Etnografias portuguesas (1870-1970): cultura popular e identidade nacional
    Joao Leal

    (...) Enfatizando a nação como uma comunidade de descendência e destacando o papel que a cultura vernácula, a língua e os costumes populares desempenhariam na sua definição, o modelo etnogenealógico teve entre os antropólo-
    gos, os etnógrafos e os folcloristas os seus «intelectuais orgânicos» por excelência.

    Foram eles, (...), que, através das suas pesquisas, forneceram os materiais para a elaboração de um discurso identitário sobre a nação baseado na cultura popular.

    E justamente a partir deste quadro analítico que podemos encarar a antropologia portuguesa ao longo do período que vai de 1870 a 1970. Como muitas das suas congéneres europeias, ela constitui um dos lugares centrais de articulação de um discurso de tipo etnogenealógico sobre a identidade nacional.

    O seu território por excelência é, nessa medida, o da acumulação de factos e argumentos susceptíveis de construir a nação como uma comunidade de descendência étnica revelada pela sua cultura popular.

    Orvar Lõfgren definiu a ideologia nacionalista como um «gigantic do-it-yourself kit» que estipularia, entre os atributos que uma nação deveria possuir, «um passado (...) comum, (...) uma cultura popular nacional, um carácter ou uma mentalidade nacional (...)».

    Coube frequentemente aos antropólogos e etnógrafos - muitas vezes secundados por outros especialistas - a fixação desses requisitos, por intermédio dos quais se foi gradualmente elaborando «[através de processos de selecção, categorização, recontextualização e congelamento] uma versão correcta, autorizada e intemporal do povo» enquanto essência da nação.
    (...)

    Fonte : Etnografia Portuguesa - Repositório da Universidade Nova de Lisboa

    PORTUGAL DE PERTO
    Biblioteca de Etnografia e Antropologia
    dirigida por
    Joaquim Pais de Brito
    do ISCTE
      Etnografias-Portuguesas-1870-19702.jpg
  8.  # 12

    Por Jorge Dias (Etnólogo, 1907-1973)

    Os Elementos Fundamentais da Cultura Portuguesa!

    (...)Estabelecer os elementos fundamentais duma cultura representa o fim máximo a que a etnologia (antropologia cultural) se propõe; é, digamos, a cúpula dum edifício que ainda está nos alicerces. A vastidão e a complexidade do assunto não permitiram sequer que nestes escassos meses se pudesse traçar uma visão panorâmica da cultura portuguesa com a solidez científica indispensável. Pode dizer-se que tal tema é a tarefa de toda a vida daqueles que se lhe dediquem. O mérito desta tentativa não será mais do que quebrar o encanto de penetrar num mundo que a todos atrai, mas onde ninguém ousa afoitamente entrar, pelos perigos que encerra. São de molde a assustar qualquer um os juízos precipitados ou superficiais, de sobejo conhecidos, emitidos por vários jongleurs do espírito, que pretendem classificar um povo salientando só algumas características, muitas vezes bem pouco típicas, que mais se poderiam classificar anedóticas, quando não malevolentes.

    Se definir os elementos culturais duma sociedade tribal demanda já um longo trabalho de análise e boas qualidades de observação, interpretação e síntese, o que não será estabelecer as bases culturais permanentes dum povo estratificado e com oito séculos de história? Aliás, não está mesmo demonstrada a permanência de características através do tempo, nem que a tradição cultural apresente a estabilidade rígida que muitos lhe atribuem. A herança cultural dum povo é fatalmente afectada por influências do exterior (aculturações) e por transformações de estrutura determinadas pela sua própria evolução.
    Além disso, todos nós conhecemos a diversidade cultural das várias regiões naturais da nação portuguesa, agravada ainda pelas diferenças culturais próprias dos estratos sociais que a formam.

    Posto isto, pode parecer que o problema se apresenta sem solução. É, contudo, indubitável que os vários povos mostram diferenças sensíveis entre si, que, embora difíceis de definir, nos garantem não ser em vão o esforço de o tentar. Creio mesmo que virá um dia em que o progresso dos estudos etnológicos permitirá uma síntese perfeita e cientificamente fundamentada do que é culturalmente especifico do povo português. Mas para isso é necessário abandonar as intuições mais ou menos brilhantes e os juizos superficiais ou aprioristicos e seguir um caminho penoso de análises sucessivas e de interpretações e sínteses parciais, até se poder alcançar esse fim superior que todos nos propomos.

    Perante a dificuldade deste tema, cheguei a pensar fugir-lhe, limitando-me a apresentar aqui um método de estudo da personalidade-base e dos elementos fundamentais da cultura portuguesa. Era mais fácil, e seria talvez mais útil, começar por indicar o caminho que a investigação devia seguir perante a heterogeneidade cultural que se verifica no espaço (sincrónica) e no tempo (diacrónica), complicada ainda pela heterogeneidade vertical dos vários estratos sociais. Porém, embora venha em breve a publicar esse tentame metodológico, não quero iludir a dificuldade e vou-me esforçar por estabelecer, pelo menos, alguns dos elementos fundamentais da cultura portuguesa.

    Quando nos referimos à cultura dum povo civilizado, formado por um conjunto de áreas culturais distintas e de classes estratificadas, não nos podemos necessariamente deter nas formas e instituições, e temos antes de lhe procurar o conteúdo espiritual.
    Só ele deixa compreender a evolução cultural do povo, porque só esse conteúdo espiritual pode ter carácter de permanência através das transformações morfológicas e ideológicas que se vão sucedendo no tempo. A única constante dum povo é o seu fundo temperamental, e não os múltiplos aspectos que a cultura reveste, porque é ele que os selecciona e transforma de acordo com a sua sensibilidade específica. Porém, nem sempre existe uma constante temperamental-base nas nações de composição heterogénea. Às vezes não há mais do que várias mentalidades em conflito real ou latente, que, com o decorrer da história, vão tomando alternadamente a orientação do conjunto. Convém compreender como tal fenómeno se passa, pois, muitas vezes, podem tomar-se como características dum povo aspectos culturais duma só região. Também pode suceder que tomemos por cultura nacional as características duma classe que deixou de ser a expressão superior de todo o povo, para ser simplesmente uma autocracia que impõe a esse povo normas de conduta e cuja cultura não corresponde à personalidade-base da nação.

    Há povos em que a homogeneidade das partes que os constituem e a colaboração extensiva de indivíduos de todas as classes, por um elevado nível de instrução geral, tornam particularmente fácil o estudo da sua cultura. Estão neste caso, por exemplo, as nações escandinavas e a Holanda. Noutros casos, as diferenças regionais muito acentuadas impediram ou dificultaram a unificação, que só se fez tardiamente ou por imposição mais ou menos forçada duma dessas regiões sobre as outras. São estes, por exemplo, os casos da Itália e da Alemanha, onde ainda hoje se mantêm dialectos e formas de cultura superior que são simplesmente regionais. De qualquer maneira, a unificação das nações com regiões culturais heterogéneas tem de se apoiar num poderoso elemento polarizador das energias nacionais. A maior parte das vezes esse elemento é político e resulta da imposição, mais ou menos violenta, dos padrões de cultura duma província às outras que com ela formam um conjunto nacional. Na Alemanha foi a Prússia e em Espanha Castela que desempenharam esse papel unificador. Portugal, porém, apresenta uma curiosa particularidade de unificação. Embora a origem da Nação se deva também à política, à vontade dum príncipe, que naturalmente se aproveitou de certas aspirações de independência latentes nas populações de Entre Douro e Minho, a unificação e a permanência da Nação deve-se ao mar. Foi a grande força atractiva do Atlântico que amontoou no litoral a maior densidade da população portuguesa do Norte, criando como que um vácuo para o interior. Desde Caminha a Lisboa estabeleceram-se inúmeras amarras que defenderam Portugal da força centrípeta de Castela. Mas foi sobretudo o estuário do Tejo, esse forte abraço do mar com a terra, que definitivamente presidiu aos destinos de Portugal. Não houve o domínio duma região sobre outras, antes se encontraram todas num ponto natural de convergência. É por isso que, ao contrário de Berlim ou de Madrid, capitais no centro das regiões dominadoras, Lisboa, na foz do Tejo, está mais apoiada no mar do que na terra. Além disso, Lisboa pode dizer-se formada por habitantes oriundos de todas as províncias do País, quase que sem predomínio de qualquer delas. A este facto deve Portugal certa homogeneidade cultural permanente. Contudo, não devemos esquecer que, a par da cultura nacional, existem ainda hoje regiões naturais muito definidas, com culturas próprias bem caracterizadas, fruto, não só de condições ambientais diferentes, como de ascendência cultural e possivelmente étnica diversas. Convém recordar que muitas características atribuídas aos Portugueses não passam de meros aspectos culturais duma só região. Se existe uma cultura com longa tradição, também é certo que são poucos os que nela participam, pois, por razões de educação e instrução, a maior parte da população recebe sobretudo a cultura tradicional da sua região.

    A cultura nacional é um curioso fenómeno do espírito colectivo e resulta da combinação de muitos elementos. No momento em que na combinação entrem elementos novos, ou faltem outros, o composto que daí resulta já não pode ser o mesmo. Passa-se isto quase como num composto químico formado de elementos simples. O resultado não é a soma de todos eles, mas um corpo novo, com características próprias. Quer isto dizer que, se a cultura de um povo encerra em si, transformados, todos os elementos que a constituem (culturas locais), nem por isso esses elementos, tomados separadamente, permitem compreender o conjunto. Igualmente a perda de uma das partes ou a anexação de uma parcela nova acaba por afectar, com o tempo, as características da cultura nacional.

    No caso especial português, a cultura superior não é também um somatório das diferentes culturas regionais, mas uma integração destas, de que resultou uma coisa nova em que elas estão contidas, embora transformadas por uma espécie de fenómeno de sublimação espiritual. Enquanto a cultura local tem carácter quase ecológico e resulta do conflito entre a vontade do homem, o ambiente e a tradição, a cultura superior transpõe esse conflito para o plano espiritual, porque o elemento ambiente natural é substituído pela história. Os factores mesológicos continuam a actuar, mas de maneira menos visível e, em parte, já contidos nas culturas regionais, que dão o seu contributo para a cultura superior. É possível que, se um dia o nível de instrução e de educação for tão elevado que todo o povo participe mais intimamente na cultura nacional, desapareçam as culturas regionais, completamente absorvidas e sublimadas pelo espírito geral. Mas tal hipótese não se pode verificar, por enquanto, e temos de proceder cuidadosamente à análise das partes, sem cair no erro de as tomar pelo todo. A tendência a generalizar é um perigo frequente. Em Portugal muita gente julga os Espanhóis pelos centos de galegos que aí vivem e trabalham. Contudo, esses espanhóis são quase todos da Galiza, uma das províncias que mais se afastam da personalidade-base espanhola. É possível que tal erro de apreciação se repita noutros países em relação aos Portugueses. Os Brasileiros, os Americanos, os Franceses e os Marroquinos devem ter dos Portugueses uma ideia que corresponde principalmente ao Minhoto, ou ao Transmontano, ou ao Beirão, ou ao Açoriano, ou ao Algarvio, etc., e não ao Português-base.

    Se para os estudos dos elementos fundamentais da cultura portuguesa tal distinção é menos importante, já se não dá o mesmo ao querer estudar as aculturações portuguesas fora do País. Para tais estudos convém conhecer em primeiro lugar as origens dessa colonização e fazer a análise cuidadosa da cultura da região donde provieram os colonizadores. Embora a Reconquista se tivesse feito do norte para o sul, e muitos territórios fossem repovoados com gente do Norte, ou esta se tivesse misturado em proporções várias com as populações existentes, isso não impediu que se formassem regiões culturais distintas. Contribuiu para isso não só o substrato cultural anterior, como a acção dos agentes naturais, diferentes nas várias regiões. Se os factores mesológicos são insuficientes para explicar os fenómenos culturais, nem por isso podemos negar a sua acção profunda.

    Como o carácter deste trabalho não permite entrar nos estudos regionais - degraus necessários para quem quiser chegar ao cimo donde se domina o conjunto -, teremos de abordar directamente a essência do problema e deixar para outra ocasião esse importante assunto.

    A cultura portuguesa tem carácter essencialmente expansivo, determinado em parte por uma situação geográfica que lhe conferiu a missão de estreitar os laços entre os continentes e os homens. Este carácter expansivo tem raízes bem fundas no tempo, se quisermos lembrar a cultura dolménica, que, segundo grandes autoridades, teve como centro de difusão o litoral português nortenho. Porém, a expansão portuguesa, ao contrário da espanhola, é mais marítima e exploradora do que conquistadora. Desde muito cedo existem notícias de navegadores portugueses e, entre as medidas de fomento comercial-maritimo, distingue-se a criação da bolsa de mercadores, que veio a ser a primeira companhia de seguros marítimos mútuos (Companhia das Naus [século XIV]) .

    A força atractiva do Atlântico, esse grande mar povoado de tempestades e de mistérios, foi a alma da Nação e foi com ele que se escreveu a história de Portugal. Como disse um professor alemão, a literatura portuguesa medieval já está cheia de motivos marítimos que se podiam procurar em vão em qualquer outra literatura latina. De facto, antes de se empreenderem as grandes viagens oceânicas já o motivo marítimo impressionava a sensibilidade portuguesa. Porém, só mais tarde, depois de se ter levado a cabo a grande tarefa que a história universal nos tinha destinado, é que a arte portuguesa atingiu o seu máximo como glorificação das empresas marítimas. Os quatro pilares do génio criador português: Os Lusíadas, os Jerónimos, o Políptico de Nuno Gonçalves e os Tentos de Manuel Coelho, são quatro formas de expressão, verdadeiramente superiores e originais, dum povo que durante mais de um século esquadrinhou todos os mares e se extasiou perante as naturezas mais variadas e exóticas.

    Se a situação geográfica contribuiu indiscutivelmente para o carácter expansivo da cultura portuguesa, ela só não basta para explicar tudo. Além dela, temos de considerar a feição psíquica portuguesa e a maneira como esta actuou perante as circunstâncias.

    A personalidade psicossocial do povo português é complexa e envolve antinomias profundas, que se podem talvez explicar pelas diferentes tendências das populações que formaram o País. Da mesma maneira que Portugal representa o ponto de encontro natural das linhas de navegação entre a Europa, a África e a América, a sua população é constituída pela fusão de elementos étnicos do Norte e do Sul. Apesar da relativa homogeneidade da população actual, no Norte do País abundam elementos da Europa Setentrional e Central (celtas e germanos), enquanto no Sul predominam os elementos do Sul da Europa e do Norte de África (mediterrâneos e berberes).

    Situado no extremo sudoeste da Europa, a poucos passos da África, o País estava destinado a ser ponto de passagem e de encontro das mais variadas raças, umas vindas dos confins do Mediterrâneo, como os Fenícios, que lhe demandaram os portos, outras cio extremo setentrião, como os Normandos, que lhe invadiram as costas. Mas as influências destes foram superficiais e só se fizeram sentir no litoral. Foram mais importantes as invasões celtas, sobretudo a partir do século VI a. C. Estes povos, senhores da técnica do ferro e da superioridade militar e económica que daquela derivava, acabaram por se fundir com a raça autóctone. Os Lusitanos, que resultaram desta fusão, eram um povo rude, sóbrio e espantosamente resistente e aguerrido. Era tal o amor da independência que os Romanos, quando quiseram conquistar a Península Ibérica, viram fracassar umas atrás das outras as tentativas para os dominar. Só ao fim de mais de um século, com a vinda de Augusto à Península, foi possível a subjugação deste povo, considerado um dos mais indómitos daquele tempo. Viriato ficou na história como um dos grandes heróis lusitanos e as suas campanhas chegaram a atingir o Norte de África, com a expedição de Kaukeno. Mas o Império Romano acabou por dominar inteiramente e, durante uns séculos, reinou a paz romana. Quando os povos germânicos, aproveitando-se da fraqueza do velho império, começam a invadi-lo em bandos sucessivos, modifica-se novamente a estrutura étnica e cultural das populações que correspondem ao Portugal actual. Logo nos começos do século V os Suevos distribuem terras entre si e se fixam na actual província de Entre Douro e Minho. Estes povos, saídos poucos anos antes do coração da Baviera, trouxeram com as mulheres e os filhos os usos e costumes e as técnicas agrárias do seu país. A pouco e pouco fundem-se também com as populações anteriores, formando um reino que tinha Braga por capital. O reino dos Suevos não pode resistir às investidas dos Visigodos, seus irmãos de sangue, mas mais práticos nas artes da guerra e da política. Os Visigodos acabam por se assenhorear de toda a Península, durante o século VI, formando um grande reino cristão. Porém, logo nos princípios do século VIII, os Árabes, movidos por um vivo impulso religioso, lançam-se na Península e conquistam-na com rapidez vertiginosa. Todavia, à medida que ganham em extensão, vão perdendo em ímpeto e, ao fim de alguns anos, o núcleo de resistência cristã, formado nas Astúrias, começa a repelir o inimigo. Vão-se assim formando novos reinos cristãos, entre os quais Portugal.

    Portugal nasce desta luta contra os Mouros
    . É uma guerra política e religiosa. Enquanto se reconquista o solo da Pátria expulsa-se o inimigo da Fé. Atrás do conquistador vai logo o lavrador e constrói-se o templo. A espada que luta precisa de se apoiar no pão dos campos e na fé em Deus. Em 1249 acabava a luta porque não havia mais terra a conquistar, tinha-se chegado ao extremo sul da faixa portuguesa. Nesta ocasião já se tinha repovoado grande parte dos territórios e, além de muitas capelas românicas, já se erguiam as Sés de Braga, Porto, Coimbra, Lisboa e Évora. Era chegado o momento de ir mais além. Não no espaço, que não havia, mas na organização interna do País. Os reis que se seguem cuidam das letras, da justiça, e promovem medidas de fomento agrícola e de alcance marítimo. Em 1290 fundam-se os Estudos Gerais, o embrião da Universidade portuguesa. Nos fins do século XIII Portugal já exportava cereais. Parecia que tinham terminado as lutas e inquietações e que ia começar a vida próspera, pacífica e apagada dum pequeno povo à beira-mar. Mas não; os vizinhos Espanhóis começavam a cobiçar Portugal. Surgem novamente lutas e incertezas, que terminam pela vitória decisiva dos portugueses em 1385, no campo de Aljubarrota. Esta afirmação da força nacional parece ter despertado novas energias, e surge a ideia de ir contra o antigo inimigo de tantos séculos. Portugal já possuía então embarcações que lhe permitiam uma expedição militar ao Norte de África e, em 1415, os Portugueses conquistam Ceuta aos Mouros. Era o começo da fase de expansão marítima. Em 1418-19 descobre-se a ilha da Madeira, a seguir os Açores, depois vai-se explorando a costa africana com o propósito de chegar à índia pelo mar, ao mesmo tempo que se mandam exploradores por terra. Desde então, até aos nossos dias, toda a cultura portuguesa está impregnada de influências marítimas e ultramarinas.

    A história de Portugal teve um período extraordinariamente glorioso, que definitivamente passou. Uma das nações mais pequenas da Europa foi senhora de um dos maiores impérios de todos os tempos e teve a maior armada da época. Embora Portugal ainda enfileire entre as grandes nações com territórios ultramarinos, todos nós sabemos que os destinos do mundo saíram há muito das suas mãos. A mesma sorte coube ultimamente a nações consideradas colossos invencíveis. A grandeza e a decadência das nações tanto se devem à evolução íntima do seu povo como ao jogo dos acontecimentos. Às vezes, o que foram virtudes numa época podem ser defeitos noutra, e uma mutação de culturas pode alterar inteiramente os destinos às nações. O próprio temperamento português explica muitas das feições da sua história, mas há causas exteriores que também nos dão a chave de culpas que lhe são injustamente atribuídas. Se o carvão e o aço, que constituíram a base da última fase da civilização ocidental, existissem no nosso subsolo, é natural que tivéssemos desempenhado um papel bem diferente daquele a que fomos obrigados. Mas um país que deu madeiras e pano para caravelas e foi farto de pão para uma população de menos de 2 milhões de habitantes pode não ter riquezas nem abundância para alimentar uma população que cresce vertiginosamente.

    Vamos agora tentar definir as constantes culturais deste povo, já velho de tantos séculos, comparando as características culturais de nossos dias com aquelas que a história nos fornece, em função da sua personalidade-base.

    O Português é um misto de sonhador e de homem de acção, ou, melhor, é um sonhador activo, a que não falta certo fundo prático e realista. A actividade portuguesa não tem raízes na vontade fria, mas alimenta-se da imaginação, do sonho, porque o Português é mais idealista, emotivo e imaginativo do que homem de reflexão. Compartilha com o Espanhol o desprezo fidalgo pelo interesse mesquinho, pelo utilitarismo puro e pelo conforto, assim como o gosto paradoxal pela ostentação de riqueza e pelo luxo. Mas não tem, como aquele, um forte ideal abstracto, nem acentuada tendência mística. O Português é, sobretudo, profundamente humano, sensível, amoroso e bondoso, sem ser fraco. Não gosta de fazer sofrer e evita conflitos, mas, ferido no seu orgulho, pode ser violento e cruel. A religiosidade apresenta o mesmo fundo humano peculiar ao Português. Não tem o carácter abstracto, místico ou trágico próprio da espanhola, mas possui uma forte crença no milagre e nas soluções milagrosas.

    Há no Português uma enorme capacidade de adaptação a todas as coisas, ideias e seres, sem que isso implique perda de carácter. Foi esta faceta que lhe permitiu manter sempre a atitude de tolerância e que imprimiu à colonização portuguesa um carácter especial inconfundível: assimilação por adaptação. O Português tem vivo sentimento da natureza e um fundo poético e contemplativo estático diferente do dos outros povos latinos. Falta-lhe também a exuberância e a alegria espontânea e ruidosa dos povos mediterrâneos. É mais inibido que os outros meridionais pelo grande sentimento do ridículo e medo da opinião alheia. É, como os Espanhóis, fortemente individualista, mas possui grande fundo de solidariedade humana. O Português não tem muito humor, mas um forte espírito crítico e trocista e uma ironia pungente.

    A mentalidade complexa que resulta da combinação de factores diferentes e, às vezes, opostos dá lugar a um estado de alma sui generis que o Português denomina saudade. Esta saudade é um estranho sentimento de ansiedade que parece resultar da combinação de três tipos mentais distintos: o lírico sonhador - mais aparentado com o temperamento céltico -, o fáustico de tipo germânico e o fatalístico de tipo oriental. Por isso, a saudade é umas vezes um sentimento poético de fundo amoroso ou religioso, que pode tomar a forma panteísta de dissolução na natureza, ou se compraz na repetição obstinada das mesmas imagens ou sentimentos. Outras vezes é a ânsia permanente da distância, de outros mundos, de outras vidas. A saudade é então a força activa, a obstinação que leva à realização das maiores empresas; é a saudade fáustica. Porém, nas épocas de abatimento e de desgraça, a saudade toma uma forma especial, em que o espírito se alimenta morbidamente das glórias passadas e cai no fatalismo de tipo oriental, que tem como expressão magnífica o fado, canção citadina, cujo nome provém do étimo latino fatu (destino, fadário, fatalidade).

    Este temperamento paradoxal explica os períodos de grande apogeu e de grande decadência da história portuguesa. Ao contrário do que muitos disseram, o Português não degenerou; as virtudes e os defeitos mantiveram-se os mesmos através dos séculos, simplesmente as suas reacções é que variam conforme as circunstâncias históricas. No momento em que o Português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidades de acção, abnegação, sacrifício e coragem e cumpre como poucos. Mas se o chamam a desempenhar um papel medíocre, que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória.

    Esta maneira de ser torna particularmente difícil a tarefa dos governantes, sobretudo em períodos históricos em que as circunstâncias não permitem desempenhar uma acção que lhes agrade e desencadeie as energias.

    Nas épocas extraordinárias, quando acontecimentos históricos puseram à prova o valor do povo, ou lhe abriram perspectivas novas, que o encheram de esperança, então brotaram por si, naturalmente, as melhores obras do seu génio. Porém, nos períodos de estagnamento nasce a apatia do espírito, a relutância contra a mediania, a crítica acerba contra o que não está àquela altura a que se aspira, ou cai-se na saudade negativa, espécie de profunda melancolia.


    Percorrendo a história, podemos facilmente verificar como estas características apontadas se repetem em diferentes épocas, explicando certas acções e demonstrando a constância de alguns elementos fundamentais da cultura portuguesa.

    Em todas as épocas se verifica o temperamento expansivo e dinâmico do Português. Sem ir à cultura dolménica, desde as épocas mais remotas, nos tempos em que a actividade era a guerra, os Lusitanos foram a expressão mais acabada da luta permanente e sem tréguas, que se prolongou pela Idade Média nas lutas da Reconquista contra os Mouros, para se transformar, finalmente, nas viagens de descobrimentos e de colonização. É também sintomático os Portugueses terem participado em grande parte das guerras europeias, mesmo quando não tinham interesses directamente ligados a tais conflitos. Até a série de revoluções fratricidas do século XIX e princípios do século XX provam o fundo de permanente inquietação e actividade. Porém, essa actividade traz sempre consigo um cunho de ideal. Quase nunca se verifica a acção precedida de cálculo interesseiro e frio. Embora não lhe falte, por vezes, um fundo prático e utilitário, o grande móbil é sempre de tipo ideal. Nas lutas da Reconquista não se procura só reaver o solo que os Muçulmanos tinham conquistado: lutava-se por um ideal religioso e expulsava-se o inimigo da Fé. A grande empresa marítima visa, é certo, a descoberta do caminho da índia e os negócios das especiarias, mas, além de se pretender dilatar o Império, pretende-se dilatar a Fé. A última ideia justificava a primeira, e não o inverso. Nunca soubemos separar o sonho da realidade, ao contrário do Inglês, que procede friamente, orientado pelo seu sentido prático. A maior desgraça da nossa história, a infeliz campanha de Alcácer Quibir, em que desapareceu D. Sebastião com a elite militar do seu tempo, não passou dum grande sonho vivido, de trágicas consequências. Mas a história está cheia de curiosos episódios, como o do Magriço e o dos Doze de Inglaterra, que vão defender em torneio umas damas ultrajadas por cavaleiros ingleses, a comprovar o fundo de sonhador activo do Português. Além disso, o desprezo pelo interesse mesquinho e o gosto pela ostentação e pelo luxo nunca nos permitiram o aproveitamento eficaz das grandes fontes de riqueza exploradas. Os tesouros passavam pelas nossas mãos e iam-se acumular nos povos mais práticos e bem dotados para capitalizar, como os Holandeses e os Ingleses. Soubemos traficar, mas faltou-nos sempre o sentido capitalista. No século XVI, quando Lisboa era o grande império do mundo, sob o brilho do luxo já se ocultava a miséria. Gil Vicente descreve os fidalgos cobertos de rendas e brocados, com a sua corte de lacaios, mas sem dinheiro para comer. O gosto pelas jóias, pela pompa, pelo luxo, é uma constante da nossa cultura. Desde as estações proto-históricas do Noroeste, tão ricas em magníficos exemplares de jóias de ouro, e, depois, nos períodos áureos, de que podemos citar a embaixada de Tristão da Cunha ao papa e as magnificências do reinado de D. João V, até aos nossos dias, tudo confirma o gosto pela ostentação e pelo espavento. Contudo, poucos povos têm menos necessidade de conforto do que o português. Ao contrário dos povos burgueses do Norte e Centro da Europa, o nosso luxo não é um requinte que resulte do conforto, é-lhe quase que oposto; é mero produto da imaginação, e não dos sentidos. Ainda hoje temos as camas mais duras da Europa, e as ruas estão repletas de automóveis de luxo. São poucas as casas ricas com aquecimento e muitas delas não têm uma sala de estar. Mas essas mesmas casas têm salas de visitas ou até salões de baile cheios de porcelanas da Índia e da China. As pessoas modestas, cujas casas são despidas do mínimo conforto, andam nas ruas vestidas com elegância ou com luxo. Um pequeno empregado do comércio, de pouca ilustração e educação, faz mais figura na rua do que um intelectual alemão ou suíço, de boa família e com recursos. Da mesma maneira, qualquer empregadita, que mal ganha para se alimentar, anda vestida impecavelmente e pela última moda. É tal a importância que se atribui ao exterior que, mesmo no Verão e no campo, as pessoas da classe média não se atrevem a tirar o casaco e a gravata. Só nos últimos anos, por influência do cinema e do desporto, isso vai sucedendo. Mas não se concebe que, por exemplo, um estudante universitário aparecesse nas ruas de calção.

    Outra constante da cultura portuguesa é o profundo sentimento humano, que assenta no temperamento afectivo, amoroso e bondoso. Para o Português o coração é a medida de todas as coisas.

    O sentimento amoroso é muito forte em todas as classes sociais e, fora o aspecto grosseiro, que se compraz em anedotas eróticas, são inúmeros os exemplos de grande e profunda dedicação, acompanhada de gestos de verdadeiro sacrifício. Não só a história como a literatura nos dão a prova irrefutável da permanência desta característica através dos tempos. O exemplo mais curioso foi a grande paixão de D. Pedro por D. Inês de Castro, que nem a morte conseguiu extinguir e que ainda hoje serve de motivo poético e impressiona as sensibilidades. Na literatura basta lembrar a poesia medieval, tão sentida e original, em que com frequência se canta o amor da mulher pelo homem. A lírica de Camões, esse grande amoroso, dá-nos exemplos da mais bela e mais repassada emoção. As cartas de Soror Mariana Alcoforado, palpitantes de paixão veemente, os sonetos de Florbela Espanca, as poesias de João de Deus e muitos outros, sem esquecer a riquíssima poesia popular, particularmente impregnada de sentimento amoroso, são outras tantas afirmações desta constante da alma portuguesa
    .

    Mas, além de forma puramente amorosa, a afectividade portuguesa revela-se em relação aos parentes, aos amigos e aos vizinhos. O Português não gosta de ver sofrer e desagradam-lhe os fins demasiado trágicos. Daí talvez a pobreza do género dramática da nossa literatura e as soluções felizes que Gil Vicente soube dar a casos de traição conjugal, que em Lope de Vega ou Calderón acabam em vingança sangrenta. Ainda hoje o público gosta dos filmes de happy ending. Outro aspecto curioso dessa característica são as touradas portuguesas, em que o touro não morre e vem embolado, para não ferir os cavalos nem matar os homens. O espectáculo perdeu a intensidade dramática que tem em Espanha, mas ganhou em beleza, pela valorização do toureio, e mantém a nota viril da coragem física com as pegas, em que os homens medem forças com o touro, que é dominado a pulso. Cabe aqui acrescentar que em Portugal não existe a pena de morte, certamente como consequência dessa maneira de ser.

    Como representantes do sentimento humano na literatura, temos, por exemplo, Augusto Gil, João de Deus, Júlio Dinis, Trindade Coelho e António Nobre. É este sentimento que explica muitas atitudes desconhecidas noutros países e tão frequentes em Portugal, como a do filho a quem oferecem uma boa situação no estrangeiro e que renuncia por ver umas lágrimas nos olhos da mãe; prefere arruinar as suas esperanças à ideia de a fazer sofrer. É também ele que determina um sem-número de casamentos injustificáveis, em que o homem se sacrifica para evitar o desgosto a uma rapariga com quem namorou algum tempo. Quando vê o sofrimento que provoca a ideia do rompimento, decide-se a casar e aguentar toda a vida uma situação que não foi determinada pela íntima necessidade.

    Contudo o Português não é fraco nem cobarde. Detesta as soluções trágicas e não é vingativo, mas o seu temperamento brioso leva-o com excessiva frequência a terríveis lutas sangrentas. Quando o ferem na sua sensibilidade e se sente ultrajado, ou perante um ponto de honra, é capaz de reacções de extraordinária violência. São testemunho disso os jornais diários, que relatam rixas tremendas entre amigos e vizinhos. Antigamente, e hoje mais raramente, pela repressão que o Estado tem criado, as lutas entre aldeias vizinhas tomavam aspectos de batalhas campais. Mas, tirando o crime passional, são raros os casos de homicídio perverso. Não se conhecem vampiros, como no Norte da Europa, nem os assassinos que cortam as mulheres aos pedaços e os queimam ou deitam aos rios, como em outros países sucede.

    A própria religião tem o mesmo cunho humano, acolhedor e tranquilo. Não se erguem nas aldeias portuguesas essas igrejas enormes e solenes, tão características da paisagem espanhola, que na sua imponência apagam a nota humana. A igreja portuguesa, ora caiada e sorridente entre ramadas, ora singela e sóbria na pureza do granito, é simplesmente a casa do Senhor. É sempre um templo acolhedor, habitado por santos bons e humanos. Não se vêem os Cristos lívidos e torturados de Espanha. A sensibilidade portuguesa não suporta essa visão trágica e dolorosa.


    A prova mais evidente deste sentimento humano e terreno da nossa religiosidade verifica-se na extraordinária expansão do estilo românico, com o seu arco singelo bem apoiado na terra, e na falta de assimilação do estilo gótico. Nunca sentimos esse profundo arroubo místico, essa ânsia de ascensão que caracteriza o gótico. O nosso espírito assimilou mal um estilo cuja expressão nos era estranha. Em todos os monumentos arquitectónicos caracteristicamente portugueses perdura uma certa espessura dos pilares, uma nítida tendência para a profundidade e para a horizontalidade, contrária à ânsia de verticalidade ascensional do gótico. O espírito português é avesso às grandes abstracções, às grandes ideias que ultrapassam o sentido humano. A prova disso está na falta de grandes filósofos e de grandes místicos. Nem compartilha do racionalismo mediterrâneo, da luminosidade greco-latina, nem da abstracção francesa, de grandes linhas puras, nem do arrebatamento místico espanhol. Em vez das grandes catedrais góticas da França e da Espanha, ou dos templos clássicos da Renascença italiana, que não sentia, o Português acabou por criar um estilo próprio, onde a sua religiosidade típica melhor se exprime: o manuelino.

    Foi no clima de exaltação dos descobrimentos marítimos que os elementos psíquicos dispares da população portuguesa se fundiram e alcançaram as suas expressões mais elevadas. O Atlântico atraíra sempre com a sua magia um certo fundo sonhador e vago das populações costeiras, enquanto as do interior se agarravam fortemente à solidez do solo conquistado. Nas cantigas de amigo perpassava já o perfume dos ventos do mar, enquanto nas pequenas igrejas românicas, fortemente fincadas no chão, se exprimia a solidez rústica duma crença firmemente enraizada na terra. Mas o Atlântico venceu. Os Portugueses lançam-se na grande aventura e desviam a civilização do Mediterrâneo para o Atlântico, mudando o curso à história universal. O velho do Restelo era o homem da terra em face da loucura marítima. Porém, solidário como nos tempos da Reconquista, quando ficava a cultivar as terras recém-conquistadas, o camponês também não falhou a colonizar as terras recém-descobertas. Apesar de a população metropolitana ser insignificante, a Madeira e os Açores começam a ser colonizados em 1425 e 1439, isto é, 6 e 12 anos logo após o seu descobrimento. Por fim descobre-se o caminho marítimo para a índia e toma-se posse oficial do Brasil. O profundo sentimento da natureza, já patente na Lírica Medieval e na Menina e Moça, robustece-se em contacto com os grandes horizontes abertos, com as tempestades e com os mundos exóticos, povoados de animais e de gentes estranhas ". Os Lusíadas, que entusiasmaram Humboldt pelo seu enorme encanto ao descrever os fenómenos marítimos, são o grande poema do mar. Sente-se nele o deslumbramento do poeta e de toda a geração o que precedeu: Digam agora os sábios da Escritura que segredos são estes da Natura...

    Perante a grandeza e os mistérios da natureza, que os Portugueses vão a pouco e pouco descobrindo, nasce uma atitude especial, não destituída dum certo fundo místico-naturalista, com tintas de panteísmo. Não panteísmo filosófico, mas sentimental. O Deus que se adorava continuava a ser o mesmo, dentro da ortodoxia católica, mas o mundo por Ele criado era muito mais variado e rico. É então que surgem os Jerónimos como expressão arquitectónica máxima da religiosidade portuguesa. A grande novidade era a decoração naturalista, inspirada em motivos do mar e na exuberância da vegetação exótica. O antigo sentimento da natureza, que só encontra até então expressão poética, transporta-se agora para a forma plástica. Os templos enchem-se de elementos da natureza, impregnados de sentido religioso, de evocações de mundos longínquos e estranhos e dos mistérios do mar. Era natural que esse povo de marinheiros quisesse decorar os seus templos com as belezas do mundo recém-descoberto. Ainda hoje os pescadores rudes do Norte de Portugal costumam levar como ex-votos ao santo da sua devoção miniaturas de navios ou quadros alegóricos de qualquer naufrágio ou perigo de que escapam. Porém, se na decoração há novidade arquitectónica, a sensibilidade portuguesa manteve-se presa ao atavismo românico, na solidez das proporções e no arco redondo. A sua religiosidade rude e simples sente confiança num templo fortemente apoiado na terra, onde paira uma obscuridade doce que repousa o espírito.

    O manuelino é, pela sua decoração, uma espécie de estilo barroco, razão por que Eugénio d'Ors diz que o barroco nasceu em Portugal. Contudo, no manuelino e, mais tarde, no nosso barroco falta por completo o movimento musical que se verifica noutros países, sobretudo na Áustria e nos arredores alpinos. Se o movimento é uma das características mais salientes do barroco, temos de ver que esse movimento toma entre nós uma feição especial que o afasta inteiramente do pais das valsas. É um movimento parado, uma espécie de imóvel «perpetuum mobile», como diz Santiago Kastner ao referir-se aos ostinati dos compositores portugueses ". De facto, a actividade portuguesa é de tipo flsico, embora seja determinada pela imaginação, mas há qualquer coisa de estático na emoção portuguesa. O fundo contemplativo da alma lusitana compraz-se na repetição ou na imobilidade da imagem.

    Uma das características mais importantes da saudade é precisamente essa fixidez da imaginação, que, por intensidade, se pode tornar em ideia motora e conduzir à acção. A poesia medieval impressiona tanto pela imobilidade dos pequeninos quadros, que se repetem, que até houve quem lhe procurasse uma origem oriental". Além disso, a literatura portuguesa manteve até hoje o carácter lírico. A vocação para o género épico e dramático foi sempre menor, e até mesmo Os Lusíadas valem muito pelo seu fundo lírico. Os romances actuais são, da mesma maneira, falhos de acção, parados. Mas na música repete-se exactamente o mesmo fenómeno. Em quase todos os compositores se verifica a imobilidade, o apego a meia dúzia de desenhos musicais fixos, às sequências obstinadas. Falta-nos a animação própria dos Espanhóis e a predisposição para encadeamento de movimentos, frequente noutros povos. Diz Santiago Kastner a propósito de Duarte Lobo que este «logrou expressividade penetrante, que deriva antes da atitude contemplativa e do ensinamento do que do afã de dramatização estilizada e porventura excessiva».

    Não será isto, afinal, uma constante da alma portuguesa, que se revela particularmente neste compositor? O «ostinatismo» que se verifica na música erudita portuguesa, e que, parece, veio influenciar a música europeia da época, é um dos aspectos do temperamento português, que se pode notar em outras manifestações artísticas. O manuelino esse mesmo “ostianismo” tão português como marítimo, feito de ondas e de espuma e de vago apelo da distância. Onde há movimento mais imóvel que o das ondas a rolar os seixos das praias?

    É possível que o fundo histórico da imobilidade e do «ostinatismo» da música erudita portuguesa sejam os intervalos paralelos e isométricos das canções corais alentejanas e minhotas, que na sua essência representam também a ideia do ostinato, mas a sua verdadeira origem deve estar na alma contemplativa e obstinada dos Portugueses. Foi a própria obstinação que tornou possível a realização dum sonho que parecia superior às forças daqueles que o realizaram. O manuelino, afinal, é a expressão arquitectónica desse sonho materializado; é, como disse Reinaldo dos Santos, a «arte dos Descobrimentos.


    O «ostinatismo» tem, como a saudade, mais que uma face. Se por trás dele existe uma ideia grande pode ser fértil em resultados, pela sua enorme capacidade de penetração, de movimento em profundidade. Mas, sem esse amparo, tem o perigo de conduzir à imobilidade mental, ou ao movimento aparente e sem sentido, porque lhe alta a força de coesão social, que leva o português a ultrapassar o seu individualismo e a colaborar. De facto, o Português tem um forte sentimento de individualismo, que se não deve confundir com o de personalidade. Enquanto a personalidade anglo-saxónica ou germânica não colide geralmente com os interesses sociais e só preza a sua liberdade íntima, o Português, da mesma maneira que o Espanhol, tem uma forte ânsia de liberdade individual, que muitas vezes é anti-social. A tendência a opor-se a tudo que se lhe não apresente com carácter humano obriga-o a lutar contra as leis ou organizações gerais. Detesta o impessoal e o abstracto e põe acima de tudo as relações humanas. O seu fundo humano torna-o extraordinariamente solidário com os vizinhos, e em poucas regiões da Europa existirá ainda vivo como em Portugal o espírito comunitário e de auxílio mútuo. Mas qualquer organização geral que limite as liberdades individuais produz imediatamente um movimento de reacção em que todos são solidários. Um pequeno exemplo anedótico verifica-se no costume de os automobilistas fazerem sinais com os faróis a todos os carros com que se cruzam, sempre que tenham visto a polícia das estradas, para os porem de sobreaviso. A polícia, como representante da lei geral, é considerada como inimigo, e logo surge a reacção.

    Da mesma maneira o funcionário, até quando veste uma farda e obriga a cumprir a lei, tem idêntica dificuldade em representar um papel impessoal. Esta típica feição portuguesa dá origem a uma das burocracias mais rígidas que até hoje conheci na Europa. O funcionário menor agarra-se desesperadamente à letra da lei, sem tentar compreender-lhe o espírito. Qualquer caso menos corrente já o não quer resolver e atira-o para o seu superior hierárquico. Sente-se mal e pouco à vontade metido naquela camisa-de-forças, que o impede de ser ele próprio e de se apoiar no seu instinto humano. A própria tristeza e má vontade que, em geral, traz estampadas no rosto devem ser a consequência do violento esforço de adaptação a funções para as quais não sente vocação. Esta tendência a sobrepor a simpatia humana às prescrições gerais da lei fez com que durante muito tempo a vida social e pública girasse à volta do empenho ou do pedido de qualquer amigo. Pedia-se para passar nos exames, para ficar livre do serviço militar, para conseguir um emprego, para ganhar uma questão, enfim, para todas as dificuldades da vida. Hoje em dia tal hábito tradicional tem sido contrariado e já quase não existe. Porém, este fundo de simpatia que regula as relações entre os Portugueses está tão entranhado que até no comércio, onde o interesse se devia sobrepor a tudo, ele se verifica. Disse-me um vendedor alemão, que viveu muitos anos em Portugal, que para fazer negócio no nosso país era indispensável conquistar a simpatia do comprador. Uma vez isto conseguido, tinha-se a certeza de obter a preferência. Pelo contrário, noutros países, a única maneira de vender é oferecer maiores vantagens materiais, independentemente de toda a amizade pessoal.

    É a sobreposição dos valores humanos ao lucro e ao utilitário que explica muitos capítulos da nossa história e que deixa compreender muitas formas da sociedade actual. Tal mentalidade é a negação do espírito capitalista. No campo, sobretudo, é ainda viva a mentalidade patriarcal, onde a mesa está pronta para quem se quiser sentar e onde se não nega o pão e o caldo ao mendigo que passa. De dinheiro podem ser avaros, mas não fazem as contas ao que é da sua lavoura. Chegam a vender coisas mais baratas do que elas lhes custam. Porém, nas próprias empresas comerciais e industriais existem ainda muitos casos de absoluta falta de racionalização. O Português gosta de fazer projectos vagos, castelos no ar que não pensa realizar. Mas no seu intimo alberga uma certa esperança de que as coisas aconteçam milagrosamente. Esta forte crença no milagre, cujo aspecto mais grosseiro é a enorme popularidade do jogo da lotaria, chega a tomar aspectos curiosos, dos quais sobressai o sebastianismo. Todos esperavam que o rei D. Sebastião, morto em África, surgisse numa manhã de nevoeiro montado no seu cavalo de guerra. A crença viva é decididamente uma força, mas, quando toma aspectos irracionais e supersticiosos, pode ser uma fraqueza. Um dos aspectos maus e muito correntes é a crença na sorte: «Fulano tem sorte» e «eu não tenho sorte» servem para diminuir as qualidades dos outros e justificar a própria incapacidade.

    A imaginação sonhadora, a antipatia pela limitação que a razão impõe e a crença milagreira levam-no com frequência a situações perigosas, de que se salva pela invulgar capacidade de improvisação de que é dotado. Quando se aproxima a catástrofe, abrem-se-lhe os olhos da razão, e então é capaz de desenvolver tal energia e com tal eficiência que a isso é que se poderia chamar milagre. O facto de se repetirem tais situações deve explicar-se pela confiança que o Português tem na facilidade das soluções da última hora. Nesses momentos a sua inteligência viva, a enorme capacidade de adaptação a todas as circunstâncias e o jeito para tudo permitem-lhe dominar as situações com êxito.

    É ainda essa enorme capacidade de adaptação uma das constantes da alma portuguesa. O Português adapta-se a climas, a profissões, a culturas, a idiomas e a gentes de maneira verdadeiramente excepcional. O Português foi sempre poliglota. Já os nossos clássicos escreveram quase todos em mais de uma língua, e mesmo as pessoas de pouca ilustração aprendem e sabem com frequência falar um idioma estrangeiro. Mas a capacidade de adaptação é geral; podia ilustrar-se com inúmeros exemplos. É, porém, curioso que o Português se adapta a outro ambiente cultural tão bem que parece ter sido assimilado; mas volta para Portugal e em pouco tempo já não se distingue dos outros. Enquanto o Inglês fica sempre inglês em toda a parte, e o Alemão, quando deixa de o ser, dificilmente volta a tornar-se alemão, o Português assimilou completamente o provérbio que diz: «Em Roma sê romano.» Mas só enquanto está em Roma.

    A capacidade de adaptação, a simpatia humana e o temperamento amoroso são a chave da colonização portuguesa. O Português assimilou adaptando-se. Nunca sentiu repugnância por outras raças e foi sempre relativamente tolerante com as culturas e religiões alheias. A miscigenação portuguesa não tem só uma explicação sensual, embora a caracterize uma forte sexualidade. Ainda hoje o Português tem decidida inclinação por mulheres doutras raças e é capaz de mostrar grande afeição ou profundo amor. É célebre o amor de Camões por uma escrava, cantado em versos sentidos. Mas o Português não gosta só de certas raças, gosta de quase todas. Um dia, ao folhear um livro de registo de portugueses no consulado de Berlim, fiquei espantado com o elevado número de casamentos de portugueses com alemãs, e já tenho encontrado, mesmo em aldeias primitivas, mulheres francesas, espanholas e italianas (estas residentes no Brasil) casadas com antigos emigrantes.


    O Português é menos exuberante, ruidoso e expansivo que os outros meridionais. Um só espanhol, numa carruagem de comboio, abafa com a sua voz a de todos os portugueses. Além disso, o Português é inibido por um forte sentimento do ridículo. Como é muito sensível e dotado da faculdade de se aperceber do que vai nos outros, receia ser vítima da ironia e da crítica trocista, tão comum em Portugal. De facto, a ironia, muito mais do que o humor, tem fundas raízes na cultura portuguesa; desde as cantigas de escárnio e maldizer da Idade Média até à ironia de Eça de Queirós há toda uma gama de coloridos. Temos a ironia benévola de Gil Vicente, a mordente de Nicolau Tolentino e de Bocage e a ironia pungente ou sarcástica de Fialho e de Camilo. Mas o próprio povo, com as suas certeiras alcunhas e apelidos, ou com os apodos tópicos, ou com os cantares ao desafio, etc., mostra a terrível arma de que é dotado. Por isso, a sensibilidade, que é um dos grandes elementos positivos da mentalidade portuguesa, é também um dos grandes elementos da sua fraqueza. O sentimento do ridículo e o medo da opinião alheia abafam nele muitos impulsos generosos, deformam a sua naturalidade e impedem-no de se entregar livremente aos prazeres simples e à alegria espontânea. Nas classes populares tal sentimento é moderado, mas nas outras classes é tão saliente que se tornam com frequência ridículos pelo medo de o parecer. Tal sentimento complica-se pela consciência das glórias passadas, pelo desprezo paradoxal pelos valores burgueses e pela admiração pelas realizações alheias. O Português, muito intimamente, é incapaz de ambicionar para a sua pátria o bem-estar e a prosperidade que, por exemplo, o Suíço conseguiu pelo esforço pertinaz e constante. É certo que o Português se envergonha perante um suíço, pelo elevado nível de vida que aquele soube conquistar, mas se fosse ele o suíço, envergonhar-se-ia da mesma maneira, por ter conseguido um bem-estar sem glória.

    É um povo paradoxal e difícil de governar. Os seus defeitos podem ser as suas virtudes e as suas virtudes os seus defeitos, conforme a égide do momento.

    Fonte : http://raizes.blogs.sapo.pt/3142.html
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 13

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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 14

    Os primeiros povos a habitar a península ibérica
    II
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 15

    Os primeiros povos a habitar a península ibérica
    III
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 16

    1.
    Lusitânia (em latim: Lusitania) foi o nome atribuído na Antiguidade ao território oeste da Península Ibérica onde viviam os povos lusitanos desde o Neolítico. Após a conquista romana passou a designar uma província romana da Hispânia,cuja capital era Emerita Augusta (atual Mérida).
    A Lusitânia romana incluía aproximadamente todo o atual território português a sul do rio Douro, mais a Estremadura espanhola e parte da província de Salamanca. Tornou-se uma província romana a partir de 29 a.C. até ao fim do vínculo com Roma e entrega aos Alanos em 411. Considerada a origem ancestral de Portugal, a Lusitânia pré-romana onde pontuou Viriato, está na base do movimento lusitanista.
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 17

    2.
    Lusitânia pré-romana
    A primeira referência à Lusitânia foi feita nas Histórias de Políbio.[1] O historiador e geógrafo grego Estrabão (aprox. 63 a.C - 24 d.C) descreveu a Lusitânia pré-romana, numa primeira análise, desde o Tejo à costa cantábrica, tendo a Ocidente o Atlântico e a Oriente as terras de tribos célticas. A Lusitânia pré-romana é referido como o período até 29 a.C. quando foi criada por Augusto a província Lusitânia, o limite ao norte passou a ser o rio Douro e ao sul ultrapassou o Tejo, anexando a Estremadura espanhola, Alentejo e Algarve; e a oriente ocupou parte das terras dos célticos.

    Oxthracai, maior cidade dos lusitanos, segundo Apiano,[2] foi destruída em 152 a.C.. Apesar das fronteiras da Lusitânia não coincidirem perfeitamente com as de Portugal de hoje, os povos que habitaram aquela região são uma das bases etnológicas dos portugueses do centro e sul. Desde épocas remotas esta faixa territorial foi ocupada pelo ser humano. Dos tempos pré-históricos restam vestígios como as grutas naturais e artificiais de Estoril, Cascais, Peniche, Palmela Escoural ou também a cova chamada "Cuna de Viriato" em Valência de Alcântara ou Maltravieso em Cáceres (Estremadura espanhola). A cova de Escoural foi descoberta acidentalmente por uma detonação de uma pedreira e estudada de imediato pelo Dr. Farinha dos Santos que encontrou intactos os restos mortais dos ocupantes deste refúgio, abrigo e jazida funerária; outras jazidas com restos do paleolítico e neolítico são os conceiros do vale do Tejo e Sado, em Muge, da ribeira de Magos, dos arredores da Figueira. Mas principalmente a cultura megalítica, com os dólmens, monumentos de falsas cúpulas de Alcalar no Algarve, que teve no território português um dos seus maiores focos de expansão junto com o oeste estremenho (a célebre "ruta de los dolmenes" da Estremadura), constitui um testemunho, que desde épocas longínquas este território foi um «habitat» privilegiado.

    Supõe-se que o Périplo de um navegador massaliota, efetuado por volta de 520 a.C., que descreve a sua viagem marítima ao longo das costas da Península, tenha sido aproveitado por Avieno, escritor do século IV, para compor a Ode Marítima. No seu poema, Avieno refere-se aos "Lucis", que seria considerada, por alguns autores, a mais antiga menção aos Lusitanos neste território.[3] Além deles foram referidos os Estrímnios, os Draganos, e a sul, na atual região do Algarve, os Cinetes ou Cónios.

    Muitos dos povos antigos que entraram na Península Ibérica deixaram no território da Lusitânia vestígios bem marcados dos contatos comerciais e de influência cultural. Ficariam perfeitamente acentuados e reveladores de uma assimilação mais profunda os vestígios da ocupação romana, a que se seguiriam as ocupações dos visigodos e dos árabes. Alguns historiadores antigos referem-se ao ouro da Lusitânia, riqueza que como a prata é hoje testemunhada pela frequência dos achados em Portugal, de numerosas joias típicas fabricadas com esses metais — colares, braceletes, pulseiras, arrecadas etc. O cobre, em abundância, extraía-se das minas do Sul. O chumbo encontrava-se, segundo Plínio, o Velho, na cidade lusitana de Medubriga Plumbaria,[4] que da abundância local daquele minério teria recebido o nome.

    Os lusitanos, normalmente considerados antepassados dos portugueses do centro e sul do país e dos estremenhos, foram um povo celtibérico que viveu na parte ocidental da Península Ibérica. Inicialmente, uma única tribo que vivia entre os rios Douro e Tejo ou Tejo e Guadiana. Ao norte do Douro limitavam com os galaicos e astures - que constituem a maior parte dos habitantes do norte de Portugal, depois integrados na província romana de Galécia, a sul com os Béticos e a oeste com os celtiberos na área mais central da Hispânia Tarraconense. A figura mais notável entre os lusitanos foi Viriato, o mais destacado dos seus líderes no combate aos romanos.


    Imagem : Mapa etnográfico e linguístico da Península Ibérica cerca de 200 a.C., do fim da segunda guerra Púnica.
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 18

    3. Guerra com Roma e a resistência lusitana

    A invasão romana da Península Ibérica iniciou-se no contexto da Segunda Guerra Púnica (218 a.C.-201 a.C.), quando as legiões romanas, sob o comando do cônsul Cipião, para ali se movimentaram, a fim de atacar pela retaguarda os domínios de Cartago na região. A estratégia visava enfraquecer as forças cartaginesas, afastando os seus exércitos da península Itálica. Contudo, a derrota dos cartagineses não garantiu a ocupação pacífica da Península Ibérica. Segundo Plutarco, os rendimentos provenientes de metais preciosos da Hispânia cobriam todas as despesas da guerra. Para além da exploração das minas de ouro e prata uma grande receita provinha dos tributos, impostos, resgates e saques que incluíam objectos de ouro e prata dos tesouros públicos.[5][6][7]

    A partir de 195 a.C., registaram-se choques com tribos de Lusitanos, conflitos que se estenderiam até 138 a.C., denominados por alguns autores como guerra lusitana. A disputa foi mais acesa pelos territórios mais prósperos, especialmente na região da atual Andaluzia. Nestes confrontos destacou-se um grupo de Lusitanos liderados por Viriato, chefe eleito por aclamação. Este grupo infligiu várias derrotas às tropas romanas na região da periferia andaluza, tornando-se um mito da resistência peninsular.

    Em 150 a.C., o pretor Sérvio Galba estabeleceu um acordo de paz com os Lusitanos, na condição de entregarem as armas. Aproveitando-se desta paz para os chacinar, fez lavrar ainda mais a revolta. Durante oito anos os romanos sofreram pesadas baixas, numa luta que levou ao assassínio de Viriato traído por três dos seus aliados pagos pelos romanos. Mas a luta não parou, e Roma enviou à Península o cônsul Décimo Júnio Bruto Galaico, que fortificou Olisipo, estabeleceu a base de operações em Méron próximo de Santarém, e marchou para o Norte, matando e destruindo tudo o que encontrou até à margem do rio Lima. Nem assim Roma conseguiu a submissão total e o domínio do norte da Lusitânia só foi conseguido muitos anos após a tomada de Numância, na Celtibéria que apoiava os castros de Noroeste. No século I, consegue-se a Pax Augusta: a Hispânia é dividida em três províncias. Neste período o geógrafo Estrabão, e o historiador universal Trogo Pompeu dedicam-se a descrever os seus habitantes. Segundo Trogo:

    «Os hispanos [de Hispânia] têm o corpo preparado para a abstinência e fadiga, e ânimo para a morte: uma dura e áustera sobriedade para todos[8]. […] Em tantos séculos de guerra com Roma, não tiveram nenhum outro capitão a não ser Viriato, um homem de tal virtude e continência que, depois de vencer os exércitos consulares durante 10 anos, nunca quis distinguir-se no seu modo de vida de qualquer soldade raso».
    Outro historiador romano, Tito Lívio (59 a.C.-17 d.C.), escreve também sobre o carácter do homem hispânico:

    «Ágil, belicoso, inquieto. A Hispânia é distinta da Itálica, mais disposta para a guerra por causa do agreste terreno e do génio dos homens».
    Lúcio Aneu Floro (entre os séculos I e II), um historiador amigo de Adriano, também teceu algumas considerações:

    «A nação hispânica, ou a Hispânia Universa, não soube unir-se contra Roma. Defendida pelos Pirenéus e pelo mar, podia ter-se tornado inacessível. O seu povo foi sempre valoroso, mas muito mal hierarquizado» [i.e., apesar de cada tribo ou povoação dispor de um líder, não existia nenhuma forma de coordenação].
    Ao iniciar-se a fase imperial romana, a Pax Augusta fez-se sentir na Península: a partir de 19 a.C., as legiões ocuparam a região norte peninsular, mais inóspita, ocupada por povos cântabros e astures. Com esta ocupação, asseguravam-se as fronteiras naturais e pacificava-se essa região mais atrasada, de modo a que não constituísse ameaça para as populações do vale do rio Ebro e da chamada Meseta, já em plena fase de romanização.
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      CMartin
    • 26 agosto 2017 editado

     # 19

    4. Divisão administrativa

    A Lusitânia estava densamente povoada especialmente a sul do Tejo, existindo nela diversas comunidades, tal como descrevem os geógrafos Estrabão, Pompónio, Plínio, o Velho e Ptolomeu entre os séculos II a.C. e II d.C.

    A província foi subdividida entre o império de Augusto e o de Cláudio em três conventos jurídicos, unidades territoriais presididas por cidades capitais com assento de tribunal e de assembleias conjuntas de romanos e indígenas (convento) que aconselhavam o governador na administração da justiça, entre outras possíveis atribuições:

    Convento Emeritense, com capital em Emerita Augusta (Mérida, Espanha)
    Convento Escalabitano, com capital em Escálabis Júlia (Santarém, Portugal)
    Convento Pacense, com capital em Pax Julia (Beja, Portugal)
    Os conventos presidiam um total de 46 populis, sendo 5 cidades de colonos romanos, entre as quais Pax Júlia (Beja), Escálabis (Santarém) e Olisipo (Lisboa), município de direito romano, e três que usufruíam o direito lácio - Ebora (Évora), Mírtilis (Mértola) e Salácia (Alcácer do Sal); finalmente 37 eram da classe estipendiária, entre as quais se destacam Emínio (Coimbra), Balsa (Tavira), Miróbriga (Santiago do Cacém). Algumas dessas comunidades encontram-se por localizar com precisão: Ossónoba (Faro?), Cetóbriga (Setúbal?), Colipo (Leiria?), Arábriga (Alenquer?).


    Imagem : A Lusitânia no tempo de Adriano (r. 117–138), mostrando as principais vias romanas, assentamentos de legionários e minas de ouro e prata (Au/Ag). Nomes e localidades "bárbaros" de acordo com a obra de Tácito (escrita c. 100 d.C.)"
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  9.  # 20

    5.

    Povos da Lusitânia romana

    Lusitanos
    Calaicos apenas durante a primeira divisão administrativa da Lusitânia.
    Túrdulos
    Turdetanos
    Célticos
    Vetões
    Astures apenas durante a primeira divisão administrativa da Lusitânia
 
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